A Neuropsicologia, uma área do conhecimento que investiga as relações entre cérebro e cognição e que, atualmente, tem como uma área de pesquisa prioritária o envelhecimento, de uma forma genérica, tem mostrado que essas afirmações do senso comum apresentam alguma base científica, mas uma análise mais minuciosa do declínio cognitivo durante o envelhecimento mostra que tais constatações são apenas parcialmente verdadeiras. Apesar do declínio de algumas capacidades de memória (mas não todas) ser mais acentuado do que o das capacidades lingüísticas (que envolve conhecimentos aprendidos durante a vida do indivíduo) nesse artigo tentaremos mostrar que (1) existem diferentes memórias e que apenas algumas sofrem um decréscimo durante o envelhecimento; (2) que outras funções cognitivas, como atenção e planejamento podem afetar tanto a memória como a compreensão de linguagem e que (3) outros fatores de ordem biológica (alimentação adequada) ou psicológica (estado de humor positivo) influem na manutenção das funções cognitivas. Outras causas que provocam um declínio das funções cognitivas e que podem ser tratadas durante o envelhecimento indicam alguns caminhos para um envelhecimento cognitivo mais estável. Em outras palavras, a Neuropsicologia tem demonstrado que a crença de que o envelhecimento constitui um período de declínio inevitável está sendo atualmente desafiada, considerando o aumento de sujeitos que envelhecem não apenas de forma ativa e independente como também de forma criativa.
Através do estudo de dificuldades de memória resultantes de uma lesão cerebral, ocasionada, por exemplo, por um acidente de trânsito, ou por uma invalidez de guerra, a Neuropsicologia Cognitiva confirmou a existência de múltiplos sistemas de memória. Assim, atualmente acredita-se que a memória não é unidade. Ela pode ser classificada por diferentes aspectos, como o aspecto temporal. Algumas lembranças fazem referência a conhecimentos recentemente adquiridos. O mecanismo de memória dessas lembranças chama-se Memória de Curto Prazo. Outras lembranças, ao contrário, fazem referência a conhecimentos adquiridos há muito tempo. Elas estão armazenadas numa memória chamada de Longo Prazo. Com relação a essa dicotomia, os idosos têm muito mais facilidade em buscar informações da Memória de Longo Prazo do que da de Curto Prazo.
Um tipo de Memória de Curto Prazo, muito afetada pelo avanço da idade, é aquela chamada Memória de Trabalho ou também Memória Procedural. É uma memória que torna uma pessoa capaz de fazer uma tarefa complexa que envolve duas ou mais atividades que precisam ser realizadas ao mesmo tempo. Por exemplo, ficar guardando um número de telefone enquanto procura-se um lápis e um papel para anotá-lo. Esse tipo de memória envolve muita atenção, e com a idade, a atenção fica bastante prejudicada.
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Um outro tipo de memória também bastante afetado no envelhecimento é uma memória que está dirigida para os fatos do futuro, vulgarmente chamada de “memória de agenda”. Seu nome científico é Memória Prospectiva. Alguns exemplos são: lembrar de tomar um medicamento a cada 4 horas; lembrar de ir ao médico em tal dia, etc. É uma memória direcionada ao que se passa no dia-a-dia de cada pessoa. Ela também exige muitos mecanismos atencionais, mas também outros mecanismos cognitivos importantes: planejamento, intenção e motivação. Para lembrar-se de tarefas futuras é preciso: (1) fazer um bom planejamento das atividades do período até a ação que deve ser memorizada; (2) ter uma intenção forte de lembrar de realizá-la para ser capaz de ativar a lembrança no momento certo e, conseqüentemente, (3) ter um alto grau de motivação, ou seja, querer realizar tal tarefa. Sem motivação, um planejamento adequado não é realizado e a intenção torna-se muito frágil para ativar uma lembrança que se faz necessária.
Assim, podemos observar que as falhas de memória podem ser decorrentes de dificuldades outras do que o guardar a lembrança e depois buscá-la. Como nos tipos de memória acima citados existe um envolvimento de motivação, atenção e intenção, é muito fácil entender que pessoas que não possuem um humor positivo (ou seja, aquelas que são depressivas ou ansiosas) apresentem dificuldades de memória bastante graves, não conseguindo organizar seu dia-a dia de forma adequada.
Existe um alto índice de depressão e ansiedade no idoso, muitas vezes em função de um certo isolamento causado pela perda ou distanciamento de familiares ou colegas de trabalho, pela mudança de um estilo de vida, não muito valorizado, etc. Entretanto, esses distúrbios emocionais são freqüentemente encontrados em adultos jovens devido a problemas afetivos ou a uma grande exigência de seu meio social. Em conseqüência, adultos mais jovens buscam os serviços de neuropsicologia com queixas de memória, preocupados por apresentar um declínio cognitivo de tipo demencial.
