O preconceito ao velho é expresso em diferentes formas e é uma realidade objetiva para mulheres e homens idosos. Condições socioeconômicas e idade, entre outros fatores, são o alvo da intolerância, da não aceitação, da diferença e da exclusão da vida social dos sujeitos maiores de 60 anos.
Gislene Silva Dias (*)
Desde as últimas décadas do século passado o Brasil experimenta um rápido e intenso processo de envelhecimento da sua população, denominado de “Revolução da Longevidade”. A expectativa de vida ao nascer aumentou quase 40 anos, consequência de diversas conquistas da sociedade brasileira nas últimas décadas. Haverá um importante aumento desse grupo etário para os próximos anos, devendo chegar próximo dos 41 milhões no ano de 2030, perfazendo 19% da população. Pela primeira vez na história a população idosa será maior que a população jovem.
Contudo, não há como mudar o cenário do envelhecimento nesse sentido “cronológico”, pois não tem como “voltar atrás” e se faz necessário adaptar-se a essa nova etapa da vida, como assinala Diniz (2014), afinal o envelhecimento faz parte do desenvolvimento do ser humano. Porém, para algumas pessoas, estar perto de idosos ou identificar em si mesmo marcas de que o tempo está passando –como rugas– pode ser assustador. A gerontofobia caracteriza a rejeição à velhice e, consequentemente, aos que estão passando por ela. De acordo com Marcos Paulo Betinardi, psiquiatra do Instituto Abuchaim, em Porto Alegre (RS), os motivos que levam a essa recusa variam muito, já que dependem das experiências do indivíduo com a velhice e de como o idoso é tratado por quem está a sua volta ao longo dos anos.
Um dos temores do ser humano é a morte, e a velhice é um prenúncio dela. Ao ver esse estágio da vida se aproximar, a pessoa percebe que “sua régua fica mais curta” e começa a negar a velhice, tentando não deixar que isso aconteça com ela, seja com exercícios físicos ou cirurgias plásticas, por exemplo. Ainda sem registro no CID-10 (Classificação Internacional das Doenças), a gerontofobia não é considerada diagnóstico. No entanto, é possível percebê-la na conduta do indivíduo.
A psicanalista e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), Maria Cristina Amendoeira, cita o romance “O Retrato de Dorian Gray” (1890), de Oscar Wilde, para explicar esse temor: na história, um retrato do protagonista “envelhece”, enquanto o próprio Dorian Gray se mantém jovem. Diz ela:
Não existe uma idade para despertar esse sentimento, que é inconsciente. Mas, a partir de certos momentos, quando começamos a perder pessoas próximas ou mesmo quando vemos nossos pais envelhecerem, e isso significa o nosso próprio envelhecimento, nos deparamos com o fim da ilusão de que a vida é eterna. Muitas pessoas não sabem lidar com as mudanças que cada fase traz, começam a pensar de forma fixa em como será a sua velhice, e é aí que está o problema”.
A psicoterapeuta Maura de Albanesi diz que, apesar de não existir uma idade certa para a fobia se manifestar, alguns acontecimentos podem influenciar. Segundo ela,
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Não é regra, claro, mas mulheres que estão perto dos 30 anos e ainda não casaram ou tiveram filhos começam a se achar velhas. Já para os homens, esse sentimento vem pelo lado profissional, quando não conseguem o status desejado. O que as pessoas precisam entender é que o que conta é o estado de espírito de cada um. Precisamos nos sentir ativos, sempre com algo a oferecer e compartilhar, seja com 30, 60 ou 90 anos”.
Assim como a maioria dos traumas e doenças psicológicas, o medo de envelhecer também só é caracterizado como um problema quando existe prejuízo psicossocial progressivo. Ou seja, quando a preocupação em ficar velho atrapalha a vida e prejudica o indivíduo.
Marcelo Betinardi, em entrevista à imprensa nacional intitulada “Medo de envelhecer pode ser um problema; entenda a gerontofobia”, assinala que o estigma ligado às pessoas mais velhas está diretamente relacionado à gerontofobia. Segundo ele:
Basta observar como os idosos são tratados nas diversas partes do mundo. No oriente ou em tribos indígenas, por exemplo, são sábios; já no ocidente, são vistos como pessoas que dão trabalho, lentas… Isso tudo gera recusa porque ninguém quer passar por isso”.
Diante de um cenário de medo de chegar à terceira idade, é preciso observar que, além de ser uma etapa do ciclo da vida, entrar na velhice traz mudanças, assim como qualquer outra passagem, como, por exemplo, da infância para adolescência, e assim por diante.
