Desafios do envelhecer

Desafios do envelhecer

As pessoas do convívio familiar e os profissionais que atuam com o segmento idoso estão preparados para prestar assistência ao envelhecer?

Regina Helena Marinho (*)

 

Quando envelhecemos? Esta percepção se inicia quando nos olhamos no espelho e as primeiras mudanças vão surgindo. A pele começa a perder a elasticidade, permitindo que as primeiras rugas marquem um tempo, um estágio. Um tempo em que os cabelos ralos e platinados começam a chamar a nossa atenção, e exigir novos cuidados.

Foto: William Krause

Qual é o sentido que se dá para a vida na velhice? Qual o olhar que se lança à velhice? O termo “velho” pode até não soar mal aos nossos ouvidos porque é uma expressão de uso corrente, está presente no nosso dia-a-dia. E, através de seu uso, podemos estar a reproduzir um sentimento negativo em relação à velhice, pensando o idoso em sua brevidade, como algo em seu último e efêmero estágio, ou então, que não serve mais. Entretanto, precisamos entender a velhice como o processo natural de todo ser humano, com suas perdas e ganhos.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou em 28/09/2015 o Relatório Mundial sobre o Envelhecimento da população. Neste relatório, viu-se que o número de pessoas com 60 anos no mundo passará de 12,3% para 21,5% até 2050. No Brasil, o número de idosos deve passar de 12,5% (23 milhões) para 30% (64 milhões) da população do país. Passaríamos a ser, então, uma nação de idosos (classificação dada aos países com mais de 14% da população constituída por pessoas da terceira idade).1 O IBGE mostra que, em 40 anos, a população idosa vai triplicar no País e passará de 19,6 milhões (10% da população brasileira), em 2010, para 66,5 milhões de pessoas, em 2050 (29,3%).  As estimativas são de que a “virada” no perfil da população acontecerá em 2030, quando o número absoluto e o porcentual de brasileiros com 60 anos ou mais de idade vai ultrapassar o de crianças de 0 a 14 anos. Daqui a 14 anos, os idosos chegarão a 41,5 milhões (18% da população) e as crianças serão 39,2 milhões, ou 17,6%, segundo estimativas do IBGE.2

As pessoas do convívio do idoso estão preparadas para as mudanças incutidas nessa fase da vida?

Uma vez exposto esse quadro de crescimento da população idosa, é de se prevê que haverá novos desafios. A começar pela família desse idoso, bem como as pessoas de seu convívio social, que tem papel imprescindível no estabelecimento de uma rede de apoio para o suporte do idoso. Primeira reflexão: as pessoas do convívio do idoso estão preparadas para as mudanças incutidas nessa fase da vida?

O esclarecimento do idoso sobre a fase em que está da vida e suas alterações são importantes para que as interferências sejam assertivas e contribuam para o bem-estar, bem como para a melhoria da qualidade de vida do idoso.

O envelhecimento se manifesta na forma de transformações biológicas desde o nível celular, que tem reflexo nos tecidos e órgãos. O momento em que se torna mais aparente é quando passa a interferir no desempenho físico e motor, bem como no psicológico dos indivíduos, influenciando as atividades cotidianas3. Dessa maneira, ocorre nesse processo diminuição da massa óssea e muscular e da elasticidade, irregularidades na circulação, limitação de movimentos articulares e aumento de peso e, consequentemente, redução das aptidões físicas com declínio das capacidades funcionais3.

O envelhecimento humano é definido como um processo natural, irreversível, atinge todo ser humano e provoca uma perda estrutural e funcional progressiva no organismo. O processo de envelhecimento traz consigo, como já apontamos, várias alterações fisiológicas: a descalcificação óssea, a progressiva atrofia muscular, aumento da espessura da parede de vasos, aumento do nível de gordura, fraqueza funcional, diminuição da capacidade coordenativa, entre outras. Tais problemas têm seus efeitos minimizados, em sua maioria, pela assimilação de um estilo de vida ativo 4 5.

