Dentro da família, não somos preparados nem tampouco educados para lidar e compreender a ausência, a morte em vida, e principalmente ser esquecidos. A compreensão que temos da instituição “Família” é de uma organização de pessoas com laços não só sanguíneos, mas também por afinidades, que se sentem ligadas afetivamente ao outro.
Simone de Cássia Freitas Manzaro(*)
Tomamos emprestado a frase de William Shakespeare “Lembrar é fácil para quem tem memória.
Esquecer é difícil para quem tem coração” para iniciar este texto que trata do medo de ser esquecido por um ente querido com Doença de Alzheimer, como ilustra o diálogo a seguir:
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Filha: “Bom dia mãe!”
Mãe: “Quem é você?, Eu sou sua mãe?”
Filha: “Sim (pausa), a senhora é minha mãe”.
Mãe: “Eu nem sabia que tinha filha”.
Filha: “Mãe, a senhora lembra quem eu sou? Lembra meu nome?”
Mãe: “Mas, quem você é mesmo?, Eu te conheço? Eu acho que te conheço”.
Diálogo muito comum na maioria das famílias que tem um idoso com Doença de Alzheimer. Esse diálogo também causa certo medo nos familiares responsáveis pelo cuidado direto com esse idoso.
Ultimamente e com muita frequência, nos deparamos com a seguinte pergunta por parte dos familiares: “E quando eu for esquecido (a), como será”?; ou ainda, “Eu não estou preparado para ser esquecido (a)”.
A Doença de Alzheimer, a demência mais incidente na população dentre outras tantas, assola a vida e o psicológico dos cuidadores, mas principalmente dos familiares que estão no dia a dia convivendo com aquele ente querido e observando todas as bruscas mudanças que a doença traz. Aos poucos, aquela pessoa tão querida vai se perdendo no tempo, já não é mais quem fora.
Independente da história de vida que se tenha com aquele ente querido, o medo e receio de lidar com algo desconhecido, de ser esquecido, talvez seja o medo maior, maior do que esquecer-se de algo ou alguém!
O que fazer quando ele (a) não lembrar meu nome? Quando não lembrar quem sou?
Como devo agir?
O familiar responsável pelo cuidado desse idoso experimenta diversos sentimentos ante as perdas diárias que envolvem esse adoecer. Muitos deles relatam sobre uma “morte em vida”, sobre um perder-se no tempo, um não reconhecer-se e, principalmente, angustiam-se por ter que lidar diariamente com a finitude do ser humano.
Dentro da família, não somos preparados nem tampouco educados para lidar e compreender a ausência, a morte em vida, e principalmente ser esquecidos. A compreensão que temos da instituição “Família” é de uma organização de pessoas com laços não só sanguíneos, mas também por afinidades, que se sentem ligadas afetivamente ao outro. É uma construção social de acordo com a época e lugar em que vivemos, e nossa sociedade institui outras demandas a serem ensinadas que são prioridade, como estudar, aprender o ofício de um trabalho, dentre outros.
Logo, se este tipo de ensinamento não é prioridade, experimenta-se um sentimento muito comum, o do medo de perder os pais, e este medo aumenta diariamente, chegando a pensar o que farão na ausência destes. Observamos uma grande dificuldade de alguns filhos caminharem sozinhos, principalmente com relação ao quesito emocional, fazendo-os se preocuparem muito mais com a saúde dos pais e seus cuidados.
Neste momento, de inversão de papéis, observamos que não são poucos os filhos que abrem mão da própria vida, para estarem ao lado dos pais, cuidando-os para um melhor bem estar. Também percebemos que esses familiares podem ter uma enorme dificuldade em lidar com as perdas e frustrações, que acabam sendo inevitáveis. Essas situações trazem sentimentos contraditórios que precisam ser entendidos e também aceitos.
Se o familiar e/ou cuidador não se cuidar, ele não estará apto a cuidar do outro.
Mas como?
É necessário que esse familiar procure ajuda psicológica para enfrentar esses medos, para ter noção de que é ele que tem o comando das situações e não o contrário, é preciso que ele se dê oportunidade de enfrentar todas essas questões emocionais que o afligem. Quando nos conhecemos melhor, nos tornamos mais fortes para enfrentar outras situações vindouras.
E quando o idoso esquecer quem você é lembre-o quantas vezes for necessário, ajude-o a recordar das pessoas, dos detalhes, das canções, dos cafés da tarde, das reuniões em família. Às vezes, quando perdemos, estamos é ganhando todos esses momentos!
(*)Simone de Cássia Freitas Manzaro – Psicóloga formada pela Universidade Nove de Julho, realiza atendimento psicológico de adultos e idosos. É voluntária na Associação Brasileira de Alzheimer-ABRAz. Possui experiência em estimulação cognitiva para pacientes com demências, principalmente Demência de Alzheimer; atua também com estimulação cognitiva preventiva; Realiza consultoria gerontológica, orientando familiares e cuidadores, criando estratégias e atividades para lidar com o paciente no dia a dia, supervisionando treinamento prático. É membro colaborador do site Portal do Envelhecimento. Email: [email protected]. Imagens do filme Para Sempre Alice.