Abrir espaço para reflexão sobre si, na qual possamos nos defrontar com as escolhas feitas e as ações delas decorrentes, requer a consciência da dimensão dos tempos vividos, que nos faz indagar: qual o sentido do projeto de vida-trabalho que guiou a escolha inicial? No que mudamos, nós e nossos projetos? Essas e outras questões fizeram parte do Diálogos Itaú Viver Mais em parceria com o NEPE da PUCSP, que se constituiu em espaço relacional de diálogo e troca de experiências sobre a longevidade e aprendizagem ao longo da vida.
Vera Brandão *
A palavra Diálogo foi guia do encontro promovido pelo programa Itaú Viver Mais em parceria com o Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento – NEPE da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no dia 31 de agosto, no espaço Itaú de Cinema – Bourbon. O encontro, aberto ao público amplo, constituiu-se em espaço de diálogo e troca de experiências sobre a longevidade e aprendizagem ao longo da vida. Um espaço relacional de troca de saberes.
Muitos são os eventos nos quais uma plateia atenta ouve figuras de destaque, em diferentes áreas, que abordam os temas de sua especialidade. Às vezes, ao final, resta um tempo para perguntas. Ousamos propor um espaço relacional de trocas, verbais e não verbais, privilegiando as emoções e sentidos, no qual os mediadores serviram de elo entre os participantes no processo cultural de troca de saberes-fazeres.
Não enfatizamos a “sabedoria” especial de nenhum dos envolvidos, mas consideramos que um contato aberto e sem preconceitos pode trazer benefícios a todos – “apreender” o outro em um espaço de reflexão e diálogo que, de forma lenta e gradual, pode gerar mudanças. Espaço de respeito pela palavra do outro, no qual se tenha vez e voz sem julgamentos – o sonhado espaço de liberdade de expressão tão desejado por todos.
Os temas longevidade e aprendizagem interligam-se na medida mesma do processo de envelhecimento da população mundial, que demanda que as ações na área gerontológica estejam em constante aprimoramento e abertas para a troca de experiências que alimentam e envolvem o entorno social.
Esse pressuposto parte da compreensão de que o processo da construção dos saberes-fazeres se apoia nas experiências de vida, consideradas possibilidades de abertura criativa na construção de significados, se não novos, inovadores, desvelando seus múltiplos sentidos.
Nessa perspectiva todo conhecimento é processo de aprender, ensinar, construir (se), como investigação-formação e de relação entre seres e saberes, em seu potencial de compreensão e articulação, na busca de um “conhecimento emancipatório”, pois “todo conhecimento é autoconhecimento”, como assinala Santos (2000).
É fundamental o enfoque exploratório sobre as experiências que constituem as trajetórias individuais e os projetos de vida-trabalho, desejados, realizados ou não, buscando seus sentidos nos tempos Cronos e Kairós.
Abordar a questão da aprendizagem ao longo da vida é um desafio. Confundida, muitas vezes, com a educação formal que adquiriu na nossa sociedade um caráter instrumental, um ‘treino’ para resultados cada vez mais exigentes, leva a maior parte dos profissionais a constante ‘busca do saber’, como algo fora e além de si. Aos não profissionais fica o ‘travo’ de que ‘nada sei’ ou ‘o que sei, não interessa’.
A aceleração das formas de comunicação também impele ao consumo constante, e desproporcional, de informações que não temos tempo de apreender e elaborar como experiência transformadora, um saber consistente. Nesse panorama aqueles que não avançaram nos estudos formais, por diferentes motivos, vivem à margem da sociedade e seus conhecimentos de vida são ignorados, esquecendo-se de seu valor, como sujeitos da cultura.
Esse panorama é especialmente cruel com os idosos, duplamente excluídos, pois grande parcela não concluiu os estudos formais e, consequentemente, não teve acesso a melhores empregos, resultando em baixos salários ao longo da vida e exíguas aposentadorias.
Então o que pode ser uma aprendizagem ao longo da vida?
Todos somos o resultado de experiências pessoais, objetivas e subjetivas, em meio a uma teia de relações sociais, fios que se entretecem interna e externamente, formando um tecido sobre o qual pode se dar as escolhas, parte da trama tecida pelo imaginário, o desejo de saber, e o da cultura da qual se faz parte.
