FHC: A Soma e o Resto – Um Olhar sobre a Vida aos 80 anos

“A Soma e o Resto – Um Olhar sobre a Vida aos 80 anos”, livro que reconstitui o conteúdo de mais de dez horas de conversas gravadas no apartamento de Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, nos meses de maio a julho de 2011, com adendos extraídos de outras entrevistas já publicadas. Inclui também o texto integral do artigo que dá nome ao livro, “A soma e o resto”, publicado em sua coluna nos jornais “O Estado de S.Paulo” e “O Globo” no dia em que completava 80 anos.

fhc-a-soma-e-o-restoNo seu artigo, o ex-presidente da República conta que “A Soma e o Resto” teve origem, ou como ele mesmo disse “tomo de empréstimo”, no título de um livro de Henri Lefebvre, escritor francês que rompeu com o Partido Comunista em 1958 e publicou suas razões para tanto neste livro de 1959.

Ele conta que sempre gostou do título do livro de Lefebvre e que, “agora, ao escrever estas linhas — sem qualquer pretensão a devaneios psicanalíticos — recordo-me também de que Lefebvre tinha uma grande semelhança física com meu pai. Mas o fato é que há momentos para fazer um balanço”.

Balanços, é interessante ver como as pessoas, de maneira geral, são dadas a avaliações de seus “feitos e talvez, desfeitos” da vida. É como escrever um texto, assim, um pouco corrido, e depois, anos mais tarde, muito até, parar e refletir sobre ele: corrigir as palavras, analisar a concordância, enfim, ver se aquilo escrito há tanto tempo faz algum sentido. Será isto, passar a vida a limpo, catarse de fim de linha? Cada um chame como quiser e chegue às suas próprias conclusões.

FHC ao completar 80 anos, à sua maneira, começou a reescrever a vida vivida: “diante do fato inescapável de que o tempo vai passando e às vezes não deixa pedra sobre pedra, eu, que não sou dado a balanços de mim mesmo (e nem dos outros), senti certa comichão para ver o que resta a fazer e a soma das coisas que andei fazendo”.

Mas ele avisa ao leitor despreparado: “o espaço de uma crônica não dá para arrolar o esforço de oito décadas para tentar construir algo na vida, quanto mais para alistar o muito de errado que fiz, que pode superar as pedras que eventualmente ficaram em pé. Além do mais, prefiro olhar para frente a mirar para trás”.

Devaneios nostálgicos ou não, o ex-presidente, talvez, tenha percebido a crueza do tempo, seu jeito implacável de mostrar a cara. Ponteiros de relógio que denunciam um fim ou mais dramático: um relógio que nem ponteiros de horas, minutos e segundos possui, o que pode significar que o aviso não será dado. O “iminente” se aproxima. Quando? Nunca saberemos.

FHC, como sempre, muito realista diante do que ele representa para o país, afirma: “Quando algum repórter me pergunta o que acho que ficará de mim na História, costumo dizer, com o realismo de quem é familiarizado com ela, que daqui a cem anos provavelmente nada, talvez um traço dizendo que fui presidente do Brasil de 1995 a 2003”.

Ele acrescenta, ainda mais “cáustico”: “Quando insistem em que fiz isso ou aquilo, outra vez meu realismo — não pessimismo, nem hipocrisia de modéstia — pondera que, no transcorrer da História, quem sobra nela é visto e revisto pelos pósteros ora de modo positivo, ora negativo, dependendo da atmosfera reinante e da tendência de quem revê os acontecimentos passados. Portanto, melhor não nos deixarmos embalar pela ilusão de que há pedras que ficam e que serão sempre laudadas”.

É assim, nada de romantismos. Pedras esquecidas ou lembradas, pouco importa. Tudo o que se planta fica e permanece enquanto vivemos. Depois disso, é possível que façamos parte de pequenos momentos, em rasgos na memória de um certo alguém, um desconhecido.

fhc-a-soma-e-o-restoFHC chega a sua própria nudez ao desabafar: “Além do mais, dito com um pouco de ironia, se o julgamento que vale para os homens políticos e mesmo para os intelectuais é o da História, de que serve o que digam de nós depois de mortos?” Será que a História se faz por ela mesma? Tem vida própria e se forma por cada um e por todos?

Num momento de “balanço ou revisão, o ex-presidente agradece. Até ele, se rende ao carinho, à afetividade das pessoas. Faz lembrar o amor. Quando estamos apaixonados, dizemos: “Ah…fale que me ama…mesmo que seja mentira. É tão bom ouvir palavras doces, juras de amor”.

