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Menopausa é assunto ignorado ou tratado de forma rasa e preconceituosa, revela pesquisa

duas mulhers brancas adultas conversam frente a frente/

Desmenstruar é ainda mais invisível do que a menopausa, numa cultura que nega o envelhecimento dos corpos femininos.


Por Katia Marchena  (*)

Bastou a apresentadora e modelo Fernanda Lima, uma mulher jovem, linda e famosa ir a público para dizer que está sofrendo pelos efeitos da menopausa para que a mídia abrisse mais espaço e o assunto entrasse nas rodas de discussão.  

Mas o jornalismo, sabemos, segue a lógica de um espetáculo pirotécnico: explode, encanta e se apaga rapidamente. E assim tem sido com a menopausa, um tema que emerge condicionado ao depoimento da famosa da vez e logo desaparece, deixando milhares de mulheres no vácuo até a próxima famosa anunciar os fogachos. Por isso, decidi ouvir 1.046 mulheres de mais de 40 anos na pesquisa “Desafios e Percepções da Mulher na Menopausa”.

Sobre a percepção dessas mulheres e o trabalho da mídia e da imprensa sobre tema, 62% disseram que falta informação, 59% afirma que a imprensa pode contribuir para uma mudança de cenário com informações médicas e científicas acessíveis ao público e 38% acreditam que o assunto é simplesmente ignorado ou tratado de forma rasa, preconceituosa ou alarmista na mídia e nos veículos de comunicação.

A amostra tinha alto índice de escolaridade: cerca de 80% com ensino superior ou pós-graduação. Ainda assim, as respostas revelaram um cenário alarmante: 70% disseram que já foram julgadas ou ouviram comentários preconceituosos sobre a menopausa vindos de outras mulheres.  Na questão, de múltipla escolha, que perguntou se essa mulher já se sentiu excluída ou marginalizada por estar na menopausa, cerca de 8% disseram que no ambiente de trabalho. Cerca de 20% disseram ainda ter problema em falar que estão na menopausa, e 35% disseram não falar sobre o tema com familiares, parceiros ou filhos.

Ouvir as mulheres foi uma experiência muito profunda. Quase uma centena me chamou em privado, queriam dizer mais. Há um sofrimento que as envolve porque não encontram espaços na família, na empresa, entre amigas e mulheres mais jovens. Nem vou citar os homens que precisam urgentemente serem letrados sobre o tema.  A pesquisa mostrou que estão dispostas a falar, então, temos que abrir canais para ouvi-las. Silenciar também é uma forma de manipulação. Essa palavra não dita também é o silêncio que nos atravessa enquanto mulheres.

Enquanto cursava a disciplina de antropologia social com ênfase em menstruação, do mestrado na Unicamp, logo eu estava passando pelo processo de “desmenstruação”, e mergulhei fundo no tema e no termo que não existe nos dicionários, mas está em aproximadamente 20 milhões de corpos de brasileiras, para a faixa etária entre 43 a 59 anos, idade em que as mulheres entram no climatério após menopausa, segundo estimativas do IBGE. Tomei a liberdade e a ousadia de criar essa palavra, porque nomear também é existir e resistir.  

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Insistir em usar “desmenstruação” em vez de “menopausa” foi meu jeito de dizer: isso que vivemos tem nome, tem sentido, e precisa ser ouvido com sensibilidade. Menstruar sempre foi cercado de tabus. Desmenstruar, porém, é ainda mais invisível numa cultura que nega o envelhecimento dos corpos femininos porque escapam à lógica sexual, reprodutiva e estética. O corpo que muda sem pedir licença agride o sistema. 

Desmenstruar é deixar de sangrar, sim, mas é, sobretudo, uma travessia. Não se trata apenas de fim de ciclo, mas de um novo modo de habitar o corpo, o tempo e o mundo. Desmenstruar é mais liberdade, mais autonomia sobre si mesma, sobre nossos desejos, sobre o fim da responsabilidade sobre a natalidade. 

E liberdade, companheiras, é o maior dos poderes.

(*) Katia Marchena é jornalista pós-graduada em sociologia, política e mídia, pesquisadora e mestranda em divulgação científica e cultural pelo Laboratório de Estudos Avançados de Jornalismo (Labjor), da Unicamp. Publicado originalmente na Agência Bori.

Foto de Kaboompics.com/pexels.


Beltrina Côrte

Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: beltrinac@gmail.com

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