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Literatura e Resistência, caminhos do longeviver

Sentimos as promissoras possibilidades que a literatura pode oferecer como recurso para o conhecimento de si, do outro e das questões fundamentais do ser humano, em todas as idades da vida, guiado pela angústia existencial da busca de sentido – dupla resistência frente ao desencanto do mundo, e nossas muitas fragilidades.


A atividade Roda de Conversa no tema A Literatura e Resistência – Caminhos do LongeViver, realizada recentemente (22/07) no Espaço Longeviver foi, na observação dos participantes, instigante e estimulante. Já na apresentação cada um disse de si e de sua ligação com a literatura – mais ou menos intensa – e surgiu uma provocação – o título foi interpretado de duas maneiras – resistência à literatura, ou seja, a dificuldade de encontrar nela um interesse maior, e literatura como resistência – como caminho para preservação de valores frente à desumanização das relações pessoais e sociais.

Uma interessante conversa se estabeleceu no grupo, e pudemos constatar a afirmação de Sartre[1] de que a literatura tem o poder “de nos fazer escapar das forças da alienação ou da opressão”, e este poder libertador e humanizador tem impacto na vida pessoal e social – como possibilidade de resistência.

Mas, questionamos também como ela pode servir como resistência nos caminhos do Longeviver, considerando que, ao longo da vida, ela nos oferece conhecimentos – outras paisagens, povos, costumes, pessoas – histórias e experiências nunca experimentadas – mundos novos! Nos leva por caminhos incertos, desconhecidos.

Ela pode nos envolver também pela identificação – reconhecimento de características, fatos já vividos, dores, amores, alegrias e sofrimentos – palavras não ditas. Assim, podemos ‘projetar’ nos personagens, de quem a leitura nos faz parceiros, muitos sentimentos em nós represados. Podemos, assim, pensar no texto como um objeto intermediário e a leitura de obras literárias como recurso terapêutico – como a biblioterapia[2].

Segundo Caldin (2001, pp. 32-33)[3] a função terapêutica da leitura pode proporcionar ‘a pacificação das emoções’ tendo como objetivos:

[…] permitir ao leitor verificar que há mais de uma solução para seu problema; auxiliar o leitor a verificar suas emoções em paralelo às emoções dos outros; ajudar o leitor a pensar na experiência vicária em termos humanos e não materiais; proporcionar informações necessárias para a solução dos problemas, e, encorajar o leitor a encarar sua situação de forma realista de forma a conduzir à ação.”

Este procedimento pode ter um enfoque psicoterápico – quando as reflexões proporcionadas pelas leituras são partilhadas e analisadas com o auxílio de um terapeuta. Mas, observamos nas discussões deste, e de outros grupos, as possibilidades terapêuticas dos encontros mediados com textos vários, ou a partir de fotos e objetos autobiográficos, não só nas conversas como em exercícios de escrita.

Na Roda de Conversa fizemos um pequeno exercício de leitura e partilha de textos, por nós selecionados, e que confirmou esses benefícios dos encontros para partilha de reflexões sobre literatura e vida, confirmando experiências anteriores na mediação de grupos.

Acreditamos que a literatura – romances, contos, ensaios e poesia -, entre outros – pode ser benéfica também na fase do envelhecimento. Notamos que os muitos grupos ou círculos de leitura que têm se formado, nos últimos anos, indicam a necessidade de espaços de encontros e suas possibilidades terapêuticas, pela troca de palavras, sentimentos e experiências – uma aventura de conhecimento de si e de outros tendo como mediador o texto literário e apoio do mediador do grupo.

A literatura pode ser vista como um ‘remédio’, não só contra a alienação e opressão, mas também como ‘compensação’ ao empobrecimento da linguagem, como constatamos hoje, de modo impactante, quando nos expressamos por e-mojis e sinais – o que denota um empobrecimento afetivo e moral.

