Achei que o melhor a fazer era eu mesma refletir o que é importante para mim no final da vida, para poder compartilhar minhas decisões com meus pais, dando pistas para eles pensarem.
Cristina Nassuno (*)
Novos horizontes, aprendizados, experimentação, empatia, colaboração, co- criação, compartilhar, ressignificar, simplificar: palavras cheias de significado e com muito sentido para mim desde que me decidi por um período sabático que começou há 9 meses, após uma reestruturação onde trabalhava. O fato de ser muito comprometida com o meu trabalho e me entusiasmar a cada coisa nova que aprendia, não impedia que eu me sentisse inquieta e me questionasse se estava no lugar certo e qual o sentido do meu trabalho. A empresa tinha mudado muito, eu tampouco era a mesma pessoa de anos atrás.
No dia do desligamento, depois de flanar pela Av. Paulista, em São Paulo, circulando boas longas horas entre MASP, FIESP, Japan House e Itaú Cultural abastecendo minha mente com diferentes informações culturais e artísticas, fui para casa cuidar do coração e da alma. Sozinha comigo mesma, me permiti digerir o acontecido, ficar chateada e chorar. Compartilhei o fato com família, amigos, psicoterapeuta, e comecei a refletir sobre os próximos passos.
E no dia seguinte, tive uma sensação de alívio muito boa! Avaliei a situação, fiz as contas, otimizei gastos e decidi pelo período sabático, aqui no Brasil mesmo. Aboli o carro e aceitei a generosa oferta do meu pai para revisar seus laudos neste período (também acabei aceitando o empréstimo de um carro, o qual uso o mínimo possível).
Aperfeiçoei minhas habilidades na encadernação, me encantei com a experiência do Design Thinking, consegui aproveitar melhor o curso de PNL(1) e estudei Teoria U(2). Descobri os cafés da Rede Mulher Empreendedora, participei de oficinas no Impact Hub(3) e palestras no Civi-co(4), entre tantos eventos relacionados com empreendedorismo que ocorrem em São Paulo. E para manter um equilíbrio entre corpo, mente, coração e alma, comecei a participar de um Grupo de Meditação Criativa, de aulas de Ginástica do SESC, além de continuar com sessões de psicoterapia e coach.
Era a minha busca por um trabalho que fizesse mais sentido que me propulsionava a tantas atividades. Minha rede de contatos tinha expandido, minha disposição para conhecer novas coisas e para aprender tinha aumentado de uma maneira que eu não imaginava que aconteceria. Eu vivenciava o que muitos colegas diziam ao sair de um emprego: “existe vida fora da empresa!”.
Nas sessões de coach, parti em busca do famoso propósito do trabalho. Acabei identificando um olhar para o outro, relacionado com cuidado e dedicação, em proporcionar momentos de felicidade às pessoas, em algo que tivesse a ver com o estético e com o belo. Fui trabalhando e lapidando o que isto significava e entre tantas opções, identifiquei algo relacionado com comida afetiva e gustativa para idosos. Sim, porque além da música, comida também conecta, com outras pessoas e com nossas memórias.
Tentando conhecer um pouco melhor o mercado dos idosos, aprendi que neste ano (2018) a PNAD (5), apontava que o “número de idosos cresce 18% em 5 anos e ultrapassa 30 milhões em 2017”. E em 2017, a Sociedade Brasileira de Alzheimer (6), mostrava que “cerca de 50 milhões de pessoas vivem com demência no mundo, e isso deverá aumentar para 131,5 milhões em 2050 se estratégias efetivas de redução de risco não forem implementadas em todo o mundo”. Sob a sombra da demência, lindas histórias relacionadas a comidas e memórias afetivas podem estar sendo esquecidas, impossibilitando famílias de um rico legado…
Enquanto tateava com o que trabalhar dentro do grande guarda-chuva dos idosos, conheci, em março de 2018, Neuza Guerreiro de Carvalho (ou Vovó Neuza, como ela é conhecida em seu Blog), 88 anos, bióloga de formação e professora do curso “Encontros para o Registro da Memória Autobiográfica”(7) na USP. E foi assim que eu, que nunca tinha sido monitora, passei a ajudá-la neste curso que leva os alunos a uma viagem de volta ao passado, percorrendo gostos, cheiros, lembranças de infância, adolescência, vida adulta, famílias, comidas, lugares vividos.
Ao longo do curso, ela também compartilhou com seus alunos informações sobre seu testamento vital e todas as providências que já tomou para quando morrer (doação de órgãos e autópsia através de ressonância magnética, como contribuição post mortem à pesquisas da Medicina da USP). Além disto, nos informou que tem sempre consigo seu testamento vital e telefone de contato em caso de emergência. Tudo isto tratado com absoluta clareza e tranquilidade.
