Muitas vezes, me parece que o discurso resolveu tratar o envelhecimento como o maior problema da atualidade e daí para frente sai o maior erro: multiplicar conceitos de negócios para resolver problemas e não para atender necessidades, sonhos, ideais de seus consumidores. Olhar para frente e entender quem é o velho de hoje e quem serão os 30% de idosos que farão parte da população brasileira em 2050, é de extrema importância para traçarmos qualquer estratégia de negócio.
Denise Morante Mazzaferro *. Texto e fotos
Para iniciarmos uma conversa sobre o mercado de serviços para o envelhecimento, não basta um olhar de negócios: taxas de envelhecimento, situação socioeconômica dos idosos e dos familiares, localização, potencial de mercado, etc….antes de mais nada, é importante nos aprofundarmos no que é envelhecer em uma sociedade que preza autonomia, que valoriza o jovem, o novo, que discrimina o velho.
Apesar de diariamente nos defrontarmos com matérias referentes ao envelhecimento e a longevidade nos meios de comunicação, que ora nos mostram cenários extremamente negativos e ora nos apontam aspectos positivos será que realmente entendemos que esse fenômeno, já denominado pelos americanos como “agequake” terá repercussão em todos os aspectos de nossa vida social e econômica?
Olhar para frente e entender quem é o velho de hoje e quem serão os 30% de idosos que farão parte da população brasileira em 2050, é de extrema importância para traçarmos qualquer estratégia de negócio. Teremos evoluído o que precisamos evoluir nas questões sociais? E em relação ao preconceito? O que realmente precisamos de negócios? Qual a prioridade e em que estágio está o mercado brasileiro?
O Mundo
Olhando para os países já envelhecidos, como Japão, Europa e Estados Unidos, vemos uma grande evolução não somente nos empreendimentos de moradia, como também na ampliação de serviços que propiciam a permanência dos idosos em casa.
No Japão, em 2014, estudos governamentais revelaram que o número de pessoas de mais de 65 anos tinha superado, pela primeira vez, os 30 milhões, o que representa quase um quarto dos 126 milhões de habitantes.
Em 1963, prevendo o rápido envelhecimento de sua população o governo japonês criou a lei da Previdência para o Idoso, de lá para cá vem apoiando diversas iniciativas de construções de espaços de moradia institucionais para idosos mais fragilizados e, hoje, volta sua atenção para ações de suporte para o domicilio, família, geração de renda e estímulo a participação social.
Para fomentar a iniciativa privada criou políticas de incentivo fiscal para aqueles que decidem empreender no setor.
O governo japonês conta com uma criteriosa classificação funcional e cognitiva para avaliar o idoso e estimar que serviços são necessários e aconselhados para sua vida e sobrevivência com qualidade, ou seja, através deste serviço não só informa as necessidades, como também comunica as ofertas. Acesse Aqui
Os próprios idosos e seus familiares podem buscar, através de um portal, locais e serviços por custo, proximidade e necessidade.
Em uma cultura que, como a nossa, valoriza o cuidado do idoso pelo familiar e acaba discriminando empreendimentos de moradia, os japoneses possuem uma ampla gama de serviços domiciliares com o principal objetivo de manter a independência do usuário em casa por maior tempo possível. São eles: Cuidador temporário (de 2h até 24h); Serviços de acompanhante programado (com ou sem transporte); Serviços domésticos programados (alimentação – limpeza); Alimentação transportada; Banho programado; Reabilitação programada; Assistência para compras; Reabilitação cognitiva ou física; Orientações com sugestão de segurança e adaptações no domicílio.
Todos esses serviços são oferecidos pela iniciativa privada e pagos pelos usuários. O programa japonês pode subsidiar algum deles de acordo com avaliações sócio econômicas, mas é importante ressaltar que todos acabam sendo oportunidades de empreendimentos que não precisam esbarrar no preconceito da moradia.
Além dos serviços domiciliares também existem os Centros Dias e Centros de Convivência oferecidos de forma integral ou parcial ao longo do dia.
Nos outros países como Alemanha, Portugal, Estados Unidos, entre outros, a oferta de serviços domiciliares também é bastante ampla, mas dependendo das questões culturais podem ou não evoluir para a opção de um empreendimento de moradia que além de oferecer todos esses serviços também possibilita a sociabilização.
