Recentemente a mídia nacional noticiou que uma idosa de 107 anos aguarda dinheiro de aposentadoria desde 1991 em Goiás. Trata-se de D. Geralda Benedita de Morais, nascida em 1907, hoje com 107 anos.
Maria Amélia Ximenes *
Ela é exemplo vivo da trajetória de lutas e conquistas do trabalhador rural, ao longo do século XX e primórdios do século XXI, como também está entre os 23.760 brasileiros com mais de cem anos no país (IBGE, 2010), além de tornar evidente que a longevidade pode ser acompanhada de lucidez. No entanto, apresenta dificuldade de locomoção, problema comum entre pessoas muito idosas, principalmente se considerarmos a atividade que exercia quando estava na ativa.
Ex-trabalhadora rural, aposentou aos 65 anos, por idade, provavelmente em 1972. Na época, fez uso da Lei Complementar n. 11, de 1971, onde foi implementado a partir de 1972, o Programa de Assistência ao trabalhador Rural/ Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (PRORURAL/FUNRURAL). Estes assistiam os trabalhadores rurais, pescadores (a partir de 1972) e garimpeiros (a partir de 1975), oferecendo benefícios precários de aposentadoria por idade aos 65 anos, limitados ao arrimo de família e tendo meio salário mínimo como teto (equivalente a Cr$134,40 – cruzeiro, moeda circulante de maio/1970 a fevereiro/86).
Como se pode perceber, ela foi “contemplada” pela lei. Até então, os trabalhadores rurais somente tinham como referência (assistência a invalidez), a Lei Eloi Chaves (1923) que regulamentou a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP) dos trabalhadores urbanos, para que se inaugurasse no Brasil um sistema de assistência social aos idosos e inválidos da zona rural.
Soares (2014) explica que, com a Constituição de 1988 implantou-se o regime de universalização de atendimento aos idosos e inválidos do meio rural. Introduziu-se daí o princípio do acesso universal de idosos e inválidos à Previdência Social, em determinado regime especial, cuja principal característica é incluir o chamado setor rural informal (produtor, parceiro, meeiro e o arrendatário rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, bem como respectivos cônjuges que exerçam suas atividades em regime de economia familiar sem empregados permanentes). Esse público era precariamente pelo regime assistencial anterior, o FUNRURAL.
O autor esclarece que a proteção ao homem do campo após a Constituição de 1988 não fica limitada a figura do segurado especial constitucional. O legislador ordinário, ao regulamentar o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e fixar os requisitos para os benefícios previdenciários, criou outra exceção direcionada aos homens do campo. Estabeleceu no art.143 da Lei n0 8.213/91 uma aposentadoria por idade aos trabalhadores rurais, no valor de um salário mínimo, sem que houvesse a contraprestação típica do sistema previdenciário.
Dessa forma foi que D. Geralda, em 1991, entrou com uma ação para receber a diferença relativa aos 3 anos (1988-1991), pois no Brasil isso não é feito automaticamente e, passar a receber o salário integralmente a partir daí. Segundo a mídia, seu advogado declarou que o governo pagou a diferença, no entanto ela ainda espera um resíduo de correção monetária e 130 salários que ainda faltam ser pagos.
Segundo Mendes (2013) a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais é tema cotidiano e recorrente na prática dos tribunais, gerando calorosos embates acerca de sua aplicação e de seus requisitos. Essa forma de aposentar não tem tratamento específico e detalhado na doutrina previdenciária pátria, carecendo de análise aprofundada e sistemática acerca de sua aplicação, pois o tema, apesar da aparente simplicidade, ganha contornos de grande complexidade se bem analisado. Basta nos atentarmos o próprio conceito de trabalhador rural e a sua caracterização nas classes de segurados da previdência social, já nos deparamos com alguns problemas, pois a regulamentação do rural em âmbito trabalhista dá azo à existência de “zonas nebulosas”, ou seja, há determinados trabalhadores rurais que poderiam ser categorizados em mais de uma classe de segurados, a depender da ótica pela qual são analisados. Diante disso torna-se imprescindível entender o histórico da regulamentação do trabalhador rural na legislação brasileira e o tratamento jurídico-trabalhista a ele conferido.
