Como a doença de Alzheimer não é diagnosticada através de exames laboratoriais práticos e exatos, pode se iniciar em alguns casos, um processo de enganos dos próprios profissionais que irão precisar de evidências de que a pessoa está fora da sua normalidade.
Rose Souza Lima (*)
O início da Doença de Alzheimer se dá através da morte de neurônios numa região do cérebro denominada hipocampo, onde se localizam funções primordiais, como a memória recente ou, melhor dizendo, a capacidade de registrar as informações novas. Essa é a função principal para a autonomia do indivíduo, pois usamos esta função no momento que praticamos uma ação ou no momento que elaboramos um pensamento para tomar a decisão do que vamos fazer no minuto seguinte ou no decorrer do dia.
CONFIRA TAMBÉM:
Idadismo: quando a idade não é bem vista
- 22/10/2019
Os idosos e a outorga de procurações
- 11/09/2019
Exemplo: para registrar a informação que eu já tomei uma medicação ou registrar que eu vou precisar sair em um determinado horário para pagar as contas que estão vencendo hoje, eu preciso que os neurônios desta região façam um registro desta informação que acabou de acontecer no meu cérebro.
Não nos damos conta de como funcionam as nossas rotinas, porque fazemos quase que no automático, mas a rotina se dá dentro do seguinte formato da vida de cada um: quando acordo, levanto, construo um pensamento do que vou fazer, o meu cérebro registra a informação para que eu possa transformá-la em ação, eu tenho que conseguir guardar a informação que já tomei um determinado remédio neste horário neste dia de hoje, ou que tenho contas para pagar porque o meu cérebro registrou corretamente as datas de vencimento delas. Portanto, para executarmos as nossas rotinas, seja ela considerada uma rotina simples como de uma dona de casa, ou de um grande empresário, necessitamos que essa região do cérebro esteja saudável, com capacidade de acumular as lembranças, de tomar a decisão de executá-las e de ter a memória recente de já tê-la executado.
No início da doença de Alzheimer, a pessoa irá apresentar dificuldades para conduzir os afazeres mesmo os conhecidos e repetidos por anos. Devido a morte de neurônios nessa região do cérebro, certas vezes não vai fazer porque acredita que já fez, e em outras vai fazer várias vezes a mesma coisa porque não registra a informação que já fez. Bem no início da demência, a pessoa ainda vai conseguir manter sua autonomia, utilizando recurso de outras funções mentais secundárias, com um grande esforço, mas que terá como consequências, prejuízos gradativos em sua qualidade de vida, comprometendo sua saúde devido as falhas na administração das medições (descompensando suas taxas essenciais, de controle de pressão, diabetes, etc.), da alimentação (desnutrição, ou obesidade), assim como na higiene pessoal e do seu ambiente ao redor com suas relações sociais. Porém, se bem observado, comparado como era antes, quem o observar com olhar crítico atento, poderá perceber a ineficiência na gestão destas rotinas.
Esse período decorrido entre o início da doença e a evidência das perdas já ocorridas, pode levar cerca de cinco anos, pois as pessoas que convivem terão a tendência de estigmatizar as dificuldades e mudanças de comportamento, como “chatice da idade” ou “está ficando velho e teimoso”, ou até mesmo “é a idade”.
A evolução da doença vai denunciar as consequências de esforço para se manter independente e eficiente, impulsionados por outras funções ainda preservadas que começam a ser devastadas também. A importância do olhar para este setor da vida da pessoa precisa ser feita pelos familiares e relatadas para os profissionais, porque muitas vezes é sentido e percebido pelas pessoas mais próximas que as coisas não são mais as mesmas.
Como a doença de Alzheimer não é diagnosticada através de exames laboratoriais práticos e objetivos exatos, pode se iniciar em alguns casos, um processo de enganos dos próprios profissionais que irão precisar de evidências de que a pessoa está fora da sua normalidade o que exige perdas cognitivas muito maiores para que fique evidente, o que leva a dificuldades do diagnóstico precoce.
De fato, não há cura ou prevenção para esta doença, mas o diagnóstico seguro do profissional o quanto antes é o que coloca os familiares em um norte para assumir a situação e formatar uma nova rotina dentro desta dura realidade, que engloba o gerenciamento das atividades primordiais com o controle das medicações, hábitos de higiene, de sono, de atividades cognitivas, de socialização. Mesmo sendo uma estrada de muitas dificuldades durante esse longo processo evolutivo de morte de neurônios, que levarão a muitas outras perdas de funções essenciais que nos estrutura como indivíduos.
Atente-se que não estou dizendo que esse diagnóstico precoce (ou mesmo tardio) será o fim dos problemas, mas sim que apesar da estrada ser árdua para todos, é possível com o discernimento e recursos científicos retardar a progressão da perda de neurônios, propiciar uma qualidade de vida da pessoa e das demais que a cercam, que terão que compreender e aprender a lidar com a nova realidade, respeitando as limitações crescentes, e adaptando as condições da realidade de cada etapa que a doença irá evoluir.
(*) Rose Souza Lima é Psicóloga e Gerontóloga – Especialista em doenças de Alzheimer e demências Similares – Coordenadora do grupo de apoio para familiares e profissionais de pacientes com doença de Alzheimer e similares na Igreja D. Bosco, São Paulo. E-mail: [email protected]. whatsapp: 11 999443959