Entrevistas sobre Odontogeriatria-2

BS- Como o Sr. conceitua a Odontogeriatria?

FLBM- A Odontogeriatria é uma nova área da Odontologia ,oficializada em 2001, voltada especificamente para o atendimento dos idosos ,que usa os procedimentos técnicos da Odontologia já existente, mas os adequou às particularidades dos mais velhos. Deve buscar também o ser humano por trás do paciente, respeitando suas características cognitivas, sociais, econômicas, familiares e de saúde geral.

Dr. Fernando Luiz Brunetti  Montenegro* Bianca Santos

Uma vez cobrindo estes enfoques, muito importantes no atendimento aos idosos, o cirurgião-dentista (CD) encontrará um amplo universo de pessoas maravilhosas e que têm muito a nos contar e ensinar, ajudando a melhorar inclusive nossas próprias vidas, pelo importante contato interpessoal que nos exigem. Quando se é jovem na Profissão pode ser difícil dispor de carga horária para ouvir as histórias que buscam nos contar, mas com o tempo se torna um grande prazer atendê-los, gerando um grau de interação fantástico.

BS: Qual o tipo de conhecimento que o profissional deve ter?

FLBM: Além dos já destacados acima, o domínio dos fármacos que o idoso ingere e seus inúmeros efeitos na cavidade bucal, buscar o entrosamento com equipes multidisciplinares de atendimento do idoso, ter bases mais adequadas ao atendimento domiciliar,entender o paciente como um ser humano complexo e com suas características próprias, dominar técnicas de motivação no cuidado bucal ao idoso e para seus cuidadores e familiares,são alguns dos pontos a se destacar,sem contar a eliminação de qualquer esterótipo sobre os idosos,já que cada um é muito diferente dos outros,,face às inúmeras experiências por que passou durante toda a vida..

Existem alterações feitas no consultório para facilitar o acesso dos pacientes idosos?

Sim, O ideal, para aquelas pessoas idosas que têm grandes dificuldades motoras e/ou usem cadeiras de rodas, é ter o consultório numa casa térrea, numa localização e acesso fácil. Barras nos corredores, chão sem degraus, atendentes atenciosas, música suave e de temas que remontem a época da juventude dos idosos,cores e decoração que inspirem calma. Ambiente de trabalho não agitado. Banheiros adequados à estas possíveis deficiências físicas.Disponibilidade de horários para atendimento pela manhã. Estacionamento fácil.Preparo prévio do material necessário para o atendimento clínico, para não perder tempo do anestésico.

Qual é o desafio da Odontogeriatria ?

Existem segundo o IBGE, mais de 17 milhões de idosos no Brasil e a maioria não tem acesso à Odontologia regular. Os dentistas clínicos gerais, bem treinados, podem fazer esta ponte Um outro desafio é ensinar aos idosos que ficar idoso não é ficar sem dentes. Os dentes – se bem cuidados ao longo dos anos – podem durar uma vida toda. Motivar, informar,conscientizar é o nosso maior desafio,além de quebrar o estigma que ficar velho é usar dentadura pois hoje se observa, na prática clínica em todo o Mundo, que mais e mais idosos chegam à 3a idade com muitos de seus dentes naturais.

O Sr. vê necessidade de se criar uma especialidade de Odontogeriatria?

O estudo profundo da Odontogeriatria, que tenho buscado fazer nos últimos 10 anos,revela uma área sem muitos trabalhos científicos, técnicas e materiais voltados especificamente à esta faixa etária, sendo diversos pontos uma mera adaptação do que é feito para adultos,sem focar nas características únicas de cada idoso. No Brasil, onde ela é muito pouco presente nos currículos das Faculdades de Odontologia, é preciso suprir esta carência de profissionais informados tecnicamente de como cuidar da saúde bucal dos idosos, pois está intimamente ligada com a qualidade de vida deles. A Especialização acaba sendo um caminho válido, desde que com Cursos longos (mínimo de 18 meses) e abrangentes (envolvendo a Gerontologia), seguindo tendências mundiais, como se observa nos Estados Unidos e na Europa.

Quais os tratamentos mais utilizados pelos idosos?

Os mesmos que todos nós, mas na 3a idade uma atenção maior deve ser dada à Periodontia (tratamento das gengivas) que tem alta incidência -pela diminuição do fluxo salivar e pela desinformação preventiva odontológica em termos populacionais – e no cuidado com as Próteses estarem bem adaptadas aos rebordos em que se apóiam (pois próteses bem ajustadas dão confiança para comer alimentos mais nutritivos,que ajudam na saúde geral). Outras áreas são a Dentística (que cuida das restaurações (“obturações “) dos dentes) e a Estomatologia ( na análise de lesões nos tecidos bucais dos idosos).

Existem idosos que procuram os tratamentos de estética bucal? Com que freqüência?

Não há uma grande demanda estética dos idosos,como ocorre nos mais jovens. Para eles, o mais importante é ter dentes confiáveis para mastigar e poder comer “suas comidinhas” (mas com boa consistência e valor protéico adequado) do dia-a-dia. Quando começam a freqüentar bailes, serem paquerados ou buscar emprego (neste tempos de baixas aposentadorias e com filhos, netos voltando para sua casa) se preocupam mais com a estética,mas nunca no patamar detalhista da juventude. Apenas o suficiente para viverem bem e com conforto. A beleza “total” é secundária, assim como diversos outros padrões consumistas que foi mudando com o passar dos anos. Mas para toda regra, existem exceções…mas se não se é um artista na 3a Idade ,exposto na televisão e comerciais, certamente fará parte da regra geral mas que inclui, sim, maiores cuidados com sua boca nos melhores anos.