Jamet et al6 relataram em seus estudos que o processo do envelhecimento fisiológico, a senescência, afeta desfavoravelmente o equilíbrio, produzindo mudanças em todos os níveis do controle postural, propiciando desordens nas três funções principais: os receptores sensoriais, o processamento cognitivo central e a execução da resposta motora.

Para Fillenbaum et al7, cuja abordagem se diferencia substancialmente do anterior, a mobilidade é um representante indireto de cuidados pessoais, interação social e atividades cognitivas, sugerindo que a avaliação cognitiva deve ser sempre acompanhada de uma avaliação funcional e vice-versa.

Os profissionais direcionados para o atendimento ao idoso estão preparados para prestar esta assistência?

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Essas informações, que são indicadores de um quadro, podem ser adquiridas numa primeira consulta ao Geriatra, profissional da saúde que melhor poderá assisti-lo, ou então através de órgãos de saúde pública direcionados a população idosa. Plataformas na internet que tratam do assunto que também são boas fontes de informação. Nossa segunda reflexão: Os profissionais direcionados para o atendimento ao idoso estão preparados para prestar esta assistência? Que tipo de cuidados o idoso precisa? Existem dois tipos de cuidados que vale a pena ressaltar, o cuidar emocional (prover de atenção no cuidado da pessoa idosa, bem como o acolhimento e assistência familiar) e o cuidar social (programas especializados de saúde, atividade de educação; lazer e cultura com acessibilidade e representatividade; moradia acessível e alimentação, bem como programas de proteção aos direitos do idoso, contidos na esfera da segurança e do trabalho).

É sabido que o idoso consome mais serviços de saúde, pois as internações hospitalares são mais frequentes e o tempo de ocupação do leito é maior, quando comparado às outras faixas etárias. Em geral, as doenças dos idosos são crônicas e múltiplas, perduram por vários anos e exigem acompa­nhamento constante, cuidado permanente, medicação contínua e exames periódicos. Dessa forma, o envelhecimento populacional pode ser visto como maior carga de despesas hospitalares, mais incapacidades e crescimento do uso dos serviços de saúde.8

Estudos recentes têm mostrado que as do­enças ou condições crônicas – e as incapacidades delas resultantes – não são consequências ine­vitáveis do envelhecimento. Diferentemente do que antes era pensado, viu-se que a prevenção é efetiva em qualquer nível, mesmo nas fases mais tardias da vida. Dessa forma, evidencia-se a prevenção como a chave que pode mudar o quadro atual. Vários estudos demonstram a importância da inclusão do idoso em grupos de atividades específicas, que se comprometam a manutenção da saúde física e mental. Os exercícios físicos em grupos para idosos vêm sendo relatados na literatura como um excelente instrumento para desprendimento de preconceitos e complexos e proporcionam sentimentos de alegria e a espontaneidade, além de reintegra-los a sociedade, fato que poderá resultar numa mudança de concepção do indivíduo sobre si mesmo e sobre os outros9.

O que a experiência mostra é que o idoso, que tende a subestimar seu potencial físico e motor, ao perceber que no grupo de inclusão há outros idosos da mesma idade que acreditam em seu potencial, vê aumentar seu sentimento de autoeficácia e passar a conseguir realizar atividades antes inimagináveis para ele, melhorando assim sua qualidade de vida10.

Limitações ambientais X desempenho motor

Nem sempre limitações ambientais pioram o desempenho motor. O conceito de restrição vem de dois termos antagônicos no inglês: affordances (para fatores ambientais positivos) e constraints (para fatores ambientais negativos) 11,12,13. A diminuição dos graus de liberdade de movimentos, diante de alguma restrição ambiental, pode dar maior controle e, consequentemente, maior liberdade para ampliar o repertório motor. Nesse caso, restrição gera adaptação que, por sua vez, gera evolução. Por outro lado, a diminuição dos graus de liberdade não pode ser drástica, caso contrário o repertório fica muito restrito, e o indivíduo se adapta ao ambiente e/ou à tarefa14,15.

