Brincar de contar o tempo, projetar um futuro cronológico e se imaginar com mais de 40 anos no ano 2000. Esta era uma das brincadeiras para quem estava com pouco mais de 15 anos, no final da década de 1960 e começo dos anos 70. Eu e outros três irmãos, também na mesma casa decimal de idade, brincávamos de ficar “velho”. Encolhíamos a pele da face com as mãos para “criar” rugas e se vir velho. Afinal, estar com mais de 40 anos, por aquelas épocas, era ser velho! Muito velho. Assim como nosso pai já era visto por muitos naquele tempo. Percebido um pouco menos, ou mais velho, ele acabara de completar em 1970, quarenta e cinco anos, apenas.
Alcides Freire Melo *
Já se passaram 13 anos daquele “futuro” da infância, e hoje, aos 57, ainda não fiquei velho. Recebi o primeiro visto de entrada para ingressar na terceira idade, 60 anos. Seriam aos 75, se fosse nórdico. Já meu pai, que conta a idade desde 1925, ficou idoso. Cansado, lento e com algumas sequelas. Como a escoliose, iniciada quando ainda tinha dez anos de idade. Tudo culpa do corte, a moagem da cana e a tangida dos bois para puxar o velho engenho da fábrica de cachaça do pai Artur, meu avô. Talvez esteja aí, a origem de algumas outras sequelas e a resposta como foi feita e tangida a vida deste homem de oitenta e sete anos, meu pai Edmilton.
Duas pneumonias, em intervalos curtos de tempo, entre a primeira e a segunda, menos de um ano, levaram o Seu Edmilton ao hospital. A segunda infecção, ao encontrar um corpo já fragilizado, não encontrou dificuldades para deixá-lo mais de 40 dias na unidade de tratamento intensivo (UTI) e, quatro meses hospitalizado. Traqueostomizado – um orifício feito na traqueia, para auxiliar na respiração -, com alimentação especial e muitos medicamentos, transformaram os oitenta e sete anos em mais, muito mais. O trabalho primoroso dos médicos, enfermeiras e enfermeiros do Hospital Militar de Fortaleza devolveram o “comandante, o loirinho, o gato…” como era carinhosamente tratado no hospital, para a família.
A alegria chegou de mãos dadas, bem apertadas, às dúvidas e mais ainda, ao desconhecimento. Tudo é tangido por um só fundamento: como cuidar de um idoso que perdeu quase toda a massa muscular e, por isso, não consegue mais se locomover?! Como dar banho, levar ao sanitário e cuidar de profundas escaras nas nádegas e braços (feridas provocadas na maioria dos pacientes que ficam muitos dias deitados)? Apareceram todas as perguntas possíveis. Nem todas, eu acho.
Ministrar medicamentos, aceitar e aprender a conviver com alguns danos emocionais provocados também pela viuvez que aconteceu ao meu pai há pouco mais de um ano, em 2011, e agora, potencializado pela doença, passa a ter prioridade máxima. Atenção especial com a alimentação feita por meio de uma sonda plástica, introduzida no nariz para fazer chegar o alimento ao estômago, é de máxima atenção. Mais uma vigilância de 24 horas para não chegar à 36ª retirada da sonda pelo “impaciente”, outra máxima. Parece que tudo passou a ocupar e exigir o patamar dos máximos e dos mínimos, quando descasos, impaciências, intolerâncias…
Com o passar de poucos dias, descobrimos que alguns odores “desagradáveis” já não causam os mesmos danos às nossas sensíveis narinas. E as palavras de carinho, os beijos e abraços da nora Jaqueline, minha cunhada, são talvez mais importantes neste processo de cura que os medicamentos. As conquistas com a saúde, mesmo as bem pequenas, são comemoradas e celebradas. Os abraços que trocamos, para auxiliar na locomoção ou troca de roupas, embora de maneira e tempo invertidos nos levam a uma história de cinquenta anos atrás.
Cuidar de um familiar idoso, enfermo, poderá criar conflitos e discussões dentro da família, discutir finanças. Também criar a possibilidade de reconstruir um presente, apagar umas mágoas e sarar arranhões feitos ao longo de nossas vidas. É a possibilidade de trazer para hoje, para refletir, sobre um futuro de trinta anos, que rapidamente se aproxima para todos nós.
* Alcides Freire Melo – Repórter fotográfico e cronista em diferentes periódicos. Colaborador do Portal. E-mail: [email protected]