Conforme o site da Previdência Social, em nossos dias, para receber a aposentadoria rural, tanto o homem quanto a mulher devem comprovar pelo menos 15 anos de atividade rural, período que é conhecido como prazo de carência. E atenção: essa carência diz respeito ao tempo de trabalho, de atividade no campo, e, portanto, ela não está relacionada ao tempo de contribuição para a Previdência Social. Essa é uma característica importante, que diferencia o trabalhador rural dos demais segurados que querem se aposentar. Os trabalhadores em geral precisam comprovar o tempo de contribuição. O valor da aposentadoria rural é de um salário mínimo. Finalmente, é importante lembrar que, desde 2011, o empregador rural (empresário, latifundiário) deve recolher a contribuição de todos os seus empregados rurais.
De acordo com Soares (2014), a aposentadoria rural representa um autêntico programa de renda mínima para idosos residentes na área rural, gerando um grande impacto econômico, principalmente nos municípios mais pobres das regiões menos desenvolvidas.
Com relação a D. Geralda, ela ganhou a causa, no entanto, depende de uma “comunicação do Tribunal regional Federal para o Juiz de Trindade” (Região Metropolitana de Goiânia, onde reside) para que o dinheiro que lhe é devido, saia até o final de maio. Coisas da burocracia brasileira que fica difícil entender entrando em questão interesses outros e fatores desconhecidos de nossa ossada.
A verdade é que ela sabe o que vai fazer com o dinheiro, cerca de R$ 10 mil. Ela voltará para sua antiga casa, onde morou por 40 anos e teve que abandoná-la porque as paredes ameaçavam desabar. “Tenho um amor naquela casa. Pra mim não existe outra casa. Quero morrer lá”, é o desejo de D. Geralda…
No Peru, mulher de 116 anos recebe apoio social pela primeira vez
A mulher mais velha do Peru, Filomena Taipe Mendonza, cobrou aos 116 anos, pela primeira vez, o apoio social concedido pelo estado a cada dois meses aos idosos em situação de pobreza extrema via o programa Pensão 65. Ela mora sozinha na área rural de Pocuto, distrito de Acoria, região de Huancavelica, no sul do país. Filomena, lúcida, lidera a lista de 424 peruanos com mais de cem anos, beneficiários do Pensão 65.
Segundo informações da mídia internacional (Agência Efe), os responsáveis pelo programa Pensão 65 assinalam que o ano de nascimento de Filomena, 20 de dezembro de 1897, foi o impedimento dela não ter recebido a primeira pensão, já que o sistema do programa estatal apenas contemplava registos a partir de 1900.
Filomena é três meses mais velha do que a japonesa Misao Okawa, considerada pelo Guiness como a mulher mais velha do mundo.
Saiba mais sobre a Aposentadoria Rural
Referências
AGÊNCIA EFE, Peru Mulher recebe apoio social pela primeira vez… aos 116 anos. Disponível Aqui. Acesso em 3/05/2014.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE. Disponível Aqui. Acesso em 01 mai. 2014.
MENDES, D. B. Da Aposentadoria por Idade Rural na Sistemática da Lei nº 11.718/2008. Disponível Aqui. Acesso em 01 mai. 2014.
SOARES, G. L. B. A Aposentadoria Rural. Disponível Aqui. Acesso em 30/04/2014.
* Maria Amélia Ximenes – Graduada em Terapia Ocupacional (UNIFOR/CE), Especialização em Psicologia da Saúde (UNESP/Bauru) e em Saúde do Trabalho e Ecologia Humana (FIOCRUZ), Mestrado em Gerontologia e Doutorado em Ciências Sociais (Antropologia) pela PUC/SP. É Professora Adjunta do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade do Sagrado Coração (USC/Bauru). Membro da rede de colaboradores do Portal. Email: [email protected].