Além deste ponto surge, trazido por uma das participantes, outra importante questão: sempre uma boa leitora, hoje se diz ‘prisioneira’ das redes sociais em detrimento das leituras. Um problema cada vez mais frequente, e que afeta a todos, em qualquer idade. Segundo Bergson (2006)[4]:

O poeta e o romancista divulgam o que estava em nós, mas que ignorávamos porque faltavam-nos palavras […] À medida que nos falam, aparecem-nos matizes de emoção que podiam estar representados em nós há muito tempo, mas que permaneciam invisíveis assim como a imagem fotográfica que ainda não foi mergulhada no banho no qual ira ser revelada.”

Um benefício suplementar é destacado pelo neurobiólogo Ivan Izquierdo quando afirma:

A leitura envolve, por definição, a memória visual e a verbal; nos deficientes visuais, a memória auditiva e a verbal. Os dois sentidos mais importantes para os humanos são a visão e a audição. Além da memória visual ou auditiva e verbal, a leitura envolve a memória de imagens. Impossível ler a palavra ‘árvore’ sem que desfilem pela mente algumas das muitas árvores que conhecemos ao longo de nossa vida. Impossível ler a palavra ‘casa’ sem lembrar de pelo menos duas, aquela em que transcorreu nossa infância e a atual”.  (Izquierdo, 2013, p. 86)[5]

Finalizamos esta interessante atividade, que nos envolve e aproxima do outro de forma concreta, presencial, com um pequeno exercício de leitura e reflexão – devido à escassez de tempo – mas que nos pareceu gratificante para todos.

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Foram selecionados pequenos trechos de 2 romances e uma crônica – da qual fiz a experiência de leitora para grupo em seu início. Os romances – O céu que nos protege[6], do escritor americano Paul Bowles (1990) e Relato de um certo Oriente, do brasileiro Milton Hatoum (1989). E o conto As três irmãs (lido integralmente pelo grupo) do livro O fio da missangas, do moçambicano Mia Couto (2009).

Nos comentários finais sentimos as promissoras possibilidades que a literatura pode oferecer como recurso para o conhecimento de si, do outro e das questões fundamentais do ser humano, em todas as idades da vida, guiado pela angústia existencial da busca de sentido – dupla resistência frente ao desencanto do mundo, e nossas muitas fragilidades.

Buscando superá-las podemos encontrar sentidos múltiplos em nós e na expressão íntima de nossos companheiros de jornada, incluindo os romancistas, os poetas, os filósofos cujas palavras nos tocam, nos fazem pensar e indicam caminhos.

Tenho esperança na literatura, porque tenho esperança na humanidade. A literatura comprova a maturidade humana [e colobora] na construção de uma cidadania robusta. Valter Hugo Mãe (2019)[7]


[1] Sartre, J.P. Que é literatura?Tradução de Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 2004.
[2] Biblioterapia – palavra que tem origem nos termos gregos biblion – livro, e therapeia – tratamento.
[3] Caldin, C. F. A Leitura como função terapêutica. R. Eletr. Bibliotecon. Ci. Inf., ISSN 1518-2924, Florianópolis, Brasil, n.12, p. 32-44, 2001.
[4] Bergson, H. A percepção da mudança. In O pensamento e o movente: ensaios e conferencias. Martins Fontes, 2006.
[5] Izquierdo, I. Questões sobre memória. 5. ed. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2013.
[6] Baseado no livro foi realizado um filme, de mesmo nome, dirigido por Bernardo Bertolucci (1990) com os atores John Malkovich, Debra Winger, como protagonistas.
7] In www. nexojormal.com.br   


Inscrições: https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/roda-de-conversa-sobre-solidao-com-vera-brandao/
Vera Brandão

Pedagoga (USP); Mestre e Doutora em Ciências Sociais (PUCSP); com Pós.doc em Gerontologia Social pela PUCSP. Docente. Pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE-PUC/SP). Editora da Revista Longeviver (https://revistalongeviver.com.br) e Coordenadora Pedagógica do Espaço Longeviver. E-mail: veratordinobrandao@hotmail.com

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