Coabitar com amigos poderia ser a solução para reunir “parentes por parte de vida” na velhice? Um sonho possível?
É um dito popular que parentes não escolhemos, mas amigos podem estar mais presentes do que muitos familiares quando a ideia é sentir-se pertencente a um grupo ou comunidade. Assim, as propostas de coabitação entre amigos têm surgido com mais intensidade nos últimos tempos, vista a tendência de diminuir o apoio familiar, da família não ter estrutura ou esta não mais estar disposta a ter responsabilidade do cuidar dos velhos da família, como mostra o filme “Parente é Serpente” (Itália, 1993), do diretor Mario Monicelli.
O filme narra a história da família Colapietro que se reúne para comemorar mais um Natal, quando a matriarca da família anuncia que ela e o marido estão muito velhos para continuarem vivendo sozinhos e decidiram ir morar com um de seus filhos ou filhas. Como ninguém quer ficar com eles, a festa vira uma batalha entre irmãos, todos ansiosos para se livrarem da incômoda responsabilidade.
Para a psicóloga Luciana Helena Mussi, o filme documenta esta não existência da relação de reciprocidade entre a família e os velhos, o que explica a maneira sorrateira, e mesmo cruel, como os filhos resolveram a questão. Segundo ela, para que se apague o rastro da serpente, é preciso pensar numa outra forma de organizar as relações, como a coabitação entre amigos, mantendo assim o desejo de manter-se ativo na perspectiva de continuar trabalhando ou, simplesmente, usufruir o tempo livre de maneira mais animada.
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Como no Brasil ainda há poucas opções de residências coletivas que ofereçam condições adequadas a pessoas mais velhas com essas características, iniciativas idealizadas para moradias mais confortáveis e seguras podem surgir entre amigos, ou mesmo na ideia de fazer novos amigos.
De acordo com Silvia Triboni, cohousing é uma habitação colaborativa, surgida como uma resposta social a um problema que afeta, sobretudo, grupos vulneráveis como os jovens ou os idosos.
Tornou-se uma tendência ao público 50+, visto ser uma comunidade intencional que reúne pessoas com objetivos comuns e dispostas a compartilhar espaços e atividades colaborativas. Há uma diferença entre cohousing e coliving, especialmente na proporção do empreendimento, já que o segundo normalmente é resultado do compartilhamento de um imóvel maior e que permita a acomodação de um grupo com conforto e privacidade.
O governo da Dinamarca, país de origem do cohousing, apontou resultados sobre as vantagens de viver em uma comunidade sênior, tais como menos medicamentos e idas ao médico, aumento da longevidade e baixos índices de demências.
É a opção para quem quer continuar se desenvolvendo, vivendo a vida plenamente e de maneira independente num ambiente que é mais prático, descomplicado, com certeza, mais econômico, mais divertido, mais interessante e mais saudável do que aquele que qualquer instituição poderia criar. (Charles Durret)
É preciso atentar para a característica cultural e o temperamento dos dinamarqueses, assim como de outros países com experiências semelhantes, pois o desejo de viver em um sistema colaborativo depende de regras e acordos muito bem equacionados para evitar conflitos, ou para minimizá-los. Mesmo entre amigos, a decisão de morar em comunidade dependerá sempre de tolerância, sendo esse um argumento fundamental para que tudo funcione para manutenção do bem-estar coletivo.
Coabitar com amigos poderia ser a solução para reunir as pessoas conquistadas ao longo da vida e que passam a constituir outra forma de família, como “parentes por parte de vida”. Na velhice, a maioria das pessoas busca paz e sossego, mas sem distanciar-se de outras gerações que representam a continuidade da existência e a manutenção da história escrita pelos ascendentes.
Estar em um lugar que possa promover essas situações e ainda criar momentos divertidos entre amigos é, sim, um sonho possível.
Referências
MUSSI, Luciana Helena. “Parente é Serpente”. O Ponto de vista psicológico. Disponível em: https://revistalongeviver.com.br/index.php/revistaportal/article/viewFile/35/35
TRIBONI, Silvia. Cohousing – o viver no século XXI. Disponível em: https://www.acrosssevenseas.com/cohousing-o-viver-no-seculo-xxi/
Foto destaque: Munksøgård, um dos cohousings na Dinamarca que abrirá suas portas para um tour aberto no próximo dia 2 de abril. Imagem do perfil Facebook