Até aqui focalizamos tipos de memória que são muito afetadas nos idosos. Entretanto, a memória denominada Memória Semântica, aquela que guarda o significado de objetos e fatos, parece bastante mantida. Quanto à memória de eventos pessoais, ela fica preservada para os eventos relacionados a períodos da infância, adolescência ou da vida adulta do idoso. É conhecido o fato de que idosos lembram-se com detalhes fatos antigos, e conseguem contar histórias bastante ricas em detalhes e coerência. Não apresentam dificuldades de compreensão de histórias se for pedido a fazer um resumo e uma interpretação pessoal. Podem esquecer de alguns detalhes, devido a falhas de memória de curto prazo (de tipo memória de trabalho). Muitas terapias de adaptação do indivíduo a uma idade mais avançada incluem o enriquecimento e a valorização de auto-biografias, dando um significado novo à vida do idoso.
Esquecimentos benignos são aqueles que, com freqüência, ocorrem em pessoas ativas que têm possibilidades de desempenhar adequadamente suas tarefas diárias (Kral, 1960). Tais esquecimentos podem ser: não se lembrar de um nome, mas “ter a palavra na ponta da língua; ir buscar alguma coisa e se esquecer do que ia fazer etc. Geralmente, eles são compensados espontaneamente pelo indivíduo, mas podem causar alguns problemas graves. Por exemplo, foi o relato de uma funcionária: “eu chegava muitas vezes atrasada no meu trabalho, pois no meio do caminho lembrava-me que tinha esquecido algum material importante para as reuniões daquele dia. Resolvi buscar ajuda de um profissional da área da saúde, depois de uma repreensão de meu chefe”.
No exame neuropsicológico, os pacientes com esse tipo de esquecimento apresentam capacidades normais em quase todas funções cognitivas, salvo as de memória. Algumas vezes, eles têm dificuldades em provas de atenção, o que podem ser a causa das falhas de memória. No idoso, o esquecimento benigno caracteriza-se por uma inabilidade em recordar informações menos importantes, detalhes de uma história ou nomes de personagens. Entretanto, o conjunto das idéias essenciais de uma história é bem compreendido. Em um momento, a pessoa esquece de alguma informação, em outro, ela é recordada sem problemas.
O esquecimento benigno afeta ambos os sexos. As causas mais freqüentes de esquecimento benigno são estresse, alguns distúrbios afetivos leves e idade avançada. O declínio cognitivo tende a aumentar a partir dos 85 anos, quando existe um risco maior de desenvolver uma demência. Por enquanto ainda é difícil prever se esses esquecimentos vão piorar e tornar-se uma doença degenerativa. Pesquisas que estudaram a evolução de grandes grupos com queixas de esquecimento benigno observaram que metade dos pacientes não piora. Parte desses pacientes tem distúrbios afetivos, como depressão e ansiedade, cuja terapia psicológica ou medicamentosa provoca também uma melhora dos esquecimentos.
Infelizmente, 50% dos pacientes, diagnosticados como portadores de esquecimentos benignos, evoluem para a doença de Alzheimer. Essa doença, que se inicia com sintomas muito parecidos aos esquecimentos benignos é irreversível e, progressivamente, as dificuldades em todas áreas da cognição (como linguagem, atenção e raciocínio) vão tornando-se mais graves.
Atualmente, ainda existe um enorme desconhecimento sobre o que significa um envelhecimento cognitivo normal, respeitando suas limitações características, e como distingüí-lo precocemente de um envelhecimento patológico. Assim, ao lado de um enorme investimento nas áreas médicas para buscar formas de estagnar a evolução da doença de Alzheimer, recentemente, uma grande parte das investigações da Neuropsicologia Cognitiva tem se destinado a encontrar “marcadores cognitivos”. Esses são sinais ou sintomas que devem diferenciar de forma precoce as manifestações da doença de Alzheimer dos esquecimentos benignos, uma vez que existe uma possibilidade terapêutica para os portadores de esquecimentos benignos.
De qualquer forma, enquanto os trabalhos de investigação continuam, é importante ressaltar a relevância do diagnóstico precoce das falhas de memória. Conforme as causas dos esquecimentos benignos, a terapia pode ser medicamentosa ou de reabilitação cognitiva. Nesse último caso, os pacientes são encorajados a utilizar estratégias (apoios ou dicas) para suprir as dificuldades de memória ou de atenção, podendo continuar a exercer adequadamente suas atividades diárias.
Fonte: Blog Neuropsicologia – 08/10/2009. Disponível Aqui