A cachaça é minha droga. Ela dá tudo o que eu preciso’

Elke Maravilha, 62 anos, se recusa a levantar bandeiras. Mas defende com tanta veemência suas causas que se torna madrinha de presidiários, prostitutas e gays. Ex-jurada de Chacrinha e Silvio Santos, ela foi sondada pela Globo graças ao sucesso de sua personagem Urânia na novela Luz do Sol, da Record. Mesmo assim, conta a verdade: sua preferência não é atuar. A personalidade forte se sobressai na TV e na vida real, quando é presa na época da ditadura militar por rasgar cartazes do governo ou quando assume ao JT que sua droga é a cachaça. A fama pode ter vindo pela gargalhada, mas Elke sabe falar sério.

 

 

Você gostava de ser jurada?
Era divertido. Claro que é uma fórmula ultrapassada. Mas era interessante porque exigia da gente improviso. Chacrinha nunca me dizia o que tinha de fazer. Já o Silvio mandava nas pessoas, né? Só que em mim não dava porque eu não nasci para ser vaquinha de presépio.
Você era subversiva?
Eu sempre fui, graças a Deus. Pensam que depois de velho você não pode ter mais ideologia. Não acho.

E quais ideais você conserva?
O meu ideal não é de bandeira, que eu acho que nunca resolveu. O ideal tem de estar no coração, quando você bota na cabeça ou em bandeira, não resolve. O próprio Lula é exemplo disso. Tirou do coração e olha aí o que ele está falando hoje: o contrário do que falava.

Você é anarquista?
Se for alguma coisa, sou anarquista. Se ‘hay gobierno, soy contra’. Ninguém precisa nos governar. O anarquismo já funcionou muitas vezes, entre os índios, por exemplo. O homem branco é mais difícil.

Como se tornou madrinha das minorias?
Eles me elegeram desde que eu era jovem. Os presidiários vieram depois. Prostitutas e gays foram antes de eu ser artista. Eu já ia a prostíbulos quando era bem jovem. Fazia isso para conhecer todos os meus lados, queria conhecer as pessoas, não posso excluí-las, elas fazem parte de mim. A gente excluiu as pessoas faveladas, elas estão reagindo. Ninguém quer saber o que vai na alma delas, mas elas sabem o que se passa na nossa porque trabalham na nossa casa. Tudo é ação e reação nesse mundo.

Você se considera sábia?
Não me considero sábia não. Estou tentando aprender. Fui criada na roça e lá a gente aprende melhor. Quando era pequena, no interior de Minas Gerais, havia um touro que estava sempre cheio de vontade de transar. Tinha um cercado especial onde colocavam um boi gay, para o touro se satisfazer no boi gay. Então aprendi com a mãe natureza que o desígnio é de que alguns sejam papai e mamãe, e outros não.

Você mudou com a idade?
Claro que a gente muda, todos os dias. Muda o fato de você já não ter mais tantos hormônios, então você está mais livre. Já não vai mais ter aquela sedução. Tem uma liberdade maior. Agora, há pessoas que querem continuar jovens aos 62 anos. É ridículo. Parece defeito ser velho. Não entendo. O mundo é só procriar? São sete bilhões de pessoas no mundo. Extrapolamos. Imagine se não houvesse gay.

Você já se envolveu em brigas para defender a causa dos gays?
Às vezes eu chego e falo as coisas, não fico em cima do muro. Houve situações que eu dei um berro e as pessoas se assustaram. Mas nossos políticos nos desrespeitam falando mansinho, não é? As únicas pessoas que conheço que me desrespeitaram falavam mansinho, com vaselina. (risos)

Você também fala mansinho.
Falo normalmente mansinho, mas de vez em quando não falo mais manso não.

