Uma nova forma de ver a alocação orçamentária: As populações envelhecidas devem ser abraçadas, não temidas.
No artigo “O dividendo da longevidade”[1], publicado em junho pelo Fundo Monetário Internacional, Andrew Scott, diretor sênior de economia no Ellison Institute of Technology e professor de economia na London Business School e Peter Piot, professor Handa de Saúde Global na London School of Hygiene & Tropical Medicine, abordam sobre o envelhecimento populacional no planeta. E ambos vaticinam: “As populações envelhecidas devem ser abraçadas, não temidas”.
A dupla de pesquisadores aborda o impacto do binômio declínio das taxas de natalidade e a expectativa de vida mais longa, cuja relação “aumentará os custos das pensões e dos idosos”. Ou seja, como eles dizem, “Relativamente menos trabalhadores terão de pagar por tudo”, para complementar logo a seguir que “Esta história é parcialmente verdadeira: uma em cada dez pessoas em todo o mundo tem agora mais de 65 anos, e essa proporção é projetada para dobrar nos próximos 50 anos”.
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Isto porque, para Scott e Piot, “o pessimismo em torno de uma população envelhecida é muito unilateral. De fato, a combinação de pessoas idosas se tornando mais numerosas e mais propensas a trabalhar as torna essenciais para o dinamismo econômico”.
Em outras palavras, uma análise complexa e dinâmica não necessariamente esteja sendo vista por todos tomadores de decisão nas políticas públicas. Fatores exógenos (talvez até os endógenos, como o comportamento cultural intramuros dos técnicos governamentais e agentes eletivos) podem não estar adequadamente sendo considerados, em relação a peculiaridades locais.
Também, talvez, por isto a dupla de pesquisadores complemente em seu artigo um ponto estruturante: “parar de ver uma sociedade envelhecida apenas como um problema. Esta é uma maneira surpreendentemente negativa de enquadrar uma das maiores conquistas do século XX: a maioria da humanidade está vivendo vidas mais longas e saudáveis. Essa é uma oportunidade”.
Sem dúvida, uma oportunidade socioeconômica, ainda mais em tempos de intermináveis mudanças tecnológicas, aceitando uma realidade global, que justamente pelo avanço das ciências e da tecnologia, mais pessoas estão com uma expectativa de vida maior. Logo, conviver com esta realidade é necessária no processo de tomada de decisão.
Não foge ao caso quando o assunto é a tomada de decisão orçamentária. E aí, para Scott e Piot, “nossa saúde, educação, trabalho e sistemas financeiros – áreas onde as abordagens tradicionais não estão mais funcionando”. E eles explicam, didaticamente, que a velha fórmula de “Aumentar a idade de aposentadoria do estado gera resistência generalizada. Políticas destinadas a aumentar as taxas de natalidade são caras e têm efeitos relativamente modestos porque vão contra as preferências individuais. A imigração tem desafios políticos”. No complemento da linha de pensamento dos autores, vem o seguinte cenário: “Se a longevidade é o que torna nossas pensões e sistemas de saúde insustentáveis, taxas de natalidade mais altas ou imigração apenas atrasam o dia financeiro do acerto de contas”.
Ou seja, partindo deste pressuposto – que me parece válido -, já não passou da hora de “pensar diferente, fora da caixa”? Ou então, como diz o chavão “Precisamos pensar fora da caixa”.[2]
Neste sentido, inclusive, como os autores do artigo destacam, pensando em políticas públicas voltadas à “os desenvolvimentos na biologia do envelhecimento têm o potencial de futuros medicamentos que combatem diretamente as doenças relacionadas ao envelhecimento”. Logo, seria inevitável ter que investir “em ciências da vida e biofarmacêuticos”.
Nota-se aqui: esta publicação foi divulgada no site do Fundo Monetário Internacional. Um cenário de vida saudável aos 90 anos.
“Financiamento é um desafio definitivo. Os custos de saúde e assistência social já estão a aumentar na União Europeia devido ao envelhecimento da população, pelo que a prevenção implica despesas adicionais. Isso significa mais dívida pública ou financiamento inovador, como títulos de impacto social que apoiam o aumento dos gastos com saúde hoje financiados por ganhos futuros”. Tudo está relacionado e a análise dos dois pesquisadores aponta para isto.
Neste caminho, outro problema “futuro” que já é presente: o aumento do emprego para pessoas a partir dos 50 anos e também para pessoas idosas. Justamente aí, “Aumentar o emprego a partir dos 50 anos exige uma gama muito mais ampla de políticas em uma faixa mais ampla de idades. As áreas de foco incluem saúde, habilidades e a criação de empregos amigáveis à idade”.
Chego aqui pensando na relação intergeracional e seus impactos. Os memes do tipo “Raiz e Nutella” (ou seria Leite Ninho Adulto, para ser mais “moderno”). Percebo um baixo índice de debate sobre as relações intergeracionais quando se trata de alocação orçamentária, de programas de governo, de políticas públicas. Então, eu me pergunto: estaríamos perdendo oportunidades futuras com decisões orçamentárias do presente?
Termino o texto com a mesma impressão que tinha antes de iniciá-lo: ainda vivemos em um cenário onde as potenciais oportunidades de um envelhecimento saudável não são tratadas adequadamente. Ainda se vê pessoas idosas como fardos. E não se aceita uma realidade que cresce mais e mais a cada dia: pessoas idosas estão vivendo mais.
Logo, decisões orçamentárias deveriam levar em conta esta realidade social e dela criar oportunidades econômicas.
Enfim, ano que vem teremos eleições gerais. Será que alguém irá propor algo REALMENTE novo às políticas públicas voltadas às pessoas idosas, quando o assunto é o processo de decisão orçamentária alocativa?
Notas
[1] Disponível em https://www.imf.org/en/Publications/fandd/issues/2025/06/the-longevity-dividend-andrew-scott?s=03
[2] Disse o engravatado, em sua sala com ar-condicionado, ao comissionado, enquanto a copeira os servia um cafezinho, já que nem o café, ou a própria água, eles podem se autosservir…
Imagem de destaque: print da tela do artigo “O dividendo da Longevidade”