Passei os últimos quinze anos usando o mesmo corte de cabelo. Reto, chanel na altura do queixo, podendo crescer até o ombro. Liso a custa do secador, é um pouco ondulado. Fácil, prático. Qualquer nova situação, um rabo de cavalo, uma fivela resolvem. Pensei que seria esse o meu cabelo até o final (pensar no fim é corriqueiro).
Mauisa Annunziata *
A pergunta era: – Quando ter a cabeça todinha branca? Sem pressa para a resposta, continuo usando a cor mais parecida com a minha, pronto.
Engraçada a vida. De repente, uma questiúncula surge no pensamento, em forma de pequeno caracol, como folha nova. Algo desperta. Um mal estar.
Li num museu de ciência: o DNA humano tem 25% de parecença com o do vegetal. Parecença, parentesco. As preocupações levianas, nascem sutis no dia a dia, enroladinhas. De repente nos damos conta: crescem, estão ali, devem enfeitar um canto novo da nossa vida. Finas folhas de samambaias. Como os cabelos para o rosto. Pois um corte de cabelo, uma questão visual, um anseio estético tem a ver com renovar, enfeitar o corpo, a vida.
Nada como escrever para perceber pequenas coisas. Traduzir a sensação nascente em palavras claras. E se fazem ação.
Não que eu tenha agido de imediato. Sou uma senhora. Não quero deixar de ser. Comecei
achando: – Falta volume! Virei o chanel para fora, sequei o cabelo ao contrário, usei um fixador. Nada! O cabelo é muito fino, cai muito e quinze minutos depois, quase uma vassoura. O DNA! A samambaia. Faltou sutileza.
No corte seguinte, fui mais longe, desfiei o cabelo. Mas devagar, pedi, que sou uma senhora. Não usei secador. Um outro tipo de fixador, o de cachos. Amassei os cabelos com as mãos, tentei enrolar nos dedos, por grampos. Fiquei melhor mesmo.
Aos poucos estranho. Cresce rápido, pesa.
Outra vez, a tesoura. Conto um pouco ao cabelereiro o que anda acontecendo, que me sinto parecida a uma santinha abatida de papel amarelecido, cabelos ondeadinhos, que sim sou um pouco triste, mas um pouco engraçada, que… Gente, ele cortou meu cabelo! E despenteou! Da sensação, só entendi a leveza.
A ficha mesmo caiu no dia seguinte: Peter Pan!
Eu estava com saudade dessa minha face-personagem! Que me ajudou, que me fez enfrentar a vida com graça, com aventura. O menino celta, imaginativo me acompanha.
Tenho a princesa também e ainda se apaixona, um tanto perfeccionista. Tenho a bruxa, a fada, a avó rainha. Sou uma senhora afinal.
O Peter Pan não tem idade. Preciso dele agora! Fica pálpavel com este despenteado curto. Vibro, vestida de verde (os 25%, o DNA). Posso permitir que branqueiem meus cabelos.
* Mauisa Annunziata: pedagoga, especializada em Criatividade, com formação em Fenomenologia na Coordenação de Grupos. Poeta e cronista. E-mail: [email protected]