Encontramos na busca de significados, empreendida pelos humanos ao longo do tempo, a matriz da construção do saber, no processo de descoberta, ensino e aprendizagem? Estaria nesse ponto o sentido da aprendizagem ao longo da vida? Ou o processo de aprendizagem seria o sentido? Ou aprender a sentir? Sentir e aprender?
Ao resgatar e ressignificar as experiencias vividas é possível enxergar as marcas que as sensações internalizadas e reelaboradas, objetiva e subjetivamente, e vividas em certo meio cultural, transformam-se em um saber próprio autoreferenciado. Pode-se considerar, assim, que todo conhecimento é processo de aprender-ensinar-construir-fazer-desfazer-refazer (se) – investigação formativa que valoriza as experiencias informais cotidianas, as bases disciplinares e teóricas, sem perder de vista os sentidos que as fundamentaram e as posteriores práticas.
Abrir espaço para reflexão sobre si, na qual possamos nos defrontar com as escolhas feitas e as ações delas decorrentes, requer a consciência da dimensão dos tempos vividos, que nos faz indagar: qual o sentido do projeto de vida-trabalho que guiou a escolha inicial? No que mudamos, nós e nossos projetos? O que conservamos do sentido-paixão que nos fez trilhar determinado caminho? Quais os desvios feitos? No que resultaram nossas escolhas?
Quanto tempo, nos tempos, temos para rever a trajetória de vida-trabalho, para exercitar a dúvida, procurando um saber em rede – que religa seres, saberes e fazeres – que se rearticula na busca de novos modos de compreender e agir?
A aprendizagem ao longo da vida não seria este nó de experiências e sentidos apreendido e constantemente reconstruído?
Nessa perspectiva, encontram-se as novas proposições do Marco Político do Envelhecimento Ativo, que indicam a aprendizagem ao longo da vida como “pilar que sustenta todos os outros pilares” (ILC, 2015).
A gerontologia social também é um saber em construção para o qual devem convergir múltiplas possibilidades de análises e atuações, potencialmente marcantes e positivas na articulação de conhecimentos que tenham como base a própria vida e o decorrente longeviver.
O resultado estimulante da reflexão dialogada proposta no encontro, que apresentou também um interessante e promissor trabalho de trocas intergeracionais, indica a necessidade dos espaços de diálogos e trocas que podem ser vetores para uma perspectiva aberta e solidária de viver a vida.
Terminamos esta reflexão com uma frase de Mariotti, que diz assim: “Esperamos tempo demais para descobrir que a palavra livre, criadora, não comprometida com nada a não ser com seu significado mais profundo, é fundamental para a felicidade humana. A era da informação exige uma palavra livre de controles, ressalvas e senões”(1999, p. 97).
Próximo Diálogos discutirá previdência, aposentadoria e projetos sociais
O tema do próximo Diálogos Itaú Viver Mais e NEPE/PUCSP terá como tema “Políticas públicas para envelhecimento ativo após aposentadoria: direitos, experiência e projetos sociais”. Será realizado no dia 29 de setembro, das 9 às 16h30, no Espaço Itaú de Cinema, localizado na rua Augusta, 1.475 (salas 1). Este evento pretende discutir as políticas públicas para idosos saudáveis e preparar e fomentar profissionais para criação de projetos sociais que priorize o público idoso e promova alternativas para o bem envelhecer. As políticas públicas tendem a priorizar idosos em situação de vulnerabilidade. Entre os temas a serem trabalhados, estão: Previdência – Direitos dos Idosos, A experiência da Aposentadoria, Políticas Públicas para envelhecimento ativo – fundo do idoso, e Oficina de projetos: intervenções e propostas. sociais
Referências
Santos, S. B. A crítica da Razão Indolente – Contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000.
Mariotti, H. Organizações de Aprendizagem. São Paulo: Editora Atlas, 1999.
* Vera Brandão – Pedagoga (USP); Mestre e Doutora em Ciências Sociais (PUCSP); Pos.Doc em Gerontologia pela PUC-SP. Responsável pela editoria da Revista Portal de Divulgação desde 2004. Associada fundadora do Olhe – Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento. Coordenadora da Coluna Memórias do Portal do Envelhecimento e colaboradora nos temas longevidade, educação continuada; memória social; saúde e espiritualidade; intergeracionalidade. Email: [email protected]