Comunicar risco deve ser “com” e não “para” a pessoa idosa, reconhecendo o seu protagonismo no cuidado e no engajamento.
Por Nilthon Fernandes (*)
À medida que os extremos climáticos se intensificam, desastres decorrentes de enchentes, inundações, deslizamentos, estiagens prolongadas e ondas de calor passam a ser mais frequentes[1]. Essas ocorrências acentuam a urgência de pensar estratégias estruturais, como obras para conter enchentes e escorregamentos de massa, por exemplo, e as não estruturais, como ações que priorizem a percepção e o nível de informação da sociedade acerca desses riscos.
É neste contexto que a comunicação de riscos se apresenta como um meio para promover o engajamento social com o tema e garantir o cuidado e a preservação da vida, sobretudo das pessoas idosas. No entanto, esse conceito tem sido pouco explorado nos estudos e discussões sobre envelhecimento, em especial, frente aos desafios da emergência climática.
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Antes de falar sobre a importância da comunicação de riscos para esse grupo populacional, faz-se necessário resgatar a origem do termo, que surgiu na década de 1980, nos Estados Unidos, com o propósito de informar com clareza e transparência sobre perigos e incertezas à população. Assim, a comunicação de riscos passou a ser definida como um processo de troca de informações entre especialistas, autoridades e o público sobre riscos que ameaçam a saúde, a segurança e o bem-estar das pessoas.
Com os avanços dos estudos nessa área, novas formas de compreender a comunicação de riscos foram ganhando espaço. Embora possamos encontrar uma infinidade de definições para comunicação de riscos, há um cuidado científico para que ela não seja reduzida à disseminação de informação. Comunicar riscos não é apenas emitir alertas, produzir produtos comunicacionais técnicos sobre as inúmeras tipologias de desastres, mas construir confiança, articular instituições e é também reconhecer as singularidades de quem mais precisa ser protegido, tanto as pessoas em situação de riscos quanto aos que são suscetíveis a maior vulnerabilidade, como a população idosa, por exemplo.
Essa compreensão mais ampla está no cerne da proposta desenvolvida pela pesquisadora Cilene Victor (2015), umas das principais referências na área e autora de um modelo de comunicação de riscos que tem ajudado na definição dos interlocutores, dos meios, das mensagens e linguagens de cada situação que exige a presença e o papel social da comunicação de riscos. Assim, a pesquisadora organizou quatro modelos de comunicação de riscos:
Intrainstitucional: neste modelo, ocorre a articulação no interior das instituições públicas que atuam diretamente na gestão de riscos de desastres (GRD). Trata-se do ponto de partida, uma vez que é iniciado pela ou pelas instituições responsáveis pela GRD no país, como no exemplo das defesas civis.
Interinstitucional: este modelo compreende a cooperação entre diferentes órgãos, instituições, setores e segmentos, como saúde, assistência social, educação, meio ambiente, sociedade civil, entidades privadas e defesa civil, visando uma atuação mais abrangente e complementar da GRD.
Midiática: neste modelo, os meios de comunicação tradicionais, como Rádio, TV e jornais, e as mídias sociais desempenham papel central na ampliação do debate sobre os riscos de desastres. O poder de onipresença da mídia e a responsabilidade na apuração, no uso de linguagens acessíveis e distantes do alarmismo e sensacionalismo tornam a mídia um importante ator social da GRD.
Comunitária: este éconsiderado um dos modelos mais importantes, pois permite que os riscos sejam discutidos pelas pessoas mais expostas a eles, promovendo a amplificação da voz das comunidades. Neste modelo, as pessoas, comunidades e grupos sociais ganham protagonismo nas ações de GRD, conferindo respeito às particularidades para, assim, alcançar eficácia no enfrentamento do problema.
