Eles fazem dança de salão, dirigem o próprio carro, estudam línguas, lotam as academias de ginástica, são militantes políticos, querem viajar pelo mundo. E têm mais de 65 anos. Por causa da idade, a Organização Mundial de Saúde (OMS) os considera idosos, mas o difícil é convencê-los — com dias tão repletos de atividades — de que realmente chegaram à velhice.
O parâmetro da OMS também incomoda os pesquisadores Warren Sanderson, da Stony Brook University, nos Estados Unidos, e Sergei Scherbov, do Instituto de Demografia de Viena, na Áustria. Os dois decidiram usar outras variáveis e sugerir um novo modelo para medir o envelhecimento no mundo. Para calcular quando uma pessoa pode ser considerada idosa, eles avaliaram dados como expectativa de vida, autonomia e grau de dependência e traçaram o perfil de idosos de todos os países.
A pesquisa, publicada na revista Science, mostrou que ter 65 anos não pode ser a única forma de chamar alguém de idoso. “Os idosos de ontem não eram como os idosos de hoje, que são muito mais ativos. O aumento da expectativa de vida e a enorme quantidade de idosos saudáveis e independentes não podem ser esquecidos. São fatores importantes que vão determinar a hora de considerar a chegada da terceira idade”, explica Sanderson ao Correio.
Aos 69 anos, a aposentada e ex-servidora pública Maria Lila Coutinho Vilanova é um bom exemplo do que os pesquisadores constataram. De segunda a sexta-feira, ela tem a agenda sempre lotada. Viagens, shows, idas a bares e boates ocupam os horários de Lila, como prefere ser chamada. “Ficava triste quando pensava em me aposentar e me perguntava o que ia fazer da vida”, lembra. Hoje, ela não se arrepende, pois tem tempo para se divertir com as amigas e o namorado, Paulo César, 33.
Sim, Lila namora um rapaz 36 anos mais jovem. Em 2004, ela estava fazendo sua caminhada diária e notou que Paulo César a observava com muita atenção. “Vi que ele tinha me olhado de uma forma diferente e olhei de volta. Não tinha nada a perder e acabei arranjando um namorado”, narra, animada. A diferença de idade não é barreira para o namoro, mas um incentivo para que ela se cuide. “É ótimo estar ao lado de gente jovem e animada. O que não dá é para ficar em casa vendo televisão e esperar a vida passar”, aconselha.
A filha de Lila, a agrônoma Ana Carolina Vilanova, 25 anos, apoia a postura da mãe. Tanto é que o próximo presente de aniversário que dará a ela será uma viagem ao Caribe, que farão juntas. Para manter o pique, a aposentada não descuida da forma física. “Se existe algo que eu gosto de fazer, é pilates”, conta. Disposição não falta: às 8h da manhã, Lila está na aula.
Qualidade de vida
A presidenta da Associação Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Sílvia Pereira, concorda com a proposta de Sanderson e Scherbov. Segundo ela, a idade não deve ser o único critério para classificar uma pessoa como idosa. “O que nós estamos vendo é que a população está ficando mais velha e com mais qualidade de vida”, aponta. A médica considera o aumento do número de idosos no Brasil uma conquista. Hoje, eles são 21,5 milhões, ou 11,4% da população. “Estamos melhor do que há 60 anos, quando não havia tanta conscientização sobre o assunto”, analisa.
Conscientização é uma palavra-chave para a professora aposentada Maria José Ribeiro, 68 anos. Desde a juventude ela participa de atividades políticas e até hoje é militante. “Estava na universidade, em Goiás, em 1968, e vivi tudo aquilo (período da ditadura militar). Hoje, a gente ainda tem o sonho de ajudar a mudar o país”, afirma. Maria José não teve filhos, mas criou os seis sobrinhos em Brasília — a irmã e o cunhado morreram quando eles eram crianças. Hoje, todos são adultos e trabalham.
