Da Coreia para o Brasil, do Brasil para a Coreia: Beth Hong sempre conosco

Tantas histórias para contar,… Não sabíamos em qual seção inserir a matéria com essa personagem tão simpática às questões dos idosos. Optamos pela entrevista, porque várias integrantes da equipe da Universidade Aberta à Maturidade da PUC-SP tinham perguntas a fazer para essa nossa “personalidade”. Boa leitura! Bons pensamentos! Boas ideias! É o que desejamos com esse conteúdo.”

Célia Gennari/Equipe Jornal Maturidades PUCSP *

 

da-coreia-para-o-brasil-do-brasil-para-a-coreia-beth-hong-sempre-conoscoIgnez Ribeiro – De onde você é?

Beth Hong – Nasci em Seul, na Coreia do Sul.

Sueli Carrasco – Como saiu do seu país de origem?

Beth – Saí do meu país de origem em 1969, sendo uma das pioneiras a chegar ao Brasil via aérea pois, antes deste período, só era possível chegar via marítima.

Ignez – Veio a convite de quem? Em qual situação? Em qual momento da sua vida?

Beth – Viemos ao Brasil a convite da tia de minha mãe, que na época comercializava perucas kanekalon e havia tido muito êxito neste setor. Cheguei ao Brasil em 13 de abril de 1969, no aeroporto de Viracopos, com quase quatro anos de idade. Viemos de uma forma mais privilegiada, com documentação legal, diferente de muitos imigrantes que tiveram de fazer rotas alternativas para poder entrar no país pois a Coreia, na época, estava, ainda, em período de transformação e o Brasil era um país promissor.

Célia Gennari – Quem são seus familiares?

Beth – Tenho três filhos; Victor é engenheiro, Alex é estudante de engenharia e Natália está no 3º ano do ensino médio. Sou viúva.

Célia – Em que aprendizados passados pelos seus antepassados você se baseia hoje em dia?

Beth – O imigrante em geral, de qualquer etnia, possui uma coisa interessante chamada “Memória Congelada do Imigrante”, na qual carregamos valores e costumes hoje ultrapassados na Coreia contemporânea, mas ostentamos aqueles valores do tempo da imigração, como se fosse um legado que trouxemos da terra natal que deixamos para trás.

Célia – Por que escolheu a medicina?

Beth – Na minha época, a gente podia optar por Medicina, Direito ou Engenharia e ponto! Optei pela Medicina.

Ignez – Formou-se onde e quando?

Beth – Graduei-me em 1989, na UMC – Universidade de Mogi das Cruzes.

Lela Saadi – Qual é sua especialidade na medicina?

Beth – Clínica médica.

da-coreia-para-o-brasil-do-brasil-para-a-coreia-beth-hong-sempre-conoscoLela – Além de dar aulas na UAM – Universidade Aberta à Maturidade, atende em clínica? Tem outras funções no seu dia a dia?

Beth – Além de ter o privilégio de ser docente da UAM, sou diretora de Planejamento da Ong OHD, um programa pioneiro para idosos coreanos. Faço atendimentos na Ong, mas não atuo em consultório, no momento. Muitas pessoas indagam o endereço do meu consultório e, se for da vontade de Deus, quem sabe eu não volte a clinicar… Sou também voluntária do Instituto História Viva onde colhemos histórias de idosos institucionalizados, “encantamos” as histórias para contar para crianças em tratamento de câncer que as transformam em desenhos e estas são levadas aos idosos junto com suas histórias encantadas.

Sueli – Quais foram os caminhos e/ou pessoas e/ou situações da vida que lhe levaram a ingressar como professora da UAM-PUCSP?

Beth – Sou filha da casa, sou filha da PUC e fiz meu mestrado em Gerontologia aqui. Já fui vice-diretora de escola dominical e professora de adolescentes por anos. Minha amiga e irmã nordestina, delegada de polícia, Andrea Carolina Veras era professora da UAM e fazíamos o mestrado juntas. Segundo ela, eu tinha facilidade para dar aulas e convidou-me para fazer uma pequena participação na aula dela. Na oportunidade, elegi o tema “Mitos e Verdades sobre a Terceira Idade”. Após o término da aula, ela entregou meu curriculum para o Prof. Jordão e logo fui escalada. Desde então, passaram-se 5 anos…

Célia – Em quais unidades da UAM você dá aula? Sempre sobre o mesmo tema?