Quando voltamos o olhar para a população idosa, percebemos que comunicar risco vai muito além de simplificar a linguagem. Envolve acessar memórias, afetos, experiências anteriores com desastres e considerar possíveis limitações cognitivas, sensoriais, culturais e sociais. Em minha tese de doutorado, ainda que não voltada ao público idoso, pude compreender que não basta transmitir informação sobre riscos, é preciso produzir sentidos compartilhados sobre a temática, ou seja, “os sentidos entre o mundo natural e a instância das significações estão afastados porque neles são operadas significações no processo abstrato (metalinguagem) que extrai do mundo natural um mundo matemático e quase intangível de proteção utilizados para distinguir as ações danosas” (Oliveira Jr., 2022, p. 48).

Em outras palavras, ao pensar na configuração do sistema de Defesa Civil, que equivale a raciocinar no processo, “somos levados a formas de pensamentos que devem, nessa condição dos desastres, ser interpretadas e analisadas não pela perspectiva estatística, mas pela simples constatação de desenvolvimento humanitário que reside na própria área de risco como o fator de redução da vulnerabilidade de sua população vivente” (Oliveira Jr., 2022, p. 48).
Colocado dessa forma, alinguagem dos riscos não pode ser abstrata nem burocrática. Ela deve tocar o cotidiano das pessoas, dialogar com seus modos de vida e suas formas de existência. A comunicação de riscos, portanto, deve ser sensível àquilo que faz sentido na vida concreta das comunidades. Isso vale especialmente para as pessoas idosas, que muitas vezes são depositárias da memória coletiva, mas também são alvos de invisibilização nas políticas públicas.
Por isso, comunicar risco deve ser “com” e não “para” a pessoa idosa, reconhecendo o seu protagonismo no cuidado e no engajamento. É uma forma de garantir uma via de mão dupla de uma comunicação horizontalizada, para que a pessoa idosa compreenda as informações, que tenha a quem recorrer, que esteja inserida numa rede de apoio. É articular instituições, ouvir comunidades, formar multiplicadores e usar a mídia de forma ética e solidária.
Em tempos de emergência climática, comunicar os riscos com a pessoa idosa não é escolha, mas compromisso com a construção de ações de gestão de riscos eficazes e inclusivas.
Nota
[1] Órgãos oficiais do Brasil usam a denominação desastres naturais, se opondo a parte da comunidade científica que reúne esforços para desnaturalizar os desastres, entendendo que são resultados da soma de vários fatores. Deste modo, a tendência mundial é utilizar o termo desastre, como se apresenta no Quadro de Ação de Sendai (UNISDR, 2015, p. 8).
Referências
OLIVEIRA JR. Sociossemiótica dos modos de vida da população em condições de riscos de desastres no Boulevard da Paz, M’Boi Mirim, São Paulo. Tese em Comunicação e Semiótica. Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022. Disponível em: https://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/24619. Acesso em: 22 abr. 2025.
VICTOR, C. Comunicação de riscos de desastres no contexto das mudanças climáticas: muito além do jornalismo (2015). In: Anais do XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ-4 a. 2015.
UNISDR – Estratégia Internacional para Redução de Desastres das Nações Unidas. Marco de Sendai para a Redução do Risco de Desastres 2015-2030. 2015. Disponível em: https://bit.ly/3DBuVKP. Acesso em: 22 abr. 2025.
(*) Nilthon Fernandes de Oliveira Júnior é doutor e mestre pelo Programa de Pós-graduados em Comunicação e Semiótica da PUC-SP, com especialização em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas e em Divulgação Científica, ambas pela ECA-USP. Designer gráfico com experiência em meio ambiente e mudanças climáticas, com destaque ao produto gráfico do primeiro Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, projeto coordenado pela Sedec, do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, com apoio do PNUD. Pesquisador selecionado no 4º Edital Acadêmico de Pesquisa: Envelhecer com Futuro, promovido pelo Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento e Longeviver, com a pesquisa “Envelhecimento na emergência climática – mídias, formatos e linguagens para comunicar riscos de desastres à população idosa”. E-mail: nilthonfernandes@gmail.com.
Foto de Pok Rie/pexels.
