“O tempo diminui, as árvores passam como vultos, a vida passa, o tempo passa, estou a 130”. Cuidado, não perca os segundos, nem os minutos, menos ainda as horas. Eu, você e a natureza, juntos, seguindo na onda de Cronos e vivendo na esteira de Kairós.
Luciana Helena Mussi *
E a mais bela das Damas se despede na triste manhã do dia 05 de dezembro de 2015. Juca de Oliveira, em entrevista à Globo News, disse: “Nos encontraremos, faremos uma festa. Evidentemente, Marília Pêra fazendo a protagonista do espetáculo, estará ali esperando por todos nós”.
Ah, que alento pensar que aqueles que mais amamos estarão – um dia – ali, um tantinho mais adiante, prontos e de braços abertos para nos receber! Se você acha que isso é só ilusão, pouco importa, o que vale mesmo é acreditar e ter fé, e seguir vivendo, sabe-se lá até quando.
“Vivi de arte, vivi de amor/ Nunca fiz mal a nenhuma criatura viva”. Os versos são da ópera “Tosca” e foram lembrados por Marília ao escolher o título de sua autobiografia, “Vissi D’Arte” (Escrituras, 1999).
Uma mulher que falava e sentia o amor com simplicidade intensa. Mas será “isso”, possível?
Bem, como sou eu que escrevo esse texto, tenho que confessar exageradamente, rasgadamente que SIM, CLARO!!!
Mas, tanto já se falou sobre essa lamentável perda, que pensei: o que mais posso dizer sobre uma pessoa de tamanha competência e luz?
Uma Dama como Marília Pêra, sempre inspira, ela, apenas ela, e sua interpretação das palavras sobre a vida. E na música de Roberto Carlos, ela se despede, cantando… a 120… 150… 200 km por hora. Brincando com os versos, esse será o nosso agradecimento pela arte que permanece e eterniza e nos faz arriscar a viver os dias, incessantemente, loucamente:
“As coisas estão passando mais depressa, o ponteiro marca 120”. Nesse correr, fique alerta, aprenda, ensine, aproveite, abuse.
“O tempo diminui, as árvores passam como vultos, a vida passa, o tempo passa, estou a 130”. Cuidado, não perca os segundos, nem os minutos, menos ainda as horas. Eu, você e a natureza, juntos, seguindo na onda de Cronos e vivendo na esteira de Kairós.
“As imagens se confundem, estou fugindo de mim mesmo, fugindo do passado, do meu mundo assombrado de tristeza, de incerteza, estou a 140”. Longe de mim, mas junto de ti, sempre por você e em você.
“Fugindo de você, eu vou voando pela vida sem querer chegar, nada vai mudar meu rumo nem me fazer voltar, vivo, fugindo, sem destino algum, sigo caminhos que me levam a lugar nenhum, o ponteiro marca 150”. Nessa velocidade, que medo me dá!!!
“Tudo passa ainda mais depressa, o amor, a felicidade, o vento afasta uma lágrima que começa a rolar no meu rosto, estou a 160”. Passa rápido, com lágrimas, choros…mas cá estamos.
“Vou acender os faróis, já é noite, agora são as luzes que passam por mim, sinto um vazio imenso, estou só na escuridão, a 180”. Mas o brilho, nem que seja aquele do rasguinho, da pequena fenda, segue, a toda velocidade.
“Estou fugindo de você, eu vou sem saber pra onde, nem quando vou parar. Não, não deixo marcas no caminho pra não saber voltar. Às vezes sinto que o mundo se esqueceu de mim. Não, não sei por quanto tempo ainda eu vou viver assim. O ponteiro agora marca 190”. Sem saber do tempo, sem noção da trilha, eu persisto e insisto: a vida é assim.
“Por um momento tive a sensação de ver você a meu lado. O banco está vazio. Estou só a 200 por hora. Vou parar de pensar em você. Pra prestar atenção na estrada. Vou sem saber pra onde nem quando vou parar. Não, não deixo marcas no caminho pra não saber voltar. Às vezes, às vezes sinto que o mundo se esqueceu de mim. Não, não sei por quanto tempo ainda eu vou viver assim. Eu vou, vou voando pela vida. Sem querer chegar”.
E se minha vida fosse uma folha de papel, assim eu escreveria todos os versos. Partiria de 120, a toda velocidade, até todos os ponteiros baterem os arriscados 200 quilômetros por hora, neste longo, imenso e insensato percurso.
Em “Alice no País das Maravilhas”, a menina pergunta, ansiosa: “Quanto tempo dura o eterno?”
E o apressado Coelho responde: “Às vezes apenas um segundo”.
Mas Marília Pêra permanece, eternizada aqui nessa vida, logo ali entre os dois mundos e lá, no Outro, por que não?
Referências
Marília Pêra. “120… 150… 200 Km por Hora”. Em “Elas Cantam Roberto Carlos”. Aqui
* Luciana Helena Mussi – Engenheira, psicóloga e mestre em Gerontologia pela PUC-SP. Doutoranda em Psicologia Social PUC-SP. Editora-executiva da revista Kairós Gerontologia. Coordenadora da Coluna Filmografia do Portal do Envelhecimento. Professora do Curso de Especialização em Gerontologia (Cogeae-PUCSP). Email: [email protected]. Currículo Lattes Aqui