Almina Arraes de Alencar Pinheiro, 87 anos, moradora de Crato, cidade a 506 Km de Fortaleza, exerceu seus direitos. Mencionada por um vereador da cidade, no plenário da casa legislativa, como alguém que estava “na iminência de ser interditada”, a senhora, irritada, decidiu enviar uma carta defendendo “seu direito à dignidade”. Segundo a imprensa local, Almina foi citada por dois vereadores na Câmara do Crato por ter reclamado do serviço de água e esgoto da cidade.
A história de Almina
Em novembro de 2010, a aposentada recebeu uma cobrança de água quatro vezes maior do que a de costume. Buscando uma explicação para o aumento, Almina foi até o órgão municipal Sociedade Anônima de Água e Esgoto de Crato (SAAEC). Ela conta à imprensa: “Mas fui destratada e saí de lá sem a justificativa do aumento”. Quando um de seus filhos soube do ocorrido decidiu escrever uma carta e enviar a blogs e rádios que funcionam em Crato.
Almina explica que a razão da polêmica em torno da reclamação aconteceu quando as pessoas viram [a carta do filho]. Ela diz: “Recebi muitas cartas e mensagens de apoio”. Alguns meses depois, a conta de água da idosa voltou ao normal. “Foi por isso que o vereador Francisco Brasil me usou como exemplo”.
Na verdade, o vereador Francisco Brasil, havia feito um pronunciamento contra o aumento na conta de água na cidade. “Ele pediu que a administração [municipal] visse isso, para não acontecer o mesmo que aconteceu comigo”, disse Almina, referindo-se às reclamações que fez anteriormente à companhia, ocasião em que afirma ter sido destratada pela empresa de água e esgoto da região, ganhando a simpatia da população.
Neste cenário, durante o pronunciamento, surge outro vereador: George Macário de Brito, pedindo um aparte. Almina lembra que o vereador girou um dedo indicador na altura do ouvido e disse que a aposentada usada como exemplo estava a ponto de ser interditada e que as queixas dela com relação ao serviço não eram verdadeiras. Sentindo-se ofendida, Almina decidiu escrever a carta, em que diz:
Direitos: uma luta constante
Servindo de exemplo para os amigos da terceira idade, a aposentada, acredita que as pessoas têm receio de reivindicar os próprios direitos. Ela desabafa: “Lógico que sou exemplo, nem todo mundo tem a coragem que eu tive. Eu redigi e não ofendi ninguém, defendi meus direitos”.
A notícia, publicada no G1, ainda relata que o parlamentar Macário de Brito, em contato com o site do G1, disse que foi “mal-entendido” durante o aparte. Ele explicou que foi fazer uma defesa do governo municipal, mas apenas “a parte que interessava a oposição” ganhou destaque. Sobre a suposta interdição de Almina, o vereador disse tê-la confundido com outra pessoa da família. “Isso é um assunto já superado. Eu inclusive já fiz um pronunciamento pedindo desculpas”, conta.
Conhecimento: direito de todos
Almina Arraes é uma mulher vinda de família tradicional do interior do Ceará que, segundo afirma, tenta se manter sempre atualizada. Ela conta que em 2004 ganhou um computador de um dos filhos e decidiu procurar um curso de informática na cidade para aprender a usar a máquina e acessar a internet com segurança. Mas não havia curso para pessoas da sua idade na cidade, somente para crianças.
A senhora não recuou, ela diz com orgulho: “Fiz [o curso] assim mesmo”. Daí surgiu a ideia de criar, para os amigos, a cartilha “Minhas Lições”. Ela afirma que já distribuiu mais de dois mil exemplares da cartilha e prepara a segunda edição. “Muita coisa mudou, tenho de atualizar”, diz.
Que este seja um exemplo de quem não se amedronta com insultos, luta por direitos, por conhecimento e acima de tudo, pelo respeito à dignidade. A velhice não representa estagnação, coisas como “descansar numa cadeira de balanço e esperar a visita dos filhos”. Almina diz não a esta imagem de idosa. É presenteada pelo filho com uma máquina [computador] que, a princípio, tem lá suas estranhezas, mas não desiste.