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Beth – Atualmente, pela minha escassa disponibilidade horária, só consigo estar no campus de Perdizes, mas já tive o prazer de estar com os alunos de Barueri e Ipiranga. Já lecionei no BEA (Universidade da Maturidade do Instituto de Educação Beatíssima Virgem Maria), no Morumbi. E, ministro aulas e palestras na Ong. Dou palestras como convidada, tanto para idosos como adolescentes e adultos na meia idade, pois envelhecer faz parte da vida. Minha grande área são os temas relacionados ao Envelhecimento Ativo e Qualidade de Vida, Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças, ou seja, Geriatria e Gerontologia. Trabalho os temas em suas esferas biopsicossociais, falando das alterações da senescência ou senilidade e de como podemos compreender e ser compreendidos nesta fase do curso de nossas vidas e a possibilidade, dependendo do caso, de podermos inclusive mudar o rumo de nossas histórias e de sermos protagonistas das mesmas, fazendo uso da autonomia. Mas, devido a minha ascendência, o tema sobre a Coreia era inevitável… Além das aulas, fizemos uma experiência étnico-gastronômica no bairro do Bom Retiro e, contei ainda com a colaboração do Chef João Son, amante da culinária coreana e divulgador da nossa cultura. Ele esteve na universidade e, gentilmente, proferiu uma palestra sobre a culinária coreana além de preparar um delicioso Jabtche para as alunas degustarem.

Célia – Quais temas tem preferência por abordar em suas aulas? Por que?

Beth – Como especialista na área do Envelhecimento, tudo que se refere a este tema me fascina. A paixão pelo assunto me desafia a levar para a sala de aula, inclusive temas de abordagem nada fáceis como, por exemplo, as demências e a depressão, pois acredito na informação como instrumento para que possamos compreender nossos pais idosos com suas alterações biopsicossociais, bem como compreendermos e planejarmos melhor o nosso próprio envelhecimento. Minhas aulas são bastante interativas, onde valorizo e estimulo o compartilhamento das experiências vividas pelos alunos, pois, como sempre afirmo, os conteúdos das aulas podem ser encontrados na internet, em livros, mas, o estar junto, o compartilhar experiências pode dar forças para aquelas pessoas que são mais tímidas e não conseguem externar suas dúvidas e ansiedades.

Ignez – Por que escolheu a gerontologia na continuidade dos seus estudos?

Beth – Apesar de ter trabalhado na Escola Dominical com crianças e adolescentes, sempre tive uma afinidade com os idosos e tive vários amigos idosos.

Lela – O que faz hoje em termos de estudos?

Beth – Faço mestrado em Estudos Bíblicos e Pastorais no Seminário Servo de Cristo, pois, apesar de não estar me preparando para pastorear efetivamente, sinto que estudar no seminário agrega valores e me faz compreender melhor a pessoa idosa e, em consonância, posso ser um instrumento para propagar as Boas Novas. Segundo pesquisas, a espiritualidade tem influência na longevidade e qualidade de vida.

da-coreia-para-o-brasil-do-brasil-para-a-coreia-beth-hong-sempre-conoscoCélia – Nos conte sobre o curso que você fez/faz anualmente na Coreia? Quais aprendizados o intercâmbio lhe proporciona? Quais são seus objetivos ao participar?

