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Diversidade no viver e lonveviver em tempo de desafios

Em tempos de desafios do ofício de viver, Sônia Fuentes nos dá algumas pistas como a busca por manter um difícil equilíbrio, dividindo seu tempo entre afazeres domésticos, estudo e trabalho, e uma vida interior que busca sempre enriquecer e acalmar o coração.


Publicamos hoje a segunda entrevista que fizemos sobre o impacto da pandemia do coranavírus no grupo + de 60. Como esclarecido na apresentação do primeiro relato de Odette Godoy – Pensamentos de um idoso em risco em tempos de COVID-19 não seguimos as metodologias convencionais, mas, em tempo de distanciamento físico, foi uma maneira de ouvir a voz deste grupo etário e estabelecer com, e entre eles, um diálogo. O grupo de amigos que respondeu ao meu convite tem similaridades e diferenças. As semelhanças encontram-se no seu recorte investigativo: homens e mulheres acima de 60 anos, com educação superior e nível socioeconômico confortável. Todos já tiveram carreiras bem sucedidas, alguns já estão aposentados e outros, mesmo nesta condição, continuam trabalhando.

Do grupo a pessoa mais idosa tem 82 anos, a mais nova…58 anos! Quase lá!

No entanto sabemos como esta cronologia, convencionada, para a idade adulta diz pouco sobre como são e agem os indivíduos ao longo deste período. Temos adultos ‘jovens’, na faixa dos 30-40 anos, que são pessimistas em relação à vida e suas possibilidades, vivem de mau humor, reclamam de tudo…Atributos que são, normalmente atribuídos aos mais velhos, o que se mostra preconceituoso e longe do real!

Nossa experiência na área da gerontologia social e o trabalho junto ao grupo etário com + de 60 indica que a atividade em geral – física e intelectual – o desejo de aprender, viajar, se relacionar está mais ligado às características pessoais, que podem ser associadas à busca da qualidade de vida, do que à  idade ou mesmo condições de saúde.

Como definimos, o perfil deste grupo de depoentes como de pessoas com boas condições físicas, intelectuais e sociais, pode parecer que os grupos mais desprovidos de bens são tristes, apáticos, e distantes das alegrias de uma boa conversa, de dançar, cantar e se divertir. Não é o que observamos nesta longa trajetória de trabalho e viagens pelo Brasil.

Muito da riqueza de conhecimentos que tenho hoje das culturas ‘de raiz’, de diferentes lugares e essa alegria genuína, foi adquirido no convívio com este grupo social mais velho e, de certo modo, desfavorecido. Os costumes – comidas, rezas, crenças, danças e ‘divertimentos’ – entre uma infinidade de saberes, foi com eles que aprendi!

O depoimento que destacamos nesta publicação é o de Sônia Fuentes, psicóloga, 62 anos, mestra em Gerontologia Social, com doutorado em Psicologia (PUC/SP) e pós.doutoramento em Gerontologia Social (PUC/SP), que se declara católica, e que hoje mora com o marido e o sogro de 88 anos.

Ela encara o processo de envelhecimento com serenidade, cultivando a boa saúde – espiritual e biológica – e a maturidade adquirida. Seu maior desafio é continuar com “essa vontade e ânimo de viver“. Considera que esta pandemia é um “sinal de que necessitamos olhar para dentro de nossa casa interior” e ressalta “o autocuidado e a reclusão como forma de cooperar”, neste momento.

Sente o afastamento dos amigos e familiares, mas mantém contatos virtuais com todos, e nos conta que:

Toda sexta feira, abrimos um vinho e colocamos o app Zoom no computador e chamamos amigos para se conectar. No sábado a noite preparo uma bom jantar, outro vinho, outra turma de amigos […] No domingo reunimos a família no Zoom – daí falamos com todos juntos.

Sônia é ativa e criativa, e afirma que mesmo ‘em quarentena’ “tenho muitos interesses e não estou dando conta de tanta coisa boa que podemos fazer mesmo estando em casa”. Ela aprecia diferentes atividades físicas, com destaque para andar de bicicleta. Mas, vivendo este momento de isolamento, afirma também: “adoro ficar só, aprecio essa oportunidade de reflexão – considero necessária independente de pandemia ou não”. 

Sua rotina é intensa! Acorda cedo e se divide entre cuidados com a casa e preparo de refeições, equilibrado com aulas de yoga online e caminhada rápida dentro de casa com um ‘app’, procurando também manter o peso. Relata que:

Duas semanas antes da quarentena estive fazendo exames de rotina e no meu exame ergométrico apareceu uma arritmia leve, o cardiologista me deu dieta sem açúcar e sem farinha, e pediu que eu fizesse um mês para perder alguns quilos. Já me sinto bem com os quilos a menos.

Como psicóloga mantém alguns atendimentos à distância, têm estudado e lido, destacando “o livro de Yuval Noah Harari – 21 lições para o século 21 […] e finalizando A fórmula da Felicidade de Mo Gawdat, que ganhei de meu filho de Natal – excelente leitura para esses dias”.