O dia dela costuma ser bem cheio. Cuida da casa, estuda espanhol, faz dança de salão e vai à ginástica com as amigas. “Tenho que preencher a vida com coisas agradáveis. Conviver com amigos e ainda me exercitar com eles é motivo de crescimento”, afirma. A aposentada também tem muitos planos. A próxima viagem — um trajeto religioso por Portugal, Espanha, Itália e França — será a primeira ao exterior. Depois, deseja conhecer a Índia. “Acho que tenho que ir à luta para seguir vivendo. É tudo questão de vontade. Quem quer sai de casa e aproveita a vida.”
A geriatra Luciana Pricoli nota que os idosos de hoje não são incapazes e aponta dois aspectos para isso: a independência e a autonomia. A primeira, segundo a médica, diz respeito ao aspecto físico, à capacidade de ir e vir. Já a autonomia é a possibilidade de gerir a própria vida e ter independência mental. “É importante que o idoso envelheça com saúde e com autonomia mental, ou seja, com a cabeça boa para contornar limitações”, explica.
Waldemar Lauro Cardoso, aposentado, 83 anos, é conhecido no Lar dos Velhinhos Maria Madalena, no Park Way, por ser o único idoso do local a sair para passear no próprio carro. Há 11 anos, ele se separou e decidiu que era hora de descansar. Mudou-se de Anápolis (GO) para Brasília, já com a intenção de morar no lar, onde pode receber cuidados. “Chega uma hora em que a gente se cansa e quer cuidar mais de si mesmo. Hoje em dia eu leio muito, jogo pife-pafe com meus amigos e, claro, dirijo”, conta. Em seu quarto, Waldemar exibe outro de seus hobbies, a coleção de chapéus de couro. “O pessoal me acha com cara de fazendeiro e me dá esses chapéus. Eu rio e guardo como lembrança.”
As sessões de hemodiálise por conta de problemas nos rins não são suficientes para desanimá-lo. “Fico cansado, mas nada de ficar muito tempo parado”, observa. Como a maior parte da família mora em Ceres e em Anápolis, ele aproveita o carro e dirige até as duas cidades para visitar o filho, Flávio Cardoso, 46 anos, os irmãos e os netos. “Tem gente aqui que acha perigoso que eu conduza nessas viagens, mas gosto de me sentir independente e livre”, diz.
Dados do Ipea
Estudo recentemente divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a população brasileira pode estar “superenvelhecida”. Entre os anos de 1992 e 2009, a população brasileira saiu de 7,9% para 11,4% dos brasileiros. Enquanto isso, o número de jovens com menos de 15 anos diminuiu de 33,3% para 24% na mesma época. Para os técnicos do Instituto, a partir de 2030, os únicos grupos populacionais que apresentarão crescimento positivo serão os com idade maior que 45 anos. A pesquisa também mostrou que os brasileiros com mais de 45 anos serão 56,3% da população em idade ativa. De acordo com a coordenadora de População e Cidadania do Ipea, Ana Amélia Camarano, o novo quadro deve pedir adaptações das empresas, como a adoção de medidas voltadas para a saúde ocupacional, adequação de estrutura física e capacitação dos trabalhadores em inovações tecnológicas.
Várias faces da velhice
“Quando se fala em velhice, a gente não pode delimitar. A velhice tem várias caras. Há idosos que ficam somente em casa, existem os que têm e usam o tempo livre para o lazer e os que ainda precisam trabalhar para sobreviver. Além disso, temos de separar duas questões. A primeira é a forma de envelhecimento, na qual consideramos as doenças crônicas, o bem estar, o lazer, o aproveitamento do tempo livre. O outro ponto é a parte das políticas públicas. Nesse item, o Brasil melhorou muito. Temos os direitos do idosos, mas é importante lembrar que ainda há camelôs idosos que trabalham mais de 10 horas por dia sob o sol. Mesmo assim, acredito que essas realidades vão ajudar a direcionar o andamento de políticas públicas no país.” Assinalou Rosa Maria da Exaltação Cotrim, professora do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Ouro Preto.
Fonte: Correio Braziliense, Publicação: 19/10/2010 07:54. Disponível Aqui