Em uma das consultas de rotina, o médico orientou que meu pai fosse a um neurologista e, para surpresa de todos, ele havia sido diagnosticado com a doença de Parkinson.
Rosana Caruzo (*)
Sabe aquele homem da década de 30, que era visto como o “Homem da casa”, o que trabalhava duro para manter o lar, o que era símbolo de força e proteção? Esse era o meu pai, até os seus 83 anos de idade. O seu nome, Pedro, significa “pedra, rochedo” e não poderia ter significado melhor tamanha força que ele tinha.
Um homem sempre ativo, intenso, independente, que fazia da vida um verdadeiro filme de aventura, era bravo, durão, mas também autor das melhores e mais engraçadas histórias. Para os amigos ele era conhecido como “Ninja”, para os netos “vô maluco” e para mim, “melhor pai”.
Junto com a minha mãe, Maria, faziam tudo por conta própria, tinham a casa, o carro e iam pra lá e pra cá, seja para ir à feira, passeios, viagens e até mesmo à consultas médicas, afinal, o tempo passa e a idade pede cuidados redobrados. Junto com minhas outras duas irmãs, acompanhávamos tudo por telefone ou em reuniões familiares, pois sabíamos que eles eram independentes e se viravam muito bem.
Uma vez, conversando com minha mãe, ela comentou que meu pai não estava dormindo bem a noite, pois estava com sonhos e medos estranhos e disse também que ele estava com as mãos trêmulas. A princípio não demos muita importância a isso, já que ele sempre foi muito agitado, então, pensamos que poderia ser sintomas característicos de pessoas “nervosas” e ou devido à idade.
Em uma dessas consultas de rotina, o médico orientou que meu pai fosse a um neurologista e, para surpresa de todos, ele havia sido diagnosticado com a doença de Parkinson. A partir desse diagnóstico houve uma inversão de papéis, aquele que sempre cuidou de uma família inteira, passou a ser cuidado.
Minha mãe demonstrava diversos sentimentos, como tristeza, medo, insegurança de como seria o futuro com a nova condição do meu pai e incertezas em relação às características da doença (crônica, neurodegenerativa e progressiva). Ela sabia que teria que ser forte para ajudá-lo a passar por tudo isso.
Para minha família foi um impacto grande também, pois não se sabia sobre a doença, suas causas e tratamentos. Então, começamos a estudar mais sobre a doença de Parkinson, vimos na internet que era realmente uma doença
degenerativa e sabíamos que tínhamos que nos preparar, pois não tinha cura e que dependendo como fosse, em um ano nosso pai poderia estar em cadeiras de rodas, acamado ou até morto.
A partir deste susto que me dei conta que meus pais estão velhos, foi aí que comecei a pesquisar e querer entender melhor sobre essa doença de Parkinson e sobre o processo de envelhecimento.
Ao aprofundar este tema, descobri que a doença de Parkinson é classificada entre as doenças degenerativas do sistema nervoso que manifestam a falência de dispositivos neuronais, como incapazes de se renovarem e, por isso, apresentam-se particularmente sensíveis ao envelhecimento. A doença de Parkinson é a segunda doença neurodegenerativa mais comum em idosos.
Alguns sintomas e sinais motores são característicos, como tremor de repouso, bradicinesia (lentidão de movimentos), rigidez e alterações do equilíbrio. Outros sintomas como psicose, transtornos cognitivos e depressão, não poderiam ser ignorados, já que levam a um comprometimento considerável da qualidade de vida do idoso. Dependendo do grau, pode interferir no humor, na concentração intelectual e na motivação, caracterizando os sintomas não motores comuns nos doentes.
Após ter entendido melhor sobre a doença e o envelhecimento, eu e minhas irmãs começamos a ter que conviver com o conflito da aceitação, o que significa assumir todas as possibilidades que a doença e o envelhecimento carrega. Isso é muito difícil e tentamos retardar ao máximo essa interiorização como forma de resistência à sua condição de saúde e vida, mas sabíamos que ele precisaria muito da nossa compreensão e aceitação para seguir melhor:
A experiência mostrou-me que as pessoas têm, fundamentalmente, uma orientação positiva…. Acabei por me convencer de que quanto mais um indivíduo é compreendido e aceito, maior tendência tem para abandonar as falsas defesas que empregou para enfrentar a vida, e para progredir num caminho construtivo. (ROGERS, Carl, Tornar-se Pessoa, 1961, p.26).”
