O livro “Envelhecimento Artivo – A atitude estética como possibilidade de um longeviver criativo, potente e imprevisível” vibra do início ao fim. Começa com a autora narrando sobre si e como se tornou professora de arte e teatro para um grupo de senhoras da Terceira Idade, frequentadoras da UATI.
Este livro é fruto de um doutorado que vira de ponta cabeça as teorias de Vygotski. A pesquisa de Cinthia Lucia de Oliveira se dá na sala de aula e parte da experiência da autora com idosos na Universidade Aberta à Terceira Idade. Se já torceu o nariz pensando se tratar de um texto difícil ou chato, pode tirar o cavalinho da chuva, pois a aluna recebeu do seu orientador toda a liberdade do mundo para ousar na escritura: nosso trabalho aventurou-se na liberdade de escrita em que procuramos não nos descuidar das exigências teórico-metodológicas, mas nos permitir construir um trabalho que fosse na direção do que vibrava. O livro vibra do início ao fim. Começa com a autora narrando como entrou em contato com a velhice, mas vou passar a palavra para ela, porque se trata de uma peça literária intocável que jamais conseguiria traduzir:
“Minha história com a velhice nasceu no tempo em que os filhos não falavam, em um lugar não muito distante daqui…
Vou começar do princípio, quando fiz chegada a Ourinhos, depois de viver por mais de 20 anos em Piracicaba… A tentativa era assentar na tal terra vermelha – cidade do coração de ouro. Aconteceu por motivo de matrimônio, arranjei marido ourinhense e vim casada de nova, bem moça ainda – alagada de amor, vigor e espera de muito labor.
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Sucedeu tudo do avesso, a contragosto mesmo. Trabalho não existia e não foi por descuido ou acomodação – carreguei currículo até em fazenda de coronel, cruzei estrada de terra, trilho de trem, atravessei porteira, passei boi, boiada…
E no meio dessas andanças, trombei a caminhonete do sogro em uma Brasília amarela, justamente no cruzamento principal da cidade de Ipaussu. A preferencial era da Brasília, mas não havia sinal de PARE.
– Ô, minha senhora, mas todo mundo da cidade sabe que precisa parar aqui…
A caminhonete ficou inteira, mas a Brasília amassou um bocado. Foi comoção plena na cidade, porque o motorista da Brasília era o Compadre Paciência (nome dele mesmo), dono da mercearia da esquina. O povo da cidade zelava pelo compadre e eu, intrometida estrangeira, fiz a pressão do Sr. Paciência acelerar.
Veio a rádio local, dei entrevista e prestei depoimento para muito amigo impaciente. Não precisou delegacia, porque a autoridade estava lá, presenciou a ocorrência ao vivo e deixei minha palavra de fé de que iria consertar o carro do dono da mercearia da esquina. Fiquei sem trabalho, sem tostão e com dívida na cidade… E, ao retornar a Ourinhos, lagrimei toda água guardada daqueles oito meses de estiagem na nova cidade.
Semanas mais tarde, São Pedro, generoso como ele só, rompeu a seca através de um telefonema-convite do diretor clínico de um hospital psiquiátrico que ficava em Piracicaba. É que antes de matrimoniar, deixei um projeto por lá. Informei o marido:
– Eu vou!
E fui mesmo… Inundada de liberdade, ousadia e espera de muito sabor.
Eu e o marido ficamos sete anos morando em lugares distintos. Ele em Ourinhos e eu de volta à “Piracicaba que eu adoro tanto”. Na época, o esposo até tentou fazer carreira na cidade das pamonhas fresquinhas, mas não embalou e nos revimos na estrada… Trabalhei um bom tanto por lá – em hospital, prefeitura, associação, consultório. Concluí mestrado em educação, dei aula como professora substituta na universidade e, no meio do caminho, um filho, um pouco depois, mais um… Foi quando entendemos que era tempo de dividir o travesseiro novamente. Voltei a Ourinhos com filho recém-nato e outro pouca coisa graúdo…”
A autora segue contando como foi parar em uma livraria como contadora de história e, por fim, como se tornou professora de arte e teatro para um grupo de senhoras da Terceira Idade, frequentadoras da UATI (Universidade Aberta à Terceira Idade). Surge a inspiração para o doutorado ao ver como aquelas senhoras envelheciam bem naquele ambiente de aprendizagem, e como eram privilegiadas por poderem conviver e envelhecer com Arte. O legal é saber que este programa, Universidade Aberta, existe em todo o país e costuma ser gratuito. Em São Paulo, todas as unidades da USP abrem as portas para as pessoas idosas interessadas. Mesmo em tempo de pandemia, os cursos seguem no formato online. Portanto, um envelhecimento Ativo com Arte não é utopia. Foi o que a autora descobriu e você, por meio deste livro, também descobrirá.
E caso você queira saber mais ainda, a autora estará ministrando um curso online no Espaço Longeviver, chamado “Linguagem e Memória na Longevidade – ampliando possibilidades”, objetivando: desconstruir estereótipos negativos sobre o envelhecer; pensar a linguagem e a memória a partir de uma perspectiva sócio histórica; situar a velhice no campo de possibilidades; e compreender a Arte como instrumento de transformação e constituição de novos sentidos, outras lembranças.
Quem é a autora
Cinthia Lucia de Oliveira Siqueira é graduada em Fonoaudiologia pela USP. Especialista em Linguagem e Mestre em Educação pela UNIMEP. Doutora em Psicologia pela UNESP-Assis. Lecionou as disciplinas de literatura e teatro na Universidade Aberta à Terceira Idade (UATI) do Centro Universitário das Faculdades Integradas de Ourinhos (UNIFIO) tendo colaborado na organização de livros e na produção de espetáculos junto às estudantes. Nesta mesma instituição atuou como professora de graduação (licenciatura em Artes Visuais e Pedagogia) e pós graduação (especialização em Formação Docente do Ensino Superior) nas disciplinas de perfil profissional docente, didática, metodologia do ensino e interdisciplinaridade. Tem experiência em oficinas criativas e de desenvolvimento humano voltadas a crianças, adolescentes, adultos e idosos e em cursos de formação de professores. Desenvolve pesquisa nos seguintes temas: envelhecimento, desenvolvimento humano, leitura e escrita, memória, linguagem e história oral. Contadora de histórias e atriz, mantém projetos culturais e educativos desde 2010. Atualmente integra o quadro de docentes da Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná (UNICENTRO) na qualidade de professora adjunta do Departamento de Fonoaudiologia na área de fonoaudiologia educacional.
Serviço
Autora: Cinthia Lucia de Oliveira Siqueira
Ano de edição: 2021
Número de páginas: 461
Editora: Portal Edições
Foto destaque de MART PRODUCTION/Pexels