A prática diária de atendimentos a idosos evidenciou a necessidade de implementação de programas voltados a esse público. Duas revisões mostraram associação de diversos fatores ambientais com diferentes tipos de atividade física. 16,17 A relação positiva entre facilidades de acesso, estruturas adequadas e com a prática de atividade física também foi confirmada em estudos que realizaram análise objetiva do ambiente. 18,19 Além disso, o acesso adequado a áreas de lazer e a espaços públicos abertos também aumenta as chances da prática de pelo menos 150 minutos por semana de caminhada. 20,21,22,23 Porém, essas pesquisas foram realizadas em países de renda per capta alta e, talvez, as referidas associações entre o ambiente e a atividade física não se apliquem ao contexto brasileiro. A grande iniquidade social no Brasil e em outros países de renda média à baixa deve ser considerada, pois envolve a existência de áreas de maior vulnerabilidade, muitas vezes com poucas áreas de lazer, calçadas ou outros atributos comunitários que facilitem a prática de atividade física. Enfatiza-se a importância da diversidade de estratégias de ação, preconizando a utilização sem preconceito de atividades antes restritas a jovens, como os exercícios com alteres, ou as atividades divididas em sessões durante o dia. Verificou-se também a necessidade do idoso de estar envolvido em atividades sociais, em ambientes que propiciem o desenvolvimento de atividades que possibilitem a melhoria de suas capacidades funcionais, monitoramento e prevenção de doenças.

Evidencia-se diariamente a evolução nas valências físicas importantes para manutenção das atividades de vida diárias (AVDs), autonomia para exercer suas necessidades básicas, melhora de níveis pressóricos, capacidade pulmonar, e melhora importante na perspectiva de vida. Nesse último aspecto é importante frisar que, para o idoso, a morte deixa de ser um assunto recorrente, como se fosse iminente.

Durante os 10 anos de atendimento, observei a importância de pertença a grupo de integração. Este pertencimento é como a oportunidade de manutenção das suas memórias, compartilhamento de dificuldades e sucessos e a ampliação do círculo de amizades. É uma oportunidade para o ressignificado de vários conceitos e preconceitos equivocados sobre a velhice e, por isso, uma oportunidade de ver-se de maneira diferente, mais positiva.

E se houver uma crise, quem decidirá por mim?

Ora, se conseguimos proporcionar ao idoso um envelhecimento saudável, temos que prepará-lo também para sua finitude. O último desafio: E se houver uma crise, quem decidirá por mim?

Quando se perde a autonomia, ou seja, o poder de escolhas, devemos já ter feito um Testamento Vital que conterá as Diretrizes Avançadas de Vontade que é a manifestação sobre quais tipos de tratamentos gostaria de ser submetido caso fosse diagnosticado por doença terminal.

