Dados da pesquisa Cultura em SP, que em 2014 ouviu quase oito mil pessoas em 21 municípios paulistas, revelam que as pessoas com mais de 60 anos são as que menos realizam atividades culturais nas cidades analisadas. A baixa presença dos idosos na vida cultural paulista preocupa: por que um público em crescimento, com tempo de sobra para frequentar museus, cinemas e teatros, está majoritariamente ausente desses espaços?
Bruno Fiuza *
Eles têm tempo para se envolver, paciência para ouvir, experiência para compreender e sabedoria para julgar. Em muitos aspectos, os idosos são o público dos sonhos de qualquer artista. No entanto, estão, em boa medida, excluídos da vida cultural do estado de São Paulo. Dados da pesquisa Cultura em SP, que em 2014 ouviu quase oito mil pessoas em 21 municípios paulistas, revelam que as pessoas com mais de 60 anos são as que menos realizam atividades culturais nas cidades analisadas.
O levantamento, idealizado pela consultoria JLeiva Cultura & Esporte e realizado pelo Instituto Datafolha, mediu a frequência com que os entrevistados praticam 18 atividades culturais. Em 17 delas, os entrevistados com mais de 60 anos foram os que menos realizaram essas atividades nos 12 meses anteriores.
A exclusão cultural dos idosos fica ainda mais evidente quando se olha para o percentual de pessoas que disseram nunca ter realizado cada atividade. Enquanto apenas 5% dos entrevistados de 12 a 24 anos nunca entraram em uma sala de cinema, a proporção salta para 19% entre aqueles com mais de 60 anos. Se 12% dos jovens disseram nunca ter ido a bibliotecas, o percentual sobe para 38% entre os mais velhos. E, enquanto cerca de um quarto dos jovens ouvidos pela pesquisa (23%) nunca foi ao teatro, esse percentual é de quase metade (44%) dos idosos.
A baixa presença dos idosos na vida cultural paulista preocupa pois o Brasil é um país em rápido envelhecimento. O percentual de pessoas com mais de 60 anos passou de 4,4% da população em 1991 para 8,6% em 2000 e 11% em 2010, segundo dados dos censos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesses anos (as proporções no estado de São Paulo são quase iguais).
“O Brasil hoje é um país com uma população idosa. Segundo a ONU, uma população é considerada envelhecida quando atinge um percentual de 7% de idosos”, afirma o sociólogo, gerontólogo e epidemiólogo do envelhecimento Marcelo Antônio Salgado, autor do livro “Velhice, uma nova questão social” e ex-gerente de Estudos e Programas da Terceira Idade do Sesc São Paulo.
Por que, então, um público em crescimento, com tempo de sobra para frequentar museus, cinemas e teatros, está majoritariamente ausente desses espaços? Em primeiro lugar, por causa dos baixos níveis de renda e escolaridade. Os dados da pesquisa Cultura em SP mostram que a terceira idade é o grupo com os menores índices nesses dois quesitos entre todas as faixas etárias. E quanto menor a renda e a escolaridade do entrevistado, menos ele frequenta espaços culturais.
A renda apertada torna o consumo de cultura proibitivo, afirma Salgado: “Em todos os países com populações significativas de idosos, esse grupo compõe o segmento mais pobre da população. Isso acontece sobretudo no Brasil, onde a desvalorização da aposentadoria faz com que esse segmento caminhe constantemente para a pobreza. Mais de 70% dos idosos ganham de um a três salários mínimos e precisam fazer frente a todas as suas despesas com essa renda. Então, cultura passa a ser uma coisa quase inacessível. É utópico falar de cultura para esses aposentados”.
Velhos hábitos – A falta de dinheiro, no entanto, está longe de ser o único fator que afasta os idosos dos espaços culturais. A questão econômica foi apontada por menos de 15% dos entrevistados com mais de 60 anos como a principal barreira para não ir a cinemas, teatros, museus e exposições. O principal motivo, alegado por metade dos idosos entrevistados, foi falta de interesse ou de costume em frequentar esses espaços. Aliás, o grupo com mais de 60 anos foi o que demonstrou menor interesse por 17 das 18 atividades analisadas pela pesquisa.
Esse desinteresse, segundo Salgado, é decorrência de hábitos adquiridos ao longo da vida: “Boa parte do que ocorre na velhice é resultado de coisas que aconteceram em etapas anteriores do ciclo de vida. A prática de atividades culturais pode não ter existido por problemas econômicos, deficiência cultural, falta de estudo ou dificuldade de acesso a bens e serviços da comunidade. Como a cultura e o lazer não fizeram parte do seu cotidiano, não houve uma educação para tal e isso não vai acontecer na velhice”.
As diferenças de hábitos culturais entre jovens e idosos, portanto, podem ser reflexos das transformações pelas quais o Brasil passou nos últimos 50 anos, como o aumento do acesso à educação. Uma pessoa que completou 60 anos em 2014, por exemplo, entrou na escola por volta de 1960, quando apenas 49,3% das crianças de 7 a 14 anos frequentavam uma instituição de ensino, segundo dados do IBGE e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Em 2000, esse percentual havia praticamente dobrado, chegando a 96,4%.
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* Essa é a segunda de um conjunto de reportagens sobre indicadores que Cultura e Mercado publicará nos próximos meses. A série vai se basear nos dados da pesquisa Cultura em SP, da consultoria JLeiva Cultura & Esporte.