Nos Estados Unidos aonde os filhos saem de casa cedo e os pais já estão habituados à ideia de que terão que tomar conta de si mesmos na velhice, a ideia de morar em ILPIs (senior livings) está mais amadurecida.
Os americanos já em 1985, com o filme Cocoon, “vendiam” esses empreendimentos como espaços bacanas, alegres, aonde qualquer um gostaria de passar sua velhice – amigos, festas, muita diversão.
Lá eles estão divididos da seguinte forma:
1) “Independent Living” – prédios voltados para idosos independentes e com autonomia.
2) Care Center ou Nursing Homes – prédios voltados para idosos semi-dependentes ou dependentes fisicamente.
3) Memory Care – prédios voltados para idosos com Alzheimer ou outras doenças com grandes déficits cognitivos.
4) Norteados pelo conceito de “Aging in place”, agregam os 3 serviços em um único empreendimento, mas em prédios separados. Ou seja, permite que você continue no mesmo lugar caso seja acometido por um declínio funcional ou cognitivo.
O Brasil
Temos muito a caminhar, mas existem muitos modelos já colocados em exercício aqui que nos servem como Boas Práticas. A própria política do Programa São Paulo Amigo do Idoso do Governo do Estado de São Paulo traz modelos que merecem ser olhados e postos em prática. A iniciativa privada já vem se movimentando, aumentando o número de residenciais, centros de convivência, centros dias, serviços de cuidadores de idosos, etc.
Mas o que nos falta para retirarmos o avião da pista de decolagem e realmente seguirmos a rota do envelhecimento populacional brasileiro?
A heterogeneidade da população brasileira nas questões socioeconômicas, culturais, étnicas, está refletida na realidade da velhice e deve ser levada em consideração quando pensarmos em qualquer negócio para esse mercado.
A sociedade e o mercado brasileiro precisam encontrar alternativas que atendam às necessidades da população idosa em crescimento e respeitem esta heterogeneidade, mas que promovam a sociabilização dessas pessoas.
Sociabilizar é prevenção de saúde, é qualidade de vida.
Fazer amigos, namorar, sair é saúde, é vida.
Sonhar, ter objetivos, buscar realizações são razões para estarmos aqui.
Qualquer serviço de moradia, domiciliar ou de convivência tem que ter isto como principal objetivo – continuar a fazer com que eles sonhem, com que eles tenham objetivos e razões para viver.
Muitas vezes, me parece que o discurso resolveu tratar o envelhecimento como o maior problema da atualidade e daí para frente sai o maior erro: multiplicar conceitos de negócios para resolver problemas e não para atender necessidades, sonhos, ideais de seus consumidores.
Outro dia li um texto que me sensibilizou muito, era a história de Dona Maria Odete Martins que foi intitulado: “O dia que me tornei invisível”, ela conta sua história trancada em um quarto dos fundos do quintal da casa dos filhos:
“….. Senti que o coração encolhia e o queixo tremia, como alguém que tinha vontade de chorar. Eu os entendo, são jovens, riem, sonham, se abraçam, se beijam e eu e eu…. Antes beijava os meus netos, adorava tê-los nos braços, como se fossem meus. E até cantava canções de embalar que tinha esquecido. Um dia a minha neta que acabava de ter um bebê me disse que não era bom que os velhos beijassem os bebês por questões de saúde. Desde então, não me aproximo mais deles, tenho tanto medo de contagiá-los! Eu não tenho mágoa deles, eu perdoo a todos, porque que culpa têm eles, de que eu tenha me tornado invisível?”
Trago esse texto como uma provocação e para dizer que não tenho conclusões, soluções para esse mercado, tenho muitos aprendizados.
Os idosos não são e não podem ser invisíveis, eles são a nossa memória, nossa história, fomos e somos criados a partir de algo.
Como pensar em esconder o futuro da nossa humanidade, como não comemorar os avanços da ciência que nos deu mais anos de vida. Como esconder as pessoas que chegam lá?
Evoluímos, quando pensamos, instigamos, consideramos, criamos juntos novas possibilidades para os velhos de hoje e para tantos velhos de amanhã!
* Denise Morante Mazzaferro – Mestre em gerontologia PUC, Pós graduação em Marketing ESPM. Sócia da Angatu IDH – Angatu Integração e desenvolvimento humano. Membro da Rede de Colaboradores do Portal do Envelhecimento. Email: [email protected]. Site Acesse Aqui