Quais os cuidados especiais que deve-se ter na hora do atendimento ?

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Ambiente calmo, fácil acesso, secretárias calmas, custo realista com o paciente aposentado brasileiro. Anestesia: geralmente a sem vaso-constrictor (que é a mais indicada para quem tem problemas cardíacos).Nas extrações:cuidados maiores pois podem ocorrer hemorragias(se paciente tem discrasias sanguíneas) ou o local da extração não fechar,ficando um acesso ao osso do paciente e risco real de osteomielite (isto mais comum em quem sofreu radioterapia para câncer), por isto a importância de uma ficha clínica com histórico médico detalhado bem como do pessoal/familiar e do odontológico (histórico também). Conversar com médicos do paciente.Tomar a pressão arterial a cada consulta(ajudando os médicos no caso de pacientes.rebeldes e se salvaguardando de problemas antes de intervenções mais profundas). Conhecer detalhadamente os fármacos usados pelo paciente.Trabalhar rápido com o paciente na cadeira(isto por planejamento prévio dos passos e também porque não podem ficar tanto tempo sentados).Atender pela manhã, horário menos propenso a problemas cardíacos, segundo a Associação Americana do Coração.

Existem preços diferenciados para essas pessoas? E para os que não têm condições de pagar?O quê fazer e aonde procurar ajuda?

Face à condição econômica do aposentado brasileiro, os preços devem ser adequados à esta realidade e às situações de vida de cada paciente (por exemplo vinculando aos vencimentos de suas poupanças e aposentadorias, parcelando mais, dando descontos, etc.). Para quem não pode pagar nada, a opção é a rede pública convencional, o Brasil Sorridente e em alguns centros de referência aos idosos na cidade de São Paulo que esperamos proliferem por todo o País. Existem as clínicas das Escolas de Odontologia (nas quais só se cobra o custo do protético nas próteses, mas que também é reduzido) e em muitos Cursos de Entidades Odontológicas, como a APCD, ABO, ABENO, UBC, Sindicatos e outras várias.

Os odontogeriatras devem trocar informações com os médicos ?

Sim,realmente é fundamental este diálogo entre profissionais de saúde. Muitas vezes o paciente diz ” estou controlado” mas faz mais de 2-3 anos que não vai ao médico,o que é inconcebível na 3aIdade. Esta conversa interprofissional também ajuda a trazer os pacientes de volta à sua saúde geral (e a se preocuparem com ela, para valer, nesta fase da vida) e minimizar os graves efeitos dos fármacos na cavidade bucal- a diminuição do fluxo salivar é o mais crítico-,criando um entendimento pleno que envolve médicos, pacientes , dentistas e demais profissionais da área de saúde todos irmanados num dado caso.

Já lhe aconteceu alguma situação de emergência dentro do consultório?

Tomando todas estas preocupações na Anamnese do paciente, a possibilidade de emergências cai muito,mas sempre existem as quedas de pressão, lipotímias, daí a importância de monitorar a pressão arterial a cada consulta. Não tive emergências (felizmente) com idosos que não pudesse suplantar. Ter oxigênio e medicamentos para estas situações de é muito importante para os que atendem pacientes nesta faixa etária.

Qual a importância da experiência clínica do cirurgião dentista?

O CD deve dominar todo o universo dos idosos antes de se aventurar nesta área. Ler muitos Livros, frequentar muitos cursos, vivenciar idosos em hospitais, instituições benemerentes, asilos, trocando experiências, que criam um arcabouço de conhecimentos que são imprescindíveis nesta área profissional. E também ter um diálogo constante com pacientes. Saber fazer consertos em dentes e próteses é muito importante e geralmente somos treinados só para fazer coisas novas, enquanto que muito existe para ser salvo- com padrões mínimos de qualidade, do que existe na boca dos pacientes hoje.

BS: Qual a grande luta da Odontogeriatria e dos profissionais nela envolvidos?

FLBM- Nossa luta ,daqui por diante, deveria ser de procurar incluir a odontogeriatria como parte do Currículo mínimo do MEC para Escolas de Odontologia. Aí,um maior número de potenciais CDs voltados á Terceira Idade surgirão, resgatando a auto estima e a dignidade dos idosos tão vilependiada nos dias atuais.

Certamente sinto que o Sr. teria muito mais a falar ,mas como,infelizmente, temos um limite de tempo, gostaria de deixar o assunto em aberto para outras gostosas conversas nossas, como foi esta.

O prazer foi meu Bianca e estou à sua disposição sempre que quiser falar sobre este assunto.

Um resumo desta matéria foi publicado na Revista Check Up,v.6,n.64,p.12-13,Março 2003

*Dr. Fernando Luiz Brunetti Montenegro (FLBM) – Mestre e Doutor pela FOUSP. Co-Autor do livro pioneiro: “Odontogeriatria-Noções de interesse clínico”,2002. Coordenador Cursos de Especialização/Iniciação em Odontogeriatria. Membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia-SBGG. Contato: [email protected].

**Bianca Santos (BS) – Repórter Fotógrafa Revista Check Up

Observação: Os artigos postados nesta sessão são encaminhados pelo Dr. Fernando Luiz Brunetti Montenegro

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