Com qualquer outro pobre mortal, FHC também se comove com as palavras: “Pois bem, se é assim, se o que vale é o agora, não tenho palavras para agradecer a tantos, e foram muitos, os que se referiram a mim com generosidade neste passado mês de junho”.

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“Mesmo sabendo, repito, da efemeridade dos juízos, é bom escutar pessoas próximas, não tão próximas e mesmo distanciadas por divergências, procurarem ver mais o lado bom, quando não apenas ele, e expressarem opiniões que me deixaram lisonjeado e, a despeito de meu realismo, quase embalado na ilusão de que fiz mais do que penso ter feito. (…)não sei como exprimir o quanto a solidariedade dos contemporâneos me emocionou”.

Será que a idade nos deixa mais emocionados com os gestos e manifestações calorosas? Penso que sim. Somos, algumas vezes, tomados por certa melancolia quando pensamos na finitude de quem amamos ou na nossa. Como sobreviver as perdas acumuladas no tortuoso caminho de um viver oscilante? Claramente tocado, FHC explica sua emoção:

“Não posso me queixar da vida. Vivi a maior parte do tempo dias alegres, mesmo que muitas vezes tensos. Assim como senti as perdas que fazem parte de sobreviver. Perdi muita gente próxima ou que admirava à distância nestes 80 anos. Pais, irmãos, mulher, amigos, amigas, companheiros de vida acadêmica e política”.

“Ainda agora, para que nem tudo fosse rosas, perdi às vésperas de meu aniversário um companheiro de universidade com quem convivi cerca de 50 anos, Juarez Brandão Lopes. E, no momento em que escrevo estas linhas, veio a notícia da morte de Paulo Renato Souza, companheiro, colaborador, grande ministro da Educação, colega de exílio”.

Este homem de 80 anos, encontrou seu jeito de lidar com a dor da saudade dos já ausentes e ainda presentes. Na vida, imprimimos movimentos particulares para dar conta do inevitável, do insuportável que se impõe todos os dias. E ele ainda consegue relativizar a dor, as ideias, nem tão intensas, nem tão amenas, quando afirma:

“As perdas, para quem está vivo, são relativas. Aprendi a conviver na memória com as pessoas queridas e mesmo com algumas mais distantes, com as quais “converso” vez por outra no imaginário para reposicionar o que penso ou digo. Tomo em conta o que diriam os que não estão mais por aqui, mas deixaram marcas profundas em mim”.

Chegando, primeiro, na “soma”, FHC se abre, mostra sua positividade, uma leveza na forma de encarar e reagir aos desafetos, priorizando o esquecimento a lembrança seletiva: “Na soma, não cabe dúvida, mantive mais amigos que adversários. Não sinto rancor por ninguém, talvez até por uma característica psicológica, pois esqueço logo as coisas de que não gosto e procuro me lembrar das que gosto e pelas quais tenho apego”.

Nesta trajetória da “soma” surge o político de sangue na veia, sem pieguice e num tom crítico à quem comanda os sistemas, sejam eles quais forem:

“Herdado de meus pais e de algumas gerações de ancestrais, vivo a vida na tecla do serviço ao público, da polis, e para mim o público hoje não é apenas o brasileiro, mas tem uma dimensão global. Pode parecer “coisa de velho”, mas o fato é que a esta altura da vida estou convencido, sem prejuízo das crenças partidárias e ideológicas, de que cada vez mais, como humanidade, como cidadão e como seres nacionais, simultaneamente, estamos nos aproximando de uma época na qual ou encontramos alguns pontos de convergência, uma estratégia comum para a sobrevivência da vida no planeta e para a melhoria da condição de vida dos mais pobres em cada país, ou haverá riscos efetivos de rupturas no equilíbrio ecológico e no tecido social”.

Quase finalizando, ele prega, coloca para reflexão do leitor, o benefício de se pensar coletivamente: “Não é o caso de especificar as questões neste momento. Mas cabe deixar uma palavra de advertência e de otimismo: é difícil buscar caminhos que permitam, em alguns temas, uma marcha em comum, mas não é impossível. Tentemos”.

Sem emoções e, ao mesmo tempo, muito emocionado, ele arremata ideias plantadas na história do político, do docente e do homem de todas as idades e não apenas do homem de 80 anos: “Guardarei as armas do interesse pessoal, partidário ou mesmo dos egoísmos nacionais sempre que vislumbrar uma estratégia de convergência que permita dias melhores no futuro. Com confiança e determinação, eles poderão vir”.

Referências

CARDOSO, F.H. (2011). ‘A soma e o resto’, um artigo de Fernando Henrique Cardoso Disponível Aqui. Acesso em 27/11/2011.

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