Ainda nesta minha busca, tinha me matriculado no curso Fragilidades da Velhice(8), consequência de uma conversa com tia Tomiko(9) e posteriormente com sua amiga Beltrina(10), quando eu apenas vislumbrava trabalhar com idosos sem ter ainda claro com o que seria. Participar do curso seria a forma de agregar conhecimento sobre o tema “idosos” e mesmo que eu não usasse estes conhecimentos em minha vida profissional, com certeza seriam úteis na minha vida pessoal e junto aos meus familiares e amigos.
Ao longo do curso, fui entrando em contato com temas importantes como Diretrizes Antecipadas de Vontade/Testamento Vital, visões do envelhecimento, conceitos do sentido da vida, a singularidade do envelhecimento de cada um, processos de demência, conceitos de autonomia e independência (11), Instituição de Longa Permanência para idosos – ILPIs, cuidados paliativos, hospices, o processo de morte, entre outros tantos temas relacionados à velhice e finitude que eu desconhecia. E que ser cremado ou enterrado era apenas o ponto final da passagem de cada um pela Terra.
Fui me dando conta de que compartilhar estas informações com amigos e com minha irmã era muito mais fácil do que tocar no assunto com pessoas mais velhas como meus pais e alguns familiares. Finitude, morte… assuntos indigestos, mas necessários. Por acreditarmos que o nosso fim está distante, vamos procrastinando a conversa e aí pode ser tarde demais.
Sim, por que a cada pessoa próxima a mim que perdia um pai ou uma mãe (e neste ano já foram 5) eu me dava conta novamente desta finitude e da necessidade de abordar este tema com meus familiares! Então, achei que o melhor a fazer era eu mesma refletir o que é importante para mim no final da vida, para poder compartilhar minhas decisões principalmente com meus pais, dando pistas para eles pensarem.
E o que é preciso fazer? Para mim, o mais importante é elaborar minhas diretrizes antecipadas de vontade. Neste documento, vou informar que se eu tiver uma doença terminal e sem possibilidade de cura, não quero ficar presa em uma cama na UTI como um vegetal, não quero que minha vida seja prolongada sem motivo, sendo submetida a processos heroicos de reanimação cardiorrespiratória nem ser submetida a meios invasivos de suporte artificial das funções vitais (ser entubada, passar por hemodiálise por exemplo). Tampouco quero ter alimentação e hidratação artificiais nem ser cobaia de tratamentos experimentais, por exemplo. Penso em nomear minha irmã como minha procuradora de cuidados de saúde e vou ver se posso nomear mais de uma pessoa, caso ela já não esteja por aqui para ser minha procuradora. E antes de registrar o documento em cartório, vou checar com meus médicos e com um advogado a coerência do documento e se nenhum preceito ético da medicina está sendo ferido.
Assim, deveria ficar claro no meu prontuário do hospital e para os médicos e equipe que estiverem cuidando de mim, que se eu já estiver em estado terminal, não prolonguem minha vida a qualquer custo (distanásia), e sim, que deixem-me morrer naturalmente (ortotanásia), com cuidados paliativos, tratando somente os sintomas da doença e minimizando a dor através de morfina ou algo que o valha. Lembrando que no Brasil não é permitida a eutanásia (suicídio assistido), onde eu teria assistência para eu mesma tomar uma pílula ou injetar-me algum medicamento para terminar minha história neste planeta. Na verdade, o ideal mesmo seria morrer como um passarinho, na calada da noite, como foi com o pai de um amigo meu, mas isto a gente não escolhe…
Importante também que meus amigos e familiares saibam que tudo isto está amparado pela lei Mário Covas (LEI Nº 10.241, de 17 de março de 1999), que assegura ao paciente o direito de recusar tratamentos extraordinários ou dolorosos para o prolongamento da vida, além de dar o direito de escolher onde despedir-se da vida. Se eu puder fazer valer este meu direito quando não tiver mais chances de cura, gostaria de morrer em um “hospice” (hospedaria), local com tratamento humanizado e que oferece cuidados paliativos para pessoas no final da vida.
Ou seja, o compartilhamento das minhas diretrizes antecipadas de vontade com familiares, amigos e médicos será muito importante para garantir que as opções que eu tenha escolhido para o final da minha vida sejam executadas. Já me dei conta de que garantir a vigência destas diretrizes não é tarefa simples para quem apoia o doente. Ainda que no Brasil estejam em andamento 2 projetos de lei(12) relacionados a Testamento Vital (mais detalhes em portal “Testamento Vital”), o tema ainda é incipiente.