Seguimos em frente e logo foi possível identificar que um dia é sempre diferente do outro, tendo um convívio com altos e baixos da doença, que são marcados pela melhora ou piora dos tremores, da rigidez e dos demais sinais e sintomas.
A cada novo dia, meu pai tem que superar seus sinais e sintomas e as limitações impostas. Há uma luta constante por manter a autonomia e independência. As alterações que ocorrem no cotidiano da doença são bastante impactantes para ele, pois já não consegue realizar as atividades do dia a dia como antigamente, seja no cuidado próprio, como higiene, ou no andar, subir escadas, conversar e ser aquele Pedro que já foi um dia. Com as modificações houve a necessidade de auxílio da família.
Cuidar de uma pessoa com doença neurodegenerativa não é fácil, principalmente quando se trata do seu pai. Minha mãe tem um papel muito importante nos cuidados, afinal ela quem faz absolutamente tudo, como administrar os medicamentos, fazer atividades ao ar livre, cuidar da alimentação, da questão religiosa, incentivos para as leituras e conversas que trazem lembranças boas.
A partir de certo estágio da doença de Parkinson, os cuidados passam a ser presentes em muitas atividades. Não se trata apenas de uma companhia ou de alguém para administrar a medicação, o escopo é bem maior. E é neste momento que nós, as filhas, temos que estar presentes para acompanhar nos atendimentos médicos e nos exames de laboratório e no dia a dia.
Entre os sintomas e sinais característicos da doença de Parkinson que comentei anteriormente, apenas alguns foram observados no meu pai, como tremor nas mãos, rigidez e lentidão de movimentos. A depressão não teve vez, pois estamos sempre presentes, conversando, jogando baralho, entre outras diversões que sabemos que meu pai gosta e que mantém uma qualidade de vida. Além de sempre incentivar a independência dele, para ele sentir que é capaz de fazer coisas sem ajuda de ninguém.
Já fazem 6 anos que ficamos sabendo do diagnóstico do meu pai, e o mesmo encontra-se com a doença estabilizada, não houve uma progressão nos sintomas e sinais do Parkinson, conforme a literatura informa.
Neste ano venho refletindo sobre o atual cenário do meu pai e, com isso, percebi sobre o papel que a empatia poderia desempenhar nesse processo de estabilidade da doença. Acredito que como praticante de uma abordagem psicológica, neste caso a Abordagem Centrada na Pessoa, a origem surge da prática clínica psicoterápica de Carl Rogers, a qual ele descobriu o papel fundamental que a escuta empática do terapeuta desempenhava na promoção da saúde de seus clientes.
Rogers percebeu que o cliente, ao vivenciar uma relação em que era respeitado em sua individualidade e compreendido em sua singularidade, tendia a utilizar seus recursos internos para se compreender e tomar direções mais satisfatórias em sua vida.
Quando percebem que foram profundamente ouvidas, as pessoas quase sempre ficam com os olhos marejados. Acho que na verdade trata-se de chorar de alegria. É como se estivessem dizendo: “Graças a Deus, alguém me ouviu. Há alguém que sabe o que significa estar na minha própria pele”. (ROGERS, Carl, Um jeito de ser, 1980, pg. 09-10).”
A partir deste momento, Rogers postula que cada ser humano possui uma capacidade latente ou manifesta de se autocompreender e resolver seus problemas, desde que sejam dadas as condições necessárias para seu desenvolvimento.
De uma forma mais explícita ou implícita, Rogers defendeu a confiança no ser humano como sendo capaz de se compreender e definir para si mesmo e para sua comunidade os objetivos e valores que mais se adequavam a eles.
Assim, vemos que valores como respeito, democracia, confiança, empatia, compreensão, liberdade, responsabilidade, dignidade, autonomia, autenticidade e AMOR são próprios de uma Abordagem Centrada na Pessoa.
Existe um texto, Saber Viver, de Cora Coralina, que traduz o que somos hoje para o meu pai, que mostra o motivo da doença ter se estabilizado mesmo depois de tanto tempo:
Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura……Enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”
Acredito que não há receitas, fórmulas ou modelos a serem seguidos, principalmente se tratando de uma doença degenerativa como o Parkinson, mas acredito que com paciência, AMOR e dedicação, podemos fazer com que o Parkinsoniano tenha uma qualidade de vida melhor e mais longevo.
(*)Rosana Caruzo – Psicóloga graduada pela Universidade Metodista de São Paulo. Texto escrito para o curso Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, ministrado pelo Cogeae (PUC-SP), no segundo semestre de E-mail: [email protected]