À noite, geralmente, assiste filmes, mas vê também:

Várias palestras gratuitas da casa do Saber, Método Supera, e estou fazendo seriamente o curso da Universidade de Yale – “The Science of Well being” […] Também estou desenvolvendo meu 2º livro de memória e criatividade: “Construindo Teias neuronais”, recheado de exercícios e atividades para todas as idades.

Seu primeiro livro, editado pela Portal Edições, foi Tecendo o Chamado de Atena e Aracne – 30 oficinas para o segmento 60+. Além de todas estas atividades relata que:

Fui convidada para dar uma entrevista de 30 minutos sobre atividades para fazer em casa, com idosos sobre memória, nesse período. Foi muito produtivo, pois fiquei escrevendo e pesquisando sobre o que falar. E gostei muito.

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Pelo seu relato vemos que atividades não faltam para Sônia, indicando um perfil de mulher ativa, que trabalha e estuda! Afirma que seu principal ponto de apoio neste momento é seu marido, que a ajuda nos trabalhos da casa e faz consultorias online:

Ele está bem ‘antenado’, mas temos nos dado bem nesse momento tão atípico. Ele está adorando encontrar os amigos e bater papo virtualmente nas noites de fim de semana – às vezes ficamos 3 horas no bate papo.

Alerta, no entanto, que tem se mantido desconectada da rede durante à tarde, e evitado ver muito o jornal e noticiários, sugerindo aos seus pacientes a mesma atitude. Em relação ao futuro afirma que:

Sendo bem, bem, realista – as coisas não vão ser fáceis para ninguém. Temos de pensar de forma humana e global, ajudando uns aos outros. Já não está fácil para muitos que dependem de trabalhos e serviços autônomos. Tenho apoiado causas sociais na medida do possível.

Nesta rede solidária ela continua remunerando seus prestadores de serviço, e ainda faz sopa ou bolo para dar aos porteiros do prédio onde mora, que estão indo trabalhar, além de ter diminuído o valor no atendimento de alguns pacientes. Sendo tão ativa como Sônia tem sentido este isolamento? Ela afirma:

Se eu conseguir continuar fazendo as coisas que gosto e com saúde – estou adorando. Não posso me queixar. Adorando é demais, digo me adaptando, pois amo o sol e a liberdade – sinto falta de correr no parque, pedalar e nadar.

Acabei de chegar de um retiro e de uma viagem à Índia – foi um presente e uma preparação para lidar melhor com esse momento. Lá tive muitas aulas boas no Brama Kumaris regadas a meditações e aulas de Yoga. Voltei fortalecida e grata.

Interessante observar como Sônia busca manter um difícil equilíbrio, dividindo seu tempo entre afazeres domésticos, estudo e trabalho, e uma vida interior que busca sempre enriquecer “à noite um chá para dormir, mas antes uma meditação guiada para acalmar o coração”. Ela nos deixa uma mensagem:

Minha esperança é que todos possam sair mais fortalecidos, e mais amorosos uns com os outros.”

Minha esperança é que todos possam sair mais fortalecidos, e mais amorosos uns com os outros.

Minhas reflexões

Interessante como este trabalho de pesquisa tem gerado em mim muitas reflexões. Li todas as colaborações que recebi, cada uma trouxe novas possibilidades de pensar sobre esse processo de viver, longeviver e que hoje, inesperadamente, nos coloca frente a um período nunca vivido – A vida em compasso de espera – O futuro… Sempre uma incógnita.

Ressoa ainda a frase de Odette “Somos os mensageiros da nossa finitude”!

Cerca de 20 anos separam Sônia e Odette – uma em plena atividade, outra, reflexiva, pensa no fim. As duas colocadas na mesma categoria – idosas. Tenho pensado nesta ‘nova’ forma de viver para o grupo + de 60 – mais ativas e muitas trabalhando. Penso em mim, entre uma e outra, ainda ativa intelectualmente, mas fisicamente com restrições. Sei que não é um caminho linear do mais para o menos. Reforça a ideia de processo, um dia após o outro.

Um dia bem disposta, no outro quase que me ‘arrasto’.

Nesta fase da pandemia somos o ‘grupo de risco’, mas lemos notícias – a morte de muitos jovens. Centenários se recuperam e voltam para casa. Muito se fala da genética, mas existem outros fatores para a longevidade, como condição de escolaridade e socioeconômica, avanço das ciências, tecnologias inovadoras, aumento de saneamento. Mas, o que esperar frente a este vírus desconhecido que afeta a todos, no mundo inteiro?

Qual o tempo de vida de cada um? Como os futuros pesquisadores lerão os índices de longevidade, daqui a 20 anos? Tempo determinado ou indeterminado? Quem? Até quando?


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Vera Brandão

Pedagoga (USP); Mestre e Doutora em Ciências Sociais (PUCSP); com Pós.doc em Gerontologia Social pela PUCSP. Docente. Pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE-PUC/SP). Editora da Revista Longeviver (https://revistalongeviver.com.br) e Coordenadora Pedagógica do Espaço Longeviver. E-mail: veratordinobrandao@hotmail.com

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