Além da ameaça da própria doença, os idosos também são afetados pelas consequências do isolamento e expostos ao idadismo, o preconceito com a idade.
Fabio Gomes de Matos e Souza e João Carlos Barbosa Machado (*)
A pandemia, caracterizada pela rápida disseminação do vírus pelo mundo, traz um grau considerável de medo e de preocupação entre alguns grupos específicos, como os idosos e as pessoas com outras doenças preexistentes. A maioria das mortes é entre idosos com duas ou mais enfermidades, tais como doenças cardiovasculares, diabetes mellitus, doença pulmonar obstrutiva crônica, neoplasias ou insuficiência renal crônica. Duas ou mais condições crônicas de saúde são relatadas em 30,4% dos adultos entre 45 e 64 anos, 64,9% entre 65 e 84 anos, e 80% acima de 85 anos.
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A predileção do vírus pelo trato respiratório inferior é especialmente problemática para idosos frágeis, os quais mantêm contato direto com cuidadores e/ou profissionais de saúde infectados, mas assintomáticos ou pré-sintomáticos. Essa é uma configuração de risco para um período de propagação clinicamente silencioso, especialmente em instalações de cuidados de longo prazo, antes da apresentação clínica da Covid-19.
As consequências do isolamento – O isolamento social e a solidão têm sido associados a um aumento nas prevalências de doenças vasculares e neurológicas, e à mortalidade prematura. Além disso, sabe-se que a exclusão social está significativamente associada a maiores riscos de comprometimento cognitivo, o que, por sua vez, aumenta o risco de desenvolvimento da demência na doença de Alzheimer e acelera a sua progressão.
Idadismo e Covid-19 – Decisões críticas e delicadas, legitimadas diante da escassez de recursos e de leitos, e do despreparo de vários serviços nacionais de saúde, sobrecarregados ou próximos ao colapso – lidando com números crescentes de pacientes admitidos em unidades de urgência –, expuseram a questão do idadismo. No auge da pandemia, alguns países adotaram práticas baseadas em critério de idade, para tomar decisões sobre internação e procedimentos em unidades de terapia intensiva, em oposição à internação para cuidados paliativos exclusivos.
A contribuição dos conhecimentos adquiridos nos âmbitos da geriatria e gerontologia há várias décadas, no entanto, enfatiza a necessidade da utilização compulsória da avaliação geriátrica ampla como ferramenta fundamental para apoiar o processo decisório. Esta avaliação ocorre tendo em vista as possibilidades, comprovadas por evidências científicas, de estabelecimento de parâmetros, algoritmos e modelos prognósticos, que vão muito além dos critérios baseados exclusivamente em valores, idade cronológica e presença de outras doenças. Por isso, a aplicação desses princípios é essencial para a melhoria dos cuidados de saúde dos idosos, e precisa ser urgentemente melhor difundida e aplicada.
A solidão – Além dos estressores físicos, o distanciamento social pode impactar negativamente a percepção de bem-estar, e não apenas daqueles que são considerados membros dos grupos de risco. Tal diminuição no contato com outras pessoas pode afetar qualquer indivíduo em confinamento. Alguns especialistas inclusive propuseram mudar a nomenclatura, e utilizar a expressão “distanciamento espacial”, em substituição à “distanciamento social”. A primeira expressão traduz, de forma mais precisa, a necessidade de manutenção da distância física. A adesão ao distanciamento espacial pode produzir, como efeito colateral, o distanciamento social, que pode ter consequências desastrosas sobre o bem-estar psicológico.
A solidão é a percepção subjetiva da falta de relacionamentos significativos. Isolamento social implica em falta objetiva de engajamento e contato social. Ambos os fenômenos foram declarados epidemias globais em adultos mais velhos, em 2016. Os idosos têm se isolado mais frequentemente em suas residências e, como consequência, podem experimentar sentimentos de solidão.
Solidão na pandemia – As consequências não intencionais do distanciamento social resultaram em mais isolamento entre os residentes de asilos. Houve uma redução da atividade física, pois os residentes não podem frequentar as academias de reabilitação e estão privados de visitas amigáveis, que são formas de melhorar o bem-estar psicossocial.
Dependência e abuso de idosos – A dependência aumenta com a idade – os adultos mais velhos frequentemente necessitam de ajuda com finanças, atividades instrumentais e básicas da vida diária. O aumento da expectativa de vida também significa que os idosos vivem mais anos de suas vidas com deficiência e dependência. Em torno de 30% dos idosos com idade igual ou maior a 65 anos são dependentes, traduzindo-se na diminuição de suas capacidades físicas, psíquicas e funcionais. A dependência acarreta uma maior complexidade dos processos, além de uma alta demanda de assistência e cuidados, aspectos que podem agravar ainda mais a vulnerabilidade dos idosos à Covid-19.
A OMS define que o abuso de idosos é um ato único ou repetido, ou a falta de ação apropriada, ocorrendo dentro de qualquer relacionamento onde há uma expectativa de confiança, o que causa dano ou angústia ao idoso. Exemplos de abuso de idosos são abuso físico, maus-tratos físicos ou violência física; abuso psicológico, violência psicológica ou maus-tratos psicológicos, traduzidos pelas agressões verbais; abuso sexual ou violência sexual; abandono; negligência; abuso financeiro ou econômico; autonegligência. Mais de 15% dos adultos mais velhos, na região europeia, sofreram abuso no último ano. O praticante de abuso em idosos residentes na comunidade é mais comumente um membro da família. Entre os idosos institucionalizados, cerca de 64,2% da equipe realizou alguma forma de abuso contra idosos no ano passado.
(*) Fabio Gomes de Matos e Souza – Psiquiatra, Universidade Federal do Ceará. João Carlos Barbosa Machado – Geriatra, neuropsiquiatria geriátrica, IEPE – Instituto de Ensino e Pesquisa do Envelhecimento de Belo Horizonte. A leitura completa deste artigo pode ser lida em: Guia-de-saude-mental-pos-pandemia-no-Brasil (1) (2).pdf