Houve um tempo em que um dos meus esportes prediletos era procurar nas publicações – revistas, jornais etc – qualquer descuido do jornalista ou do redator ou de algum entrevistado que falasse algo que me soasse falso ou erro grosseiro. Mandava ver. Pena não ter guardado todas as broncas que enviei para as redações. Hoje, teria farto material para mais de uma crônica. Vamos ver o que guardei.
Waldir Bíscaro *
Em 2002 e 2003, quando tentava esclarecer a confusão que alguns profissionais de RH criavam a respeito de certas práticas da psicologia aplicada em organizações, como “coaching”, “counseling” e “mentoring”, eu ficava possesso ao ler certas entrevistas ou artigos em que o profissional, ao tentar vender seu peixe, exibia ignorância e pretensão.
Foi o que encontrei em entrevista dada à revista de “T & D”, por uma psicóloga que assim dizia:
“Counseling” é uma espécie de “coaching” individualizado…”
Então escrevi: A entrevistada ouviu cantar o galo, mas não sabe onde… É que a prática do “counseling” consagrada por Carl Rogers existia nas empresas desde os anos quarenta, bem antes da chegada do “coaching” que também é individualizado e mais orientado para o desempenho profissional.
Mais adiante a entrevistada nos presenteia com outra bola fora:
“O “mentoring” é mais voltado para as questões de ordem mental, como é a origem do nome, “mentes”…
Nesta, a moça caprichou, errou no latim, na origem do nome e na conceituação do termo. No latim, ela deveria falar “mentem” – acusativo singular – e não “mentes”. O nome “mentoring” vem de um nome próprio grego: Mentor, personagem da Odisséia. Ulisses, quando partiu para Tróia, confiou a Mentor a educação de seu filho Telêmaco. Com isso o vocábulo Mentor se tornou sinônimo de tutor, preceptor, nada a ver com “mentes”. E o mentoring tornou-se uma prática em que profissionais mais experimentados e selecionados se encarregam de apoiar e orientar os mais jovens, em começo de carreira. Essa área me inspirou muitas broncas.
A que vem a seguir, eu não havia guardado comigo, mas graças à internet e ao bom humor do jornalista “abalroado”, apareceu na página do “Observatório da Imprensa” do Google, assinado pelo jornalista Moacyr Jupiassu:
Errei, sim.
“Farça Curtura” – O leitor Waldir Bíscaro, – RG:….., de São Paulo, envia coluna da revista Veja na qual estava assinalado o seguinte trecho: “ (…) E o que é um Menem? Um palimpsesto político, palavra que se pode ler da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda, porque não faz diferença”.
“Ah!, essa farça curtura” comenta o malvado Bíscaro. É que a tal palavra que se lê de qualquer jeito é: palíndromo”.
E o jornalista continua:
E que diacho é palimpsesto? Entre outras acepções, trata-se de uma espécie de pergaminho”. (fev 1994)
Bem que o jornalista poderia ter sido mais preciso a respeito de “palimpsesto” que não é exatamente uma espécie de pergaminho e, sim, um pergaminho em que originalmente havia sido escrito, por exemplo, um poema de Homero e que, mais tarde, alguém, por ignorância ou necessidade, teria raspado as letras originais para escrever por cima números ou qualquer anotação. Graças à paciência dos monges beneditinos, muitos documentos de valor foram resgatados removendo-se inscrições sem interesse literário ou histórico e descobrindo o texto original impregnado no couro de carneiro. Paciência beneditina!
A respeito desse episódio, o jornalista não contou o principal. É que não escrevi para a Veja, para exibir cultura inútil, na realidade eu havia feito uma crítica ao jornalista por causa de um comentário dele sobre Lula – que não me agradou – então aproveitei para dar-lhe uma chumbada por conta do “palimpsesto”.
*Filósofo e psicólogo e ex-professor de Psicologia do Trabalho na PUC/SP. E-mail: [email protected]