Beth – Estive na Coreia em 2010, onde permaneci por um semestre, para estagiar em diversas instituições para Terceira Idade e conhecer os programas pioneiros e que privilegiavam o Envelhecimento Ativo em diversas cidades da Coreia, inclusive na Ilha de Jeju e Seogwipo. Conheci modelos de Silver Town, Universidades da Maturidade, Programas de Educação Continuada, Assistência Domiciliar, Day Care Center, Welfare Centers, ILPI´s (Instituição de Longa Permanência para Idosos) e centros especializados em cuidados a pacientes com demências. Assisti a diversas danças folclóricas com pessoas idosas que se apresentavam inclusive em países circunvizinhos e com intercâmbio entre eles. Tive ainda o privilégio de conhecer o Prof. Dr. Sang Chul Park, que me deu a oportunidade de participar de palestras dirigidas para especialistas das mais diversas áreas acadêmicas relacionadas ao Envelhecimento, que ocorriam na Universidade de Seul. Participei ainda do curso de aulas preconizadas por ele e sua esposa onde havia uma simbiose entre a dança folclórica e as ginásticas coreografadas. São atividades físicas praticadas nos centros sociais na Coreia e possuem o aval da Universidade de Seul, a qual ele é coligado, visando o Envelhecimento Ativo e a Qualidade de Vida. Cursos de Risoterapia são bem difundidas para a Terceira Idade e, ao participar de um deles, percebi como os coreanos têm a preocupação de se preparar para serem voluntários de instituições e, também, como usavam o curso para sua autocura e fortalecimento pessoal para enfrentamento de doenças graves. Conheci também as políticas públicas para esta faixa etária. As questões relacionadas à imigração eram o foco do meu estudo e uma passagem pelos Estados Unidos foi importante para conhecer programas voltados aos imigrantes idosos coreanos de lá, pois o país abriga aproximadamente 1,7 milhão de coreanos. A Ong onde trabalho é visionária e focada em atualizar e instrumentalizar pessoas para servir aos idosos bem como na operacionalização e incremento dos programas desenvolvidos. Meu objetivo ao ir para outros países tem sempre como meta, aprender cada vez mais, agregando conhecimentos, experiências positivas para reprodução e adaptação, colocando em prática os programas exemplares. Cada detalhe, cada situação, cada formatação de um modelo são de suma importância para os geriatras e gerontólogos.

da-coreia-para-o-brasil-do-brasil-para-a-coreia-beth-hong-sempre-conoscoSueli – Quais as novidades no que diz respeito à Terceira Idade? O que chamou mais a sua atenção na sua última participação? Trouxe algum conteúdo do curso para as aulas da UAM-PUC-SP?

Beth – Em Junho (2013), participei do Congresso Mundial de Geriatria e Gerontologia que acontece a cada quatro anos, foi na cidade de Seul. O Congresso tinha como objetivo mostrar o Panorama do Cenário e Tendências Mundiais na área do Envelhecimento, compartilhamento das descobertas recentes, assim como o resultado de diversos estudos da área. Apresentei no congresso a minha pesquisa sobre os idosos coreanos no Brasil e fui convidada a presidir uma mesa de apresentações. Muitas novidades! Destaque para a Gerontotecnologia, onde os jogos de videogame como o Wii ou Kinect são utilizados não apenas de forma recreacional, mas também como terapia de reabilitação. Já existem programas no Brasil desde o ano passado que trabalham com esta corrente. Os sensores da casa inteligente, com alarmes para gás, altura de pias que se ajustam à condição do dia da pessoa idosa, sensores ou alarmes de queda, de ajuda (também presentes no Brasil), robôs e tablets que interagem com o idoso, bonecos para trocas de afetividade, modos de moradia, Telecounseling dando ênfase às tendências atuais da telemedicina e muito mais… E, ainda, questões como Sarcopenia, Quedas e Síndrome da Fragilidade sempre presentes e lançamentos da indústria farmacêutica para diabetes e vacinas. Participação em congressos e seminários tem de ser uma constante na vida do docente e, com certeza, sempre os conteúdos são incluídos nas aulas ministradas.

Lela – O que é a ONG? Como funciona? Quem pode participar?

Beth – O OHUNDAN, também designada pela sigla OHD, cujas iniciais em coreano, remetem a um significado cristão de “Espaço de Formação de Idosos para Assemelhar-se a Cristo” é uma entidade, uma associação civil, sem fins lucrativos, de natureza filantrópica, empenhada em quebrar mitos e paradigmas da pessoa idosa, resgatando a autoestima através da socialização e a formação de uma rede de suporte social. Foi concebida para congregar em um só lugar os idosos coreanos da comunidade coreana, independente de sua religião, que devido a dificuldade com o idioma, não encontram na cidade opções de locais para sociabilização. Os projetos da ONG são destinados aos usuários de forma gratuita e a ONG é mantida por doações. São oferecidos três refeições e o transporte até a cidade de Santa Isabel, onde acontecem os encontros, uma vez por semana. O público-alvo é composto por idosos coreanos acima de 65 anos.

Lela – Quais projetos são desenvolvidos na ONG?

