O engajamento cívico em vários recantos do mundo revela que os mais velhos são dotados do sentimento de que devem oferecer contribuições à comunidade
Por Antônio Carlos Will Ludwig (*)
O engajamento cívico ou a cidadania ativa proporciona uma série de vantagens aos indivíduos de idade avançada. Esse tipo de diligência permite construir novos relacionamentos, reduzir a solidão e diminuir o isolamento social. A ação coletiva beneficia o senso de pertencimento e eleva o sentimento de autoestima. O grupo no qual encontram-se inseridos tende a servir de apoio ao enfrentamento do estresse diário e as trocas interpessoais inclinam-se a estimular o aumento da capacidade intelectual.
Afora tais serventias pessoais existem os préstimos comunitários plenamente justificáveis. No conjunto das razões existentes aparece uma das mais expressivas que é o notório crescimento da população idosa. Atualmente o mundo tem oito bilhões de habitantes com tendência de diminuição do ritmo de aumento, entretanto constata-se que a população idosa segue uma trajetória de expansão em todos os países. É sabido que atualmente existe mais de um bilhão de idosos, com previsão de atingir três bilhões até o ano de 2100.
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A projeção da longevidade média inclina-se a alcançar setenta e sete anos em 2050 e a quantidade de pessoas mais velhas caminha para se tornar o dobro do número de crianças com menos de cinco anos de idade. Sem dúvida, a mobilização espontânea desse ingente volume de pessoas longevas destinada a causas coletivas se mostra capaz de provocar vultosas transformações na sociedade.
Esses números são muito significativos se comparados com o volume de cidadãos ativos espalhados pelo mundo. Não é preciso nenhum esforço intelectual para inferir que a grande maioria das pessoas de todas as nações se apresentam como cidadãos passivos, os quais preferem se dedicar ao trabalho, à família e às atividades de lazer e deixar que a tarefa de condução do país seja feita pelos eleitos, bem como as ações em benefício da coletividade, particularmente dos desprivilegiados, fiquem a cargo dos governantes.
Observe-se que nesse gigantesco contingente encontra-se a maior parte dos idosos. Entretanto, aqueles que atuam no mercado ocupacional e/ou frequentam escolas podem usar a desculpa de que não sobra tempo para a prática da cidadania ativa, porém os mais velhos não podem utilizá-la uma vez que aparecem na situação de aposentados, possuem bastante tempo livre para se dedicarem às ações favorecedoras da comunidade.
O exercício da cidadania ativa por parte de todos e principalmente dos idosos é de suma importância nos dias que correm devido ao recorrente comportamento da maioria dos políticos. Com efeito, o distanciamento deles em relação ao povo é bem visível. Por força do atrelamento às elites, interesses pessoais, corporativismo, personalismo e outras particularidades torna-se árdua a aproximação dos mesmos com a população majoritária, a qual, por sua vez, não se sente representada por eles. Acrescente-se que grande parte dos políticos não consegue ostentar uma postura republicana, não diferencia o público do privado, abnega o princípio da publicidade da esfera administrativa. Pior ainda, é carente da virtude cívica, a qual diz respeito ao reconhecimento e a busca do bem comum em detrimento das aspirações particulares. Vale lembrar também as ameaças que corroem o regime democrático em várias partes do mundo.
Foto: André Bueno | REDE CÂMARA SP – Reunião da Comissão Extraordinária do Idoso e de Assistência Social no dia 22/08
Em consonância a essas justificativas manifesta-se o engajamento cívico dos idosos em vários recantos do mundo. Pesquisa recente feita nos Estados Unidos da América do Norte revelou que os mais velhos são dotados do sentimento de que devem oferecer contribuições à comunidade onde encontram-se situados e da crença de que necessitam manter uma maior conexão com ela bem como aumentar a interação social, mesmo porque têm consciência da experiência e das qualificações que possuem.
Lá, muitos idosos estão envolvidos com atividades pertinentes a partidos políticos, em campanhas de conservação da terra e da água, em movimentos contrários à linhas elétricas de alta tensão e desperdício de água, na organização de programas pós-escolares para crianças, em ações de apoio a imigrantes… Também atuam como treinadores, membros de conselhos, produtores de artesanato e como motoristas. Vale salientar que desde há muito tempo governantes vem apoiando este engajamento cívico por meio de políticas públicas expressas no Volunteers in Service to America, Peace Corps e Elder American Law.
Na comunidade europeia o engajamento cívico também é muito enaltecido e ele se encontra intimamente relacionado com a integração entre os países que dela fazem parte. Assim sendo, é grande a preocupação de seus dirigentes para sustentar a máxima coesão entre eles. E a educação foi eleita pelos dirigentes de tal comunidade como um dos fatores essenciais para a manutenção desta coesão.
Outrossim, tal enaltecimento é consequente da pujança da democracia direta aí praticada. Na Suíça já foram realizadas centenas de plebiscitos atestadores da soberania popular. Nela existe a figura do abberufungsrecht, um mecanismo político destinado a cassar mandatos individuais e conjuntos de parlamentares. Na Itália os cidadãos podem tomar a iniciativa de convocar plebiscitos e referendos destinados a invalidar leis já aprovadas por congressistas. Ademais, plebiscitos e referendos são frequentes em outros recantos, tais como na França, na Dinamarca, na Irlanda e na Espanha. Note-se ainda que existe uma política educacional conferidora de simetria à comunidade destinada à formação de cidadãos ativos nos ensinos fundamental, médio e superior.
Portanto, não causa surpresa o significativo engajamento cívico exercitado por jovens, adultos e idosos europeus. Um dos estudos recentemente concretizado mostra que os homens envelhecidos se envolvem mais em atividades políticas e as mulheres longevas se empenham mais em ações de voluntariado.
Apesar dessa diferenciação ambos os grupos participam de empreendimentos destinados a melhorar os serviços públicos oferecidos à população, atuam em fóruns e conselhos municipais que tratam de questões de interesse coletivo, promovem campanhas voltadas ao boicote de produtos de consumo previamente selecionados, coletam assinaturas para determinadas causas, entregam petições a parlamentares e publicam textos de cunho político.
Em nosso país, o exercício da cidadania ativa feito pelos mais velhos constitui uma expressão do modelo democrático vigente. Embora a Carta Magna brasileira estabeleça tanto a democracia representativa quanto a democracia direta na forma de plebiscitos, referendos e projetos de iniciativa popular, o que se verifica é uma vigorosa prevalência da primeira sobre a segunda, haja vista que tivemos apenas quatro plebiscitos, dois referendos e quatro projetos de iniciativa popular.
Leia a matéria na íntegra na próxima edição da Revista Longeviver, a ir ao ar em outubro próximo.
(*)Antônio Carlos Will Ludwig é professor aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em educação pela USP e autor de Democracia e Ensino Militar (Cortez) e A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania (Pontes)
Foto destaque de Kampus Production/pexels.