Autora do livro Manual de Gerontologia, recém-lançado pela editora Revinter, a psicóloga e mestre em gerontologia Eliane Brandão é uma das defensoras de que as pessoas entre 40 e 50 anos necessitam de cuidados para enfrentar os impactos sociais e as dúvidas que aparecem com o avançar da idade adulta. Segundo ela, esse grupo está enquadrado em uma fase chamada de ‘envelhecência’. “Em poucas palavras, é a adolescência da velhice”, afirma Eliane. As pessoas que estão nessa etapa da vida, diz, não precisam ter receios em relação ao amadurecimento – desde que passem por uma preparação. “O termo ‘envelhecência’ não é de minha autoria. A primeira vez que o vi foi em um artigo do escritor Mário Prata, há oito anos. Hoje percebo que todas as fases de maturação do ser humano são precedidas de outras que possibilitam o indivíduo se preparar para vivenciá-las. Isso não seria diferente com o envelhecimento”, acrescenta a psicóloga, que, em entrevista à repórter Cinthya Leite, traça os sinais sociais de uma sociedade que supervaloriza a juventude e que, timidamente, começa a apreciar o ‘charme’ da entrada na velhice. Mesmo assim, ela diz, ainda não se pode dizer que o Brasil está preparado para ter 32 milhões de idosos em 2025.
JORNAL DO COMMERCIO – Antigamente, os mais velhos eram pessoas veneradas. Os jovens recorriam a eles em busca de conselhos. Ainda existe essa doutrina de valorização do conhecimento e das experiências da pessoa idosa?
ELIANE VIEIRA – Essa é uma história confusa, até mesmo contraditória. A questão é que, apesar de os mais velhos terem alcançado certas prerrogativas pela idade no passado, eles passavam como déspotas que geravam conflitos sérios entre os mais jovens. Em muitas tribos nômades, primitivas, os velhos eram deixados à própria sorte, quando apresentavam alguma limitação e perdiam a serventia para aquela comunidade. E os velhos eram poucos, considerando que a longevidade é um fenômeno relativamente recente mesmo na Europa. Não sei se já existe uma história da velhice, no Brasil, para se fazer esse paralelo. Há dados apurados por instituições sérias, que mostram o perfil desse velho, a evolução e o impacto do aumento de idosos na sociedade como um todo. Mesmo assim, acredito que o sentido da Tradição (e não por tradição) era caracterizado pela relação de medo e pela autoridade que permeavam os conflitos de geração. Hoje, na sociedade industrializada, globalizada e informatizada, as relações familiares só se mantêm equilibradas caso estejam baseadas em uma relação de afeto, de troca e de respeito pelo outro.
JC – É comum o idoso rejeitar ou ter preconceito do próprio envelhecimento?
ELIANE – Essa pergunta me lembra outras questões sociais que sempre marcaram o cenário mundial e que, ainda hoje, não existem respostas fechadas porque se tornaram verdadeiros guetos. Mas é claro que, quando não atendemos os quesitos cultuados socialmente, vamos nos sentir estranhos.
JC – Quais os principais problemas do envelhecimento no mundo atual?
ELIANE – Assistimos, através dos meios de comunicação, aos grandes problemas enfrentados pela população em geral e que confirmam as dificuldades em diferentes segmentos etários e sociais como afetamentos a todos de forma conjunta. Não existem problemas que sejam só dos velhos, que não afetem a sociedade como um todo e vice-versa. Mas podemos extrair da pauta de prioridades (segundo pesquisa para a América Latina e Caribe, da Associação Internacional de Gerontologia), aspectos que refletem ou resumem as maiores dificuldades relativas ao envelhecimento, como integração e participação das pessoas idosas na sociedade, promoção de um crescimento econômico que permita a melhor qualidade de vida desse, ajustamento do sistema de proteção social às necessidades dessa faixa etária, treinamento de profissionais para que possam trabalhar na promoção de estilos de vida saudáveis, entre outras.
JC – Que medidas podem promover a qualidade de vida e a condição social do idoso?
ELIANE – Só acredito que as coisas funcionam quando a sociedade está organizada como um todo: público, setor privado e sociedade civil devem estar engajados. Só assim é possível encontrar respostas às inquietações humanas. Mas um aspecto em particular tem sido foco de grandes preocupações: a questão das instituições geriátricas. O próprio termo levou mais de duas décadas para se tornar consensual e, até hoje, encontram-se expressões diversas para se referir aos antigos asilos. Nesse momento, estão em pleno desenvolvimento as ações da Comissão de Instituições de Longa Permanência para Idosos, criadas na Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Mesmo assim, só nas regionais da SBGG da cidade do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Recife é que essas comissões foram criadas.
JC – O que falta para regularizar essas Instituições de Longa Permanência?
ELIANE – Para começar a regularizar o setor, deve-se estabelecer parcerias que permitam mapear essas instituições, traçar seu perfil e diagnóstico, a fim de criar um banco de dados que acompanhe e avalie as práticas institucionais geriátricas. É preciso saber quem são esses idosos, quantos são e que dificuldades enfrentam. Só assim será possível solucionar essa equação. Por isso, uma medida que me parece imprescindível é estimular o setor empresarial a reconhecer o idoso e a assistência geriátrica institucionalizada como focos de ação de empresa cidadã socialmente responsável. Isso é vital para o desenvolvimento das metas e desafios no setor institucional.
JC – O País está preparado para abraçar 32 milhões de idosos em 2025?
ELIANE – Sem pesquisas coordenadas que permitam estabelecer medidas direcionadas, regionalizadas, integradas, efetivas e eficazes, arrisco-me a dizer que não. Infelizmente, o impacto negativo disso na sociedade como um todo pode ser incalculável.
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Fonte: Jornal do Commercio, 31/10/2004