Beth – Na programação há atividades lúdicas, palestras, ações de saúde, eventos recreativos, atividades optativas, culturais, ginástica, dança folclórica, caligrafia oriental, jogos étnicos, coral, origami e gateball entre outras. Realizamos ações de saúde como vacinações, coletas de sangue para exames diversos, aferimos PA, verificamos peso, altura, IMC, em parcerias com as secretarias de Saúde de Santa Isabel e o Laboratório Deliberato. Auxiliamos em questões de documentação de estrangeiros com prazos de validade indeterminada, carteirinhas do SUS e cadernetas de saúde da Pessoa Idosa. Atividades externas como passeios e visitas a museus e exposições são programadas. Temos ainda uma agenda cultural e de entretenimento para os meses de férias que é opcional, onde a programação varia de musicais a óperas, concertos e até shows, aos quais os idosos não teriam acesso por dependerem dos filhos para ter oportunidade de estar nestes lugares.

Sueli – Hoje há um vínculo entre a ONG e a UAM. Como e por que criou esse vínculo? Quais os objetivos?

Beth – Como mencionado, a ONG é composta por idosos coreanos que acabam tendo uma agregação étnica maior, motivada pela dificuldade com a língua. E, faz parte do meu trabalho, abrir os horizontes para que os usuários conheçam os programas exemplares no país e, que através das apresentações de outras entidades, possam vislumbrar a possibilidade da vitória sobre as doenças, depressões, problemas de diversas naturezas e, também, a consagração da interculturalidade, sinalizando que somos um só perante os olhos de Deus, apesar das diferenças. O vínculo atual com a UAM é a Feira Anual Oriental na EXPO Imigrantes.

Célia – Qual sua proposta ao levar os alunos da UAM-PUCSP para participar desse evento? Qual o nome do evento?

Beth – O evento é o Festival do Japão, que é considerado o maior evento da cultura japonesa da América Latina. Participam do festival diversas entidades, instituições públicas e privadas do Brasil e do Japão, possibilitando a integração e o intercâmbio de informações. Há setores no Festival e existe uma área destinada à Terceira Idade com apresentação de palestras, produtos, atividades e informações. Coordenados pelo Pastor William Maki da Igreja Holliness, nos empenhamos para que o idoso tenha acesso a informações e sobre programas exemplares como a Universidade Aberta a Maturidade da PUC. O envolvimento e a dedicação da Rosa Oguri, da Lela Saadi, da Wanda Amato e do Paulo Takeuti nos diversos dias do evento nos motivam a prosseguir, pois eles também acreditam em nossa bandeira pelo Envelhecimento Ativo e, estando ali, não só divulgam a Universidade como são exemplos de protagonismo. Todos da equipe do Festival os admiram. O Pastor William e a Pastora Kátia os elogiam incessantemente em todas ocasiões que os encontro.

Célia – O que faz no seu tempo livre?

Beth – O difícil é ter tempo livre, pois mulheres, quando não estão envolvidas em suas atividades profissionais e laborais, necessitam fazer seus deveres domésticos e, no meu caso, ainda estou envolvida no setor de formação, ou seja, ainda sou estudante. No meu tempo livre, procuro fazer atualizações, participando de seminários, palestras, e estou em débito com meu grupo, mas participo como voluntária do Instituto História Viva, na qual sou ouvidora e contadora de histórias. Adoro ir ao cinema! E sou viciada em leitura sobretudo que se relaciona ao Envelhecimento!

Célia – Quer deixar alguma mensagem?

Beth – “Eu penso que… ‘A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer! A barba vai descendo e os cabelos vão caindo pra cabeça aparecer. Os filhos vão crescendo e o tempo vai dizendo que agora é pra valer. Os outros vão morrendo e a gente aprendendo a esquecer. Não quero morrer, pois quero ver. Como será que deve ser envelhecer? Eu quero é viver pra ver qual é e dizer venha pra o que vai acontecer’. Música de Arnaldo Antunes. Envelhecer é um privilégio! Sonhar, sempre! Autonomia e independência pelo maior tempo possível, postergando doenças com escolhas, sendo protagonista do processo para um Envelhecimento Ativo com Qualidade de Vida! Seja Feliz!”

* Entrevista produzida por Célia Gennari, Ignez Ribeiro, Lela Saadi e Sueli Carrasco para o Jornal Maturidades – Faculdade Aberta à Maturidade da PUC-SP, N. 56, dez 2013 e autorizada.

Fotos: Sueli Carrasco e Arquivo pessoal. Acesse Aqui

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