Os médicos são treinados para nos manterem vivos, não para nos deixar morrer; se não existir uma comunicação muito grande entre as equipes multidisciplinares nos serviços de saúde e rede de familiares e amigos, pode ser que estas diretrizes não sejam respeitadas, dando lugar a uma agonia que poderia ter sido evitada. Daí a necessidade de se falar abertamente sobre este tema, cada vez mais.
Não tenho como escolher o final da minha vida, mas posso sim, escolher como viver o aqui e agora. Afinal, de acordo com o conceito de Capital de Saúde, vou colher no futuro o que tiver plantado ao longo da minha vida.
Sendo assim, tento cuidar da minha saúde mental buscando o autoconhecimento, através das sessões de psicoterapia, de meditação e praticando o que aprendi em PNL e Comunicação não violenta – CNV, além de exercitar meu cérebro aprendendo coisas novas (a exemplo do curso de Design Thinking que comecei agora em maio e trabalha bastante com empatia, colaboração, mão na massa e inovação). Além disto, estou sempre me propondo atividades criativas (encadernação, bordado, desenho, caligrafia, cozinha…) ou um simples café ou cinema com amigas para me entreter.
Cuido da saúde do meu corpo em caminhadas pelo parque, andando para lá e para cá de transporte público e com atividades físicas, atenta para que a osteopenia não vire osteoporose. Cuido também do sono, já que é nele que dou oportunidade ao meu corpo para se recuperar. Procuro que minha alimentação seja variada, prato colorido, muitas verduras, frutas e legumes; prefiro peixe (muitos vindos de pescas de fins de semana dos meus pais) do que carne e frango e prefiro comida caseira simples do que alimentos processados. E, acima de tudo, sem esquecer que comida tem que ser prazerosa, e melhor ainda se em boa companhia!
Falando em boa companhia, lembro-me da importância de manter viva a rede de amigos e familiares queridos, como uma plantinha que necessita de cuidados constantes, ora regando, ora aparando uma folhinha aqui e ali…
Acrescento a isto a importância da espiritualidade, aliando as meditações diárias e os estudos semanais com o Grupo de Meditação Criativa, à prática dos princípios de O ho’ponopono(13) que trata de amor, perdão e gratidão, para que ao final da vida eu não me depare com as preocupações que rondam pacientes enfermos relacionados a sofrimento emocional, como não poder me despedir das pessoas, não ser perdoada nem poder me reconciliar com as pessoas, entre outros.
Bom, mas está mais do que na hora de tirar tudo isto do papel e converter em documentos para compartilhar com meus pais, familiares e amigos! Compartilhar com eles minhas Diretrizes antecipadas de vontade e até talvez jogar com eles as “Cartas na Mesa” da SBGG, como uma maneira de colher informações do que eles pensam sobre o final da vida.
Notas
(1) PNL: Programação Neuro LInguística
(2) SCHARMER, Otto. Theory U: Leading from the future as it emerges. 2a edição.
(3) Impact Hub: espaço de coworking em Pinheiros, SP
(4) Civi-co: espaço de coworking em Pinheiros, SP
(5) PNAD 2018: Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua, IBGE.
(6) Site Sociedade Brasileira de Alzheimer. Artigo1: A cada três segundos, um idoso desenvolve algum tipo de demência no mundo
(7) Universidade Aberta à Terceira Idade, USP cujo único pré requisito para participar dos cursos é ter acima de 60 anos de idade.
(8) Curso de extensão de 40 horas, PUC SP.
(9) Tomiko Born, referência nacional em Envelhecimento e em particular as IPLIs.
(10) Beltrina Côrte, coordenadora do curso “Fragilidades da Velhice”, PUC.
(11) Autonomia: capacidade de tomar decisões, liberdade de escolha; independência: capacidade de colocar as decisões em prática, liberdade de fazer, de ir e vir. Ref. Aula prof. Monica Estuque e palestra Dra. Ana Claudia Arantes.
(12) Projetos de Lei do Senado propostos em 2018: 149/2018, senador Lasier Martins e 167/2018 senador Paulo Rocha
(13) O ho’ponopono: sistema havaiano de cura (Eu te amo, sinto muito, por favor me perdoa, obrigada). Ref livro Limite Zero, de Joe Vitale.
(*)Cristina Nassuno – Engenheira de alimentos, reinventando uma nova carreira, depois de anos trabalhando com Desenvolvimento de Produtos. Texto escrito para o curso Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, ofertado pela Cogeae, PUC-SP, primeiro semestre de 2018. Email: [email protected]