Gerações, relações intergeracionais, política geracional

Por que um compêndio multilíngue? A crescente convergência de regulamentos institucionais e legais no âmbito europeu ou as tendências sociais cada vez mais similares em vários países da Europa acabam por mascarar a permanência de diferenças culturais. Essas diferenças se expressam em compreensões divergentes acerca da (aparentemente) uniforme terminologia intergeracional ou mesmo no emprego de diferentes termos.

Paulo de Salles Oliveira

 

geracoes-relacoes-intergeracionais-politica-geracionalNeste projeto(1) adotamos uma dentre as várias perspectivas de análise de “gerações”. É oportuno esclarecer desde o início: quando as pessoas percebem a si próprias – ou quando outros as percebem – enquanto membros de uma geração, admitem que o pertencimento a ela é importante para sua identidade social e, portanto, para suas ações. Até que ponto isso se verifica dependerá das situações em que estiverem inscritas, das tarefas a serem realizadas e do meio social. Esse ponto de vista pode ser particularmente útil na vida das “sociedades pós-modernas”, em que a questão acerca do modo pelo qual as pessoas desenvolvem suas identidades, pessoal e social, adquire especial importância.

Esse ponto de partida oferece uma estrutura conceitual de referência para a análise geracional. Relaciona-se com a conhecida ferramenta heurística proposta por Karl Mannheim de “posição geracional, conexão geracional e unidade geracional” que assinala a relevância da consciência e da identidade, ainda que o faça a partir de diferentes suposições.

Tal perspectiva atrai especial atenção às relações entre membros de diferentes gerações, bem como à dinâmica dessas relações, o que demanda um direcionamento do foco para a socialização e para a “geratividade”. Propomos uma terminologia específica para esse fim. A experiência da temporalidade humana, a compreensão da “geratividade” e, por fim, a busca de significado se mostram sempre importantes. Esses temas são tanto históricos quanto atuais. A dinâmica contraditória do presente e a incerteza do futuro reforçam o interesse pelos atuais “problemas de gerações” (reportando-nos a Karl Mannheim, o fundador da teoria geracional).

Essa perspectiva difere daquela que entende gerações em função de categorias sociais ou “grupos”, comparáveis às classes sociais (definição histórica de gerações). Todavia, a questão a ser considerada é se, de fato, essas “comunidades de experiências compartilhadas” podem ser realmente observadas. Outra perspectiva dirige seu foco para gerações familiares (definição genealógica de gerações).

Nossa perspectiva permite explorar o que essas duas concepções nutrem em comum. Contudo, na medida em que as relações intergeracionais precisam ser organizadas, determinadas condições estruturais e sócio-demográficas precisam ser levadas em conta. Deste modo, as dimensões políticas ganham relevo, elucidadas por um novo conceito de política geracional. Isso oferece também oportunidade para posteriores avanços no conceito de “justiça intergeracional” (2).

Ao enfatizarmos que uma entre várias perspectivas possíveis está sendo apresentada, tal fato implica que há possibilidade de estender o horizonte e que este caminho deve depois ser explorado. Pretendemos observar mais detidamente tanto aspectos socioculturais quanto orientações dos rumos de vida no futuro. Comentários a esse respeito são mais que bem-vindos.

Por que um compêndio multilíngue? É fato consolidado que a ciência está globalizada, o que é evidente em quase todos os cursos de bacharelado. Apesar de óbvia a primazia da língua inglesa, a uniformidade resultante é frequentemente enganosa porque oculta sutis diferenças encontradas nas várias línguas e culturas. Além disso, a crescente convergência de regulamentos institucionais e legais no âmbito europeu ou as tendências sociais cada vez mais similares em vários países da Europa acabam por mascarar a permanência de diferenças culturais. Essas diferenças se expressam em compreensões divergentes acerca da (aparentemente) uniforme terminologia intergeracional ou mesmo no emprego de diferentes termos.

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Em nosso ponto de vista, a dimensão multilíngue permite melhor compreensão do fenômeno e de sua exploração teórica no campo da pesquisa intergeracional. As sutis diferenças suscitam novos aprofundamentos. Particularmente desafiadores são os termos que não podem ser facilmente traduzidos, tais como “estado/governo” ou “política”.

Comentários sobre a versão em português

A versão em português foi feita com base nas escritas em inglês e em espanhol. Fui convidado a elaborá-la pelo Prof. Mariano Sánchez, que já há algum tempo vem realizando fluente diálogo intelectual com os pesquisadores que originalmente formularam a proposta aqui sistematizada.

Encaro esta possibilidade de intercâmbio como muito promissora e estimulante, pois o esforço conceitual realizado se coloca como desafio na busca de um entendimento comum, mas sem deixar de reconhecer peculiaridades e diferenças.

Uma delas é a língua, como se verá, por exemplo, com a palavra “generativity” / “generatividad”. Nesta versão, foi traduzida por “geratividade” (e não “generatividade”) para particularizar que se trata de gerações e, assim, evitar ambiguidade com questões de gênero.

Outra faceta do empenho em conceituar é reconhecer as especificidades históricas de cada contexto a que se refere. Sensibilizar-se com as nuances da história implica, simultaneamente, visualizar o particular e alargar os horizontes na compreensão da complexidade dos cenários sociais.

Além destes aspectos, um terceiro ponto nos lembra que um entendimento comum acerca das relações intergeracionais não deve se descuidar das particularidades que cada orientação teórico-metodológica enseja ao formular seus conceitos.

Como facilmente se deduz, é tarefa que agora principia e que, provavelmente, nunca terá fim. Essa infinitude acentua a feição encantadora das humanidades: sempre haverá enigmas a desafiar a quem os queira decifrar.

Nota

(1) Fazem parte deste projeto os seguintes autores: Kurt Lüscher, Andreas Hoff, Giovanni Lamura & Marta Renzi, Mariano Sánchez, Gil Viry & Eric Widmer, Andrzej Klimczuk, Paulo de Salles Oliveira

(2) Dependendo do contexto e do discurso acadêmico, traduções alternativas do termo original alemão ‘Generationengerechtigkeit’ são empregadas: “justiça intergeracional”, “equidade intergeracional” ou “igualdade intergeracional”.

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