Esta reflexão passeia ficcionalmente por momentos da velhice cujas adversidades mudam nossos desejos de envelhecermos sarados e ativos, levando-nos a lugares cujas fragilidades imperam, e acabando de nos ver institucionalizados e perguntando sobre o dia em que a morte chegará.
Maria Cristina Palácios Röttgering (*)
Capítulo 1 – expectativa
Todos nós iremos envelhecer, uns melhores outros piores, essa escolha pode ser nossa, como também irá depender de nossas atitudes. Nos tornamos adultos, independentes, ativos. Trabalhadores a procura de nossos sonhos. Podem ser atingidos em sua totalidade como também podem ser interrompidos, seja por saúde ou investimento, seja por indecisão de como prosseguir. Mas tudo isso faz parte da experiência de nossa vida Então, atingimos a velhice esperando ter cuidado bem de nosso corpo e pensamos: – Vamos ser aquele velho ativo, sarado, que estará viajando e quem sabe curtindo os netos junto com os filhos.
Capítulo 2 – realidade
Porém, surgem problemas não esperados: Quedas, esquecimentos, doenças crônicas e degenerativas, síndromes geriátricas e de uma hora para outra, nossos filhos começam a dominar nossas vidas, da mesma forma quando outrora ainda pequenos, fazíamos com eles. Nossa velhice torna-se difícil. Em decorrência destes fatores, é decidido então pela família: – vamos institucionalizar nosso idoso, pois na correria do dia-a-dia, não teremos condições de dar apoio. Já não podemos então decidir se ficaremos em casa, se iremos residir com eles ou ainda se queremos ser institucionalizados.
Capítulo 3 – processo de transição
Inicia-se a procura de um lugar. Algo angustiante sofrido, pois nós não desejamos necessariamente sair de nossa residência, temos lá toda uma história de vida, alegrias e tristezas, a escolha já não é uma opção. Existe um processo à entrada na Instituição: entrevista, avaliação psicológica, avaliação médica, conhecer seu novo aposento, preparar-se para sua mudança, rever objetos…trazendo lembranças boas e tristes. Chega o dia de deixar nossa residência e ir para o lugar escolhido pelos filhos.
Capítulo 4 – a nova vida
A chegada à nova moradia é acolhedora. A equipe, muito amorosa, faz que tudo pareça muito normal. Os filhos incentivando que será muito bom, que terá atividades, que faremos novas amizades, uma alimentação regrada, não precisaremos nem mais nos preocupar com a limpeza da casa. Lavar roupa? Fazer comida? Ir ao supermercado? Tantas outras preocupações que não teremos mais. Mas preocupações estas que faziam parte de nossas vidas, que sempre fizemos sozinhos e agora ficará restrita ao ambiente da instituição. Levantar, tomar café, (Tudo Pronto!) logo estarei fazendo atividades direcionadas por profissionais que estarão sempre incentivando (Que legal!), irei almoçar junto com os outros moradores, sentar em uma mesa direcionada para que consiga fazer amizades e novamente à tarde, mais atividades e depois já à noite a janta e finalmente dormir. Tudo parece certo, previsível e provavelmente é. Mas será que fomos preparados para essa vivência? Tanto nossas famílias como nós, os “velhos”?
Capítulo 5 – introspecção
Durante nossa vida, sempre ouvimos coisas muito ruins a respeito de “Um lar para Idosos”: abandono pela família e maus tratos, como se fizéssemos parte de móveis sem nome ou estória. Dizem que todos de nossa época crescemos com a ideia de que casaríamos, teríamos filhos, e esses filhos cuidariam até nossa morte de nosso bem estar, junto a eles. Não imaginavam que o mundo mudaria muito rapidamente, e ninguém mais teria tempo para cuidar de seus “velhos”. Os filhos não se prepararam para o nosso envelhecimento (seus pais), pois sempre parece muito distante a chegada da velhice. Nós sempre cuidamos de tudo. Os filhos foram usufruindo, estudando, se aperfeiçoando, e chegando o momento de se profissionalizarem, curtirem a vida e criar família. Mas de repente, caem em seus colos o cuidar dos “velhos”. – Não estou preparado para essa responsabilidade, pois tenho minhas prioridades, meus sonhos! Podemos os ouvir pensarem. Aí chega o remorso: – Mas eles sempre cuidaram de mim, como não farei isso por eles? Alguns mais revoltados – nunca me deram carinho, amor, somente a parte material! Ou ainda, ressentidos – decidiram se separar e fiquei no meio de suas brigas. Essa insegurança gera conflitos na família, os filhos acabam discutindo entre si, pois um sempre acha que está fazendo mais que o outro, o que pode prejudicar o relacionamento. Isso transparece para nós, que estamos em um lugar que não queríamos estar e ainda tendo de conciliar a divergência dos filhos, dizendo que está tudo bem e que estou feliz.
Capítulo 6 – quando chegará o momento
Porém, quando está se acostumando ao ambiente e aos outros “velhos”, percebo que de repente um deles não aparece para tomar café, não está nas atividades, e quando pergunto – onde está fulano? Recebemos a resposta de que não está muito Bem. O tempo passa e ele continua ausente, e quando novamente perguntamos, vem a resposta que menos queremos ouvir: “faleceu”. Aí vem a questão: quando chegará a minha vez? Estarei sozinho, ou alguém da minha família estará presente? Normalmente a morte é um tabu nas famílias, não querem conversar porque ainda todos são novos, os “velhos” não são tão velhos ainda.
Capítulo 7 – finitude
A questão que deveriam ser levantadas referentes a como gostaria quando chegar o momento de nossa partida, se, por exemplo, queremos ser cremados, enterrados ou em doença terminal não querer “atitudes heroicas”. Questões estas que devem ser trabalhadas pelas profissionais com a família, incluindo aí um espaço para que o próprio “velho” possa falar sobre a morte. Valoriza-se muito o “prolongar a vida” quando deveríamos estar falando sobre a “vida com qualidade”.
Maria Cristina Palácios Röttgering é Assistente Social – Texto escrito para o Curso Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, da COGEAE/PUC-SP, segundo semestre 2016. E-mail: [email protected]