O preconceito é expresso em diferentes formas e é uma realidade objetiva para mulheres e homens idosos. Condições socioeconômicas e idade, entre outros fatores, são o alvo da intolerância, da não aceitação, da diferença e da exclusão da vida social dos sujeitos maiores de 60 anos.
O que potencializa ainda mais a negação da velhice na sociedade atual é que muitos ainda carregam valores negativos revelados em várias manifestações estereotipadas e desabonadoras aos mais velhos. Propagandas, músicas, histórias infantis e piadas são apenas alguns exemplos veiculados na vida coletiva que ressaltam atitudes preconceituosas para com as pessoas idosas. Essas manifestações não colaboram na construção de uma sociedade para todas as idades.
Pelo contrário, elas segregam e reforçam atributos negativos da velhice, afastando cada vez mais os sujeitos da vida social, e ensinam aos mais novos o desejo de uma vida longa sem ficarem velhos.
O caso da Sra. A
A título de exemplo, trazemos aqui uma vivência pessoal, o caso de uma mulher, independente, inserida no mercado de trabalho, que retomou os estudos há três anos desde o ensino fundamental e, atualmente, aos 64 anos, negra, casada e mãe de três filhos graduados, encontra-se cursando o 1º ano do Ensino Médio. Vamos nomeá-la de Sra. A. Ela briga com o tempo, pois não aceita sua nova velhice, ao ponto de se anular por vezes para não assumir sua idade.
A Sra. A não adere a gratuidade do transporte público por medo de notarem que envelheceu e que tem direitos garantidos pelo Estatuto do Idoso. Não aceita pagar meia gratuidade em estabelecimentos, e passa bem longe dos assentos preferenciais ou filas.
Falar sobre o envelhecimento para Sra. A é como uma ofensa, em sua fala cotidiana repete que nunca participará de grupos para terceira idade, pois sua inserção nesse tipo de atividade seria sua revelação para a sociedade de que envelheceu, bem como uma decepção para si mesma, de acordo com o comportamento que apresenta.
Assim, observa-se que o envelhecimento tem lhe causado grande incômodo ao ponto dela não conseguir agir de forma natural nas situações que hoje é acometida pelo fato de estar inserida em novas situações, muitas recorrentes a sua faixa etária.
É claro que não descarta-se toda sua história bem como as questões culturais, entretanto o que muda a cultura é a informação, e como citado anteriormente, a Sra. A está tendo acesso a diferentes vertentes no que se refere a informação, portanto é válido uma “cobrança” para que haja esforço de sua parte para compreender seu novo ciclo da vida. Por meio de diálogos temos traçado métodos em que se possa discutir a questão do envelhecimento com ela, bem como salientar que essa etapa é um processo natural de todos a menos que a morte seja antecipada.
Dentro desse trabalho que vem sendo desenvolvido com a Sra. A, se faz necessário associar a não aceitação com futuras patologias como, por exemplo, a depressão. Portanto, a palavra resiliência, bem como o seu significado, está sendo uma das principais estratégias para a identificação da mesma no que se refere a sua negação, propondo uma reflexão acerca de que de fato é possível encontrar forças dentro dos “obstáculos”.
Referências
BETINARDI, Marcelo. Medo de envelhecer pode ser um problema; entenda a gerontofobia. Disponível em: http://www.douradosnews.com.br/especiais/saude-e-estetica/medo-de-envelhecer-pode-ser-um-problema-entenda-a-gerontofobia/631368/. Acesso em 20 mai 2019.
DNIZ, Tais Carvalho: Desejo sexual por idosos pode não ser natural; entenda a gerontofilia. Disponível em: https://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/entretenimento/2014/10/03/medo-de-envelhecer-pode-ser-um-problema-entenda-a-gerontofobia.htm. Acesso em 20 mai 2019.
(*) Gislene Silva Dias – Ensino Superior em Serviço Social, pela Universidade Nove De Julho (UNINOVE), formada desde 2011. Experiência de 5 anos em Núcleo de Convivência para Idosos (NCI), atuando nas principais atribuições como: Atendimento individual, acolhimento, visita domiciliar, relatórios, encaminhamentos, atividades/ reuniões com familiares, relatórios, reuniões com a rede/ articulação, rotinas administrativas e palestra. Considera-se uma pessoa dinâmica, proativa e de fácil adaptabilidade. Texto apresentado no curso de Educação Continuada, intitulado Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no primeiro semestre de 2019. E-mail: gizasd@hotmail.com
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