Hoje, nós mulheres nos orgulhamos de todas as conquistas, lutamos pela igualdade de direitos, de salários, de posição, enfim não existem mais dúvidas que, apesar de ainda termos caminhos a percorrer, nos orgulhamos de ser mulheres. E o velho? Existe algum orgulho em envelhecer? Num espaço muito curto de tempo, 2050, seremos 30% da população brasileira, como não iniciarmos hoje nossa luta por aquilo que, cada um de nós sonha que é envelhecer, nos desfazendo de todos os preconceitos e aceitando a nossa humanidade e imensa diversidade. Somos únicos, mas seremos velhos SIM.
Denise Morante Mazzaferro *
Por mais estranho que possa parecer, encontrei inspiração para escrever nos recentes movimentos pelo fim da violência contra a mulher, mais especificamente os provocados pelo caso do estupro coletivo da adolescente carioca em Maio de 2016. Vendo as bandeiras levantadas por mulheres de todas as idades, eu, mulher, não consigo deixar de refletir em torno de todos os motivos que nos levam a ainda termos que lutar por respeito, igualdade e dignidade. Aonde começa toda esta barbárie que dá direito ao outro cometer atos de violência física e moral?
Recentemente, o filme “As sufragistas”, inspirado no movimento sufragista do final do século XIX e início do XX, na Inglaterra, retratou a vida de um grupo de mulheres que resistia à opressão de forma passiva, sendo ridicularizadas e ignoradas pelos homens. Saí do cinema com lágrimas nos olhos por assistir à luta daquelas mulheres por direitos dos quais hoje desfrutamos.
Mas o que tudo isso tem a ver com a Velhice?
Simone de Beauvoir nasceu em Paris em 9 de janeiro de 1908 e faleceu em 1986, foi escritora, intelectual, filósofa existencialista, ativista política, feminista e teórica social francesa (1). Embora não se considerasse uma filósofa, teve uma influência significativa tanto no existencialismo feminista quanto na teoria feminista. Em 1970, já com 62 anos, Simone escreveu o livro “A Velhice” (2) e nele discutiu profundamente esta fase da vida, chegando a comparar o velho à mulher por quem ela tanto lutou. O que ela sentia era que, ao entrar na velhice, mesmo após ter travado lutas pelos direitos das mulheres, e comemorado várias conquistas, enfrentava tudo novamente – a falta de lugar na sociedade, de direitos, de papel.
Hoje nós mulheres nos orgulhamos de todas estas conquistas, lutamos pela igualdade de direitos, de salários, de posição, enfim não existem mais dúvidas que, apesar de ainda termos caminhos a percorrer, nos orgulhamos de ser MULHERES.
E o velho? Existe algum orgulho em envelhecer, em outras palavras, o que é envelhecer?
Envelhecer é viver. Não existe uma definição mais simples do que essa. Envelhecemos desde o dia em que fomos gerados, com o passar das horas, dos dias, das semanas, dos meses, dos anos. Mas porque, apesar de ser um processo natural, o tememos tanto o envelhecimento, a velhice e o ser VELHO?
Simone de Beauvoir dizia: “É normal, uma vez que em nós é o outro que é velho, que a revelação de nossa identidade venha dos outros. Não consentimos nisso de boa vontade. Uma pessoa fica sempre sobressaltada quando a chamam de velha pela primeira vez” (3). Estas palavras são de uma mulher que já havia completado seus 62 anos em 1970.
Hoje, 2016, aos 45 anos, eu, que como todos envelheço todos os dias, profissional e pesquisadora da gerontologia me questiono como é o meu envelhecimento, meus desejos, sonhos, caminhos que quero percorrer, enfim meu desejo DE SER VELHA.
Não vejo esse desejo na maioria das pessoas. O que ouço, leio e observo são frases como:
“Envelhecer sem ficar velho!” (4)
“Sou velho, mas tenho minha alma jovem”.
“Tenho 70 anos, mas não me considero velho, sou ainda um menino.”
“Meu pai dizia: meu filho anda direitinho, certinho, que quando você ficar velho, você verá a vantagem de uma boa mocidade. Fiz 90 anos e ainda estou esperando envelhecer para ver se meu pai tinha razão.” (5)
“A impressão que eu tenho é de não ter envelhecido, embora eu esteja instalada na velhice. O tempo é irrealizável, provisoriamente o tempo parou para mim. Provisoriamente!”. (6)
É muito difícil envelhecer numa sociedade que valoriza a produção, o instantâneo, o futuro em detrimento ao passado, o amanhã ao invés do hoje, o jovem, o rápido, a potência, a beleza, a virilidade. Todos são valores que nós mesmos construímos e, de certa forma, reafirmamos ao negarmos a velhice que inexoravelmente está ligada a finitude, a fragilidade, a flacidez, a lentidão, as rugas, a bengala, ao cabelo branco, ao esquecimento.
Hoje nem começamos a nossa luta pela velhice. Ao invés de irmos todos às ruas, como as mulheres, estão indo e propondo a não rivalidade, a revolução.
Acima de tudo uma revolução no sentido de uma nova forma de pensar o valor e o direito, estamos envelhecendo, e rapidamente, negando a velhice, as rugas, as marcas, a fragilidade e acima de tudo nossa finitude.
Precisamos aprender com estes movimentos que iniciaram tanto tempo atrás, lutando pelas minorias – mulheres, negros, homossexuais, que nós velhos e futuros velhos, éramos minoria, mas seremos a maioria.
Num espaço muito curto de tempo, 2050, seremos 30% da população brasileira (7). Como não iniciarmos hoje nossa luta por aquilo que, cada um de nós sonha que é envelhecer, nos desfazendo de todos os preconceitos e aceitando a nossa humanidade e imensa diversidade? Somos únicos, mas seremos velhos SIM.
A teoria de Darwin, explicando a evolução humana, previa a sobrevivência dos mais adaptados. Nossa inteligência, nos possibilita que nos adaptemos às mais diversas condições. Vivemos um novo momento: nos adaptarmos a um dos grandes ganhos da humanidade: ANOS DE VIDA!
Como diria Arnaldo Antunes: “A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer”.
Notas
(1) Disponível Aqui
(2) Beauvoir, S. A Velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990
(3) Idem, p. 353)
(4) Tema de uma campanha publicitária da UNIMED. Acesse Aqui
(5) Frases encontradas em entrevistas e depoimentos de pessoas com mais de 60 anos, quando perguntadas sobre o que é envelhecer.
(6) Fernanda Montenegro interpretando Simone de Beauvoir em Vivem sem tempos mortos. Acesse Aqui
(7) Dados publicados pela OMS no Relatório Mundial sobre a saúde e envelhecimento.
* Denise Morante Mazzaferro – Mestre em Gerontologia pela PUC-SP, Pós graduação em Marketing ESPM. Sócia da Angatu IDH. Membro da rede de colaboradores do Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected]. Site: Acesse Aqui
