Em tempos do coronavírus temos visto manchetes que desprezam os idosos, envergonhando a humanidade que nos habita. Numa delas, o vice-governador do Texas dizia que avós deveriam se sacrificar para salvar a economia para os netos. No Brasil, o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, constituindo-se em requisito essencial à existência de todos os demais.
Moyses Simão Sznifer (*)
Um documento obtido pelo jornal inglês “The Telegraph” aponta que a Itália pretende negar atendimento a pacientes com mais de 80 anos, ou que apresentem más condições de saúde em unidades de terapia intensiva (UTIs). O país é um dos mais afetados pela pandemia do novo coronavírus no mundo. Segundo o “The Telegraph”, o documento foi preparado pelo Departamento de Defesa Civil do Piemonte e diz que o avanço da “epidemia atual torna provável que seja alcançado um ponto de desequilíbrio entre as necessidades clínicas dos pacientes com Covid-19 e a disponibilidade efetiva de recursos intensivos”.
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Conforme veiculado pelo Portal do Envelhecimento e portal “https://istoe.com.br” o citado documento prevê ainda que o atendimento levará em conta a capacidade do paciente de se recuperar. “[Quem vive e quem morre] é decidido pela idade e pelas condições de saúde do [paciente]. É assim que ocorre em uma guerra”, disse um médico ao jornal inglês.
Essa absurda, cruel, inaceitável e desumana forma de tratamento da pessoa idosa, que somente pode ser havida como uma verdadeira “fake news”, não encontraria respaldo legal no ordenamento jurídico brasileiro.
Ao dispor acerca da inviolabilidade do direito à vida a Constituição Federal prescreve que esse direito é garantido aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, inserindo-se no rol dos direitos individuais.
Nas disposições constantes do art. 5º da Constituição o legislador constituinte deixou expresso que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes….”
O legislador também vedou expressamente a possibilidade de apresentação de proposta de Emenda Constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais, como o direito à vida (art. 60, parágrafo 4º, inciso IV).
Consoante ensina a melhor doutrina, no Brasil o direito à vida foi erigido como o mais fundamental de todos os direitos, constituindo-se em requisito essencial à existência de todos os demais. Trata-se de verdadeiro “sobredireito”, ou seja de norma jurídica que se sobrepõe às outras, positivada pelo ordenamento jurídico constitucional como um direito fundamental.
Como é curial, essa proteção constitucional conferida à vida humana não pode estar condicionada ou mesmo limitada por qualquer interesse, nem mesmo por eventual desequilíbrio entre as necessidades clínicas dos pacientes com Covid-19 e a disponibilidade efetiva de recursos intensivos, porquanto antecede e se sobrepõe ao próprio direito ao livre exercício da atividade médica.
Dessa forma, tendo inserido o aludido direito à vida como o mais fundamental de todos os direitos, afigura-se inequívoco e de fácil compreensão que todo e qualquer outro direito de origem legal ou mesmo constitucional está obrigado a observá-lo e respeitá-lo.
Nesse contexto afigura-se importante destacar que o artigo 144 da Constituição incumbiu ao Estado brasileiro o dever de assegurar a incolumidade pública e de proteger o direito à existência da vida humana.
Quando a Constituição vigente refere-se aos citados deveres do Estado está direcionando um comando a todos os seus Órgãos, Instituições e Agentes Públicos encarregados da segurança pública. Devem, pois, coibir qualquer conduta e impedir o exercício de toda e qualquer atividade que possa de alguma forma por em risco esse maior e mais relevante dos direitos humanos: a vida.
(*) Moyses Simão Sznifer – Advogado/Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP; Especialista em Contratos e Obrigações pela ESA/SP; Ex Membro do Ministério Público da União; Professor Universitário. https://moysessimaosznifer.jusbrasil.com.br/
Foto destaque: Andrea Piacquadio
Este catálogo, resultado de projetos da PUC-SP sobre o cinema, apresenta uma série de filmes em 9 temas principais: amizade e afeto; aposentadoria e trabalho; comunicação intergeracional e/ou transmissão de legado; dependência e/ou institucionalização; dinâmica familiar; envelhecimento e adoecimento; luto e morte; preconceitos, estereótipos e/ou ressignificação de vida; sexualidade e amor. O cinema é o ponto de partida para o “falar sobre”, custoso para quem sofre e necessário à qualquer transformação social e individual. Baixe ele gratuitamente: https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/envelhecimento-cinema/