Mesmo com cursos locais apenas para crianças, o que já é um enorme preconceito, a senhora vai a luta, segue seu aprendizado e melhor, o compartilha, através de “Minhas Lições”, com amigos. É o conhecimento ao alcance de todos. O verdadeiro saber é aquele que pode ser dividido, trocado e ressignificado pelos múltiplos olhares de quem o recebe.
E quando ela conta que está lançando uma segunda edição, já que “muita coisa mudou”, percebemos que ela “está ligadíssima” com os acontecimentos, notícias, inovações, enfim, com o outro, com o mundo que a rodeia e que se mostra imenso e acessível. Não há limites para o processo de evolução do homem. Reeducamos nosso olhar diariamente, isto porque a educação representa um conhecimento evolutivo, espiritual e ético.
Ao ler a história de Almina, sua luta pelo direito à liberdade, a busca pelo conhecimento e este compartilhar admirável, lembramos de uma das mais tocantes metáforas imaginadas pela filosofia – O mito da caverna narrado por Platão no livro VII da Republica.
Para o filósofo, todos nós estamos condenados a ver sombras a nossa frente e tomá-las como verdadeiras. Essa poderosa crítica à condição dos homens, escrita há quase 2.500 anos, inspirou e ainda inspira inúmeras reflexões.
Partilhando “O Mito da Caverna”
Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro, cuja entrada permite a passagem da luz exterior. Desde seu nascimento, geração após geração, seres humanos ali vivem acorrentados, sem poder mover a cabeça para a entrada, nem locomover-se, forçados a olhar apenas a parede do fundo, e sem nunca terem visto o mundo exterior nem a luz do sol. Acima do muro, um “fiapo” de luz exterior ilumina o espaço habitado pelos prisioneiros, fazendo com que as coisas que se passam no mundo exterior sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna. Por trás do muro, pessoas passam conversando carregando marionetes cujas sombras são as próprias coisas externas que projetadas são os seres vivos que se movem e falam.
Estas pessoas, os acorrentados, nasceram iludidos com as sombras, as chamadas aparências, ficaram presas à ilusão, e pior: uma ilusão coletiva que lhes parecia verdade. É difícil ir contra o que vemos, pois a maioria pensa que o que vê é a realidade. O grupo vive uma situação de alienação, eles não sabem que estão presos, é cômodo sempre concordar, dizer sempre sim. Mas um dos prisioneiros, tomado pela curiosidade, decide fugir da caverna. Inicia, a partir daí, o seu próprio processo de educação, contado a seguir:
No primeiro instante, o homem, que ousa se libertar das amarras em que se encontrava desde sempre, caminha com dificuldade. A vontade é voltar para a situação confortável, entretanto a curiosidade é maior e ele continua.
No segundo instante, ao chegar mais próximo da luz do sol, doem os olhos. A cegueira pode ser uma ameaça, uma enorme dificuldade para olhar, enfrentar as coisas reais da vida e ver o mundo tal qual ele é. Lentamente, ele se acostuma com as imagens que vê, mas a verdade dói. O que o nosso ex-acorrentado ganha no exercício da liberdade? Ele ganha a capacidade de comparar o antes e o depois.
No terceiro instante ele aprende a viver nesta nova realidade.
No quarto e último instante ele decide compartilhar com aqueles que ficaram na caverna o conhecimento adquirido na trajetória de libertação. Entende que a educação é coletiva. Ele pensa: Para evoluir tenho que levar a experiência vivida aos outros. Não há evolução solitária.
Mas voltar para a caverna pode representar sua morte, já que é mais fácil matar quem pensa diferente, quem ousa conhecer, desafiar e seguir. O processo que vai do corpo à alma é sempre difícil. É confortável permanecer preso ao corpo e a matéria (aquilo que aparenta ser).
Seria possível uma evolução sem dor?
Referências
VASCONCELOS, M. (2011). Irritada, idosa do CE manda carta a vereador após ofensa em plenário. Disponível Aqui. Acesso em 27/11/2011.