Referências

  1. OMS (2015) Relatório Mundial de Saúde, Banco de Dados. Genebra: Organização Mundial de Saúde./////////
  2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Internet].[Sl]: IBGE [acesso em 20 de setembro de 2011]. Sinopse do resultado do censo de 2010; [1 tela]. Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/webservice/
  3. Alves MIC, Araújo, TNC. Perfil da população idosa no Brasil. Textos de envelhecimento. 2000;3(3):7-19.
  4. Persson G. Bostrom G, Allebeck P, Andersson L,Berg S, Johansson L, Thille A, Hanna TVB et al.Elderly people People’s Health – 65 and after Scand J Public Health. 2001;(Supl 58):117-31.
  5. Gravilov LA, Gravilov NS. Evolutionary theories of aging and longevity. The Scientific orld journal.2002;2:339-56.
  6. Jamet M, Deviterne D, Gauchard GC, Vançon G, Perrin PP Higher visual dependency increases balance control perturbation during cognitive task fulfilment in elderly people. Neuroscience Letters 2004; 359: 61-4.
  7. Fillenbaum GG, Chandra V, Ganguli M, Pandav R, Gilby JE, Seaberg EC et al. Deveopmnete of na Activities of Dauily living Scale to Screen for Dementia in a Iliterate Rural Population in Indian. Age and Aging 1999; 28: 161-8
  8. Gallahue DL, Ozmun JC. Understanding motor development: Infants, children, adolescents, adults. Boston: McGraw-Hill; 2004. 54. Payne VG, Isaacs LD. desenvolvimento motor humano: Uma abordagem vitalícia. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2007.
  9. Mota J, Ribeiro JL, Carvalho J, Matos MG. Atividade física e qualidade de vida associada à saúde em idosos participantes e não participantes em programas regulares de atividade física. Rev. Bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo.2006;20(3):219-25.
  10. Xavier FMF, Ferraz MPT, Marc N, Escosteguy NU,Moriguchi EH. Elderly people´s definition of quality of life. Rev Bras Psiquiatr. 2003;25:31-9
  11. Manoel EJ. Desenvolvimento motor: Padrões em mudança, complexidade crescente. Rev Paul Educ Fís 2000; 3:35-54.
  12. Manoel EJ, Basso L. Modularidade, hierarquia e adaptação no comportamento motor. In: Tani G [ed]. Comportamento motor: Desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Guanabara Koogan; 2004.
  13. Wijnhoven TM, de Onis M, Onyango AW, Wang T, Bjoerneboe GE, Bhandari N et al. Assessment of gross motor development in the WHO Multicentre Growth Reference Study. Food Nutr Bull 2004; 25(1 Suppl):S37-45.
  14. Hopkins B. Development of action and the clinical continuum. Neur Plast 2003; 10:1-2.
  1. Filho E, Gimenez R, Júnior C. Efeitos de restrições ambientais na habilidade de rebater em crianças, adultos e idosos. Rev Port Ciênc Desp 2003; 3:43-55.
  2. Humpel N, Owen N, Leslie E. Environmental factors associated with adults’ participation in physical activity: a review. Am J Prev Med.2002;22(3):188-99.
  3. Owen N, Humpel N, Leslie E, Bauman A, Sallis JF. Understanding environmental influences on walking; review and research agenda. Am J Prev Med. 2004;27(1):67-76. DOI:10.1016/j.amepre.2004.03.006
  4. Hoehner CM, Brennan Ramirez LK, Elliott MB, Handy SL, Brownson RC. Perceived and objective environmental measures and physical activity among urban adults. Am J Prev Med.2005;28(2 Suppl 2):105-16. DOI:10.1016/j.amepre.2004.10.023
  5. McCormack GR, Giles-Corti B, Bulsara M. Correlates of using neighborhood recreational destinations in physically active respondents. J Phys Act Health. 2007;4(1):39-53.
  6. Foster C, Hillsdon M, Thorogood M. Environmental perceptions and walking in English adults. J Epidemiol Community Health. 2004;58(11):924-8. DOI:10.1136/ jech.2003.014068
  7. Giles-Corti B, Donovan RJ. Socioeconomic status differences in recreational physical activity levels and real and perceived access to a supportive physical environment. Prev Med. 2002;35(6):601-11 DOI:10.1006/pmed.2002.1115
  8. Granner ML, Sharpe PA, Hutto B, Wilcox S, Addy CL. Perceived individual, social, and environmental factors for physical activity and walking. J Phys Act Health. 2007;4(3):278-93.
  9.  Humpel N, Owen N, Iverson D, Leslie E, Bauman A. Perceived environment attributes, residential location, and walking for particular purposes. Am J Prev Med. 2004;26(2):119-25. DOI:10.1016/j.amepre.2003.10.005

 

(*) Regina Helena Marinho – Educadora Física, Mestre em Ciências da Reabilitação. Texto escrito no curso Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, ofertado pelo COGEAE/PUC-SP no primeiro semestre de 2018 e coordenado pela profa. Dra. Beltrina Côrte. E-mail: [email protected]

Foto de destaque: Matthew Bennett

 

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