Você gosta muito de viajar, mas disse que prefere ir sozinha. Por quê?
Meu marido (Sasha) tem o trabalho dele, mas às vezes a gente viaja junto. É interessante viajar sozinha. Homem é escudo, as pessoas não se aproximam tanto. Quando estou sozinha, todo mundo chega, vem conversar. Todo mundo tem curiosidade de ver que bicho é esse.

Quando você se tornou a Elke Maravilha ? Não é uma personagem?
Daria uma mão de obra danada representar o tempo inteiro. Eu não gosto de ser atriz. Já não levo muito jeito para ser atriz, eu morreria de ter que atuar o dia inteiro. Agora, sempre foi assim desde pequena. Só que agora tenho mais arte dentro de mim. Acho que estou evoluindo nisso também. Não sei cozinhar, pintar… Então tento fazer de mim uma obra de arte.

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Como é o seu cabelo de verdade?
Todo mundo fica passado quando vê. Esses dias, ia gravar e tinha uma fila de rapazinhos. Tirei a peruca e eles ficaram olhando. Eu disse: ‘Ah, estavam todos pensando que eu era careca. Eu sei.’ (risos) Mas é um cabelo legal para os padrões normais, volumoso. Só não é suficiente para mim.

Às vezes não tem vontade de passar despercebida?
Eu não! Olha meu amor, posso ficar velha, encarquilhada, agora, no dia em que eu parar de chamar a atenção eu vou ficar triste. Por que eu adoro chamar a atenção. Está na cara que eu gosto, né? (risos)

Como cuida da aparência?
Faço tudo errado. Bebo, fumo, não faço exercício, como em hora errada. Creme, de vez em nunca.

E não entra em crise por isso?
Não, ao contrário. Imagina! Como de tudo e sou cachaceira. Meu pai dizia assim: ‘Minha filha, não beba todo dia, mas de vez em quando tome um porre.’ Então de vez em quando tomo um porre.

O que há de bom em ficar de porre?
Sair da rotina. Espírito vem de latim spiritus, que vem a ser álcool. Então, o álcool libera o espírito, libera os de porco também, claro.

Já experimentou drogas?
Já, já. Várias. Já experimentei maconha, cocaína, crack, LSD…

Todas?
Todas não. Porque heroína não tive coragem. Êcstasy também não quis não.

Por quê?
Acho que droga é para autoconhecimento. Heroína é um conhecimento que pode levar a uma morte rápida. Êcstasy é um conhecimento de ficar se esfregando nos outros, não acho engraçado. Agora, o LSD é interessante para autoconhecimento. Cocaína só experimentei algumas vezes porque dá uma sensação de poder da qual não gosto. Maconha é gostosa, mas me faz dormir. E não preciso porque relaxada já sou. Então, na verdade, minha droga é a cachaça. Ela me dá o que eu quero, o que eu preciso.

Aquela liberdade que você disse?
Não, não dá liberdade. Ela me deixa num estado de aprendizado mesmo. Porque falamos de droga quando você foge de alguma coisa, mas eu não tomo as coisas para fugir, tomo as coisas para encontrar, entendeu? Até Jesus Cristo é usado como droga às vezes. Porque as pessoas fogem em Jesus. Tem muita gente que fala assim: ‘Eu agora não tomo droga, sou de Jesus.’ Eu digo: ‘Trocou de droga’. Tem gente que usa sexo como droga. Para mim, as coisas que eu uso ou usei são coisas ritualísticas.

Mas não experimenta mais?
Eu já experimentei tudo… Por exemplo, não dá para chegar para uma criança de rua e dizer para ela não fumar crack. Você tem de dar uma coisa para ela que seja mais agradável que o crack. Agora, eu não preciso de 8 horas de euforia. Eu tenho minha euforia. Não preciso de maconha para relaxar, de cocaína para dar poder… A gente procura algo que não tem. Eu não preciso de fantasia. Mas as crianças são criadas sem fantasia nenhuma. Realidade, realidade, realidade… Meu amor, um dia elas vão ter que procurar fantasia fora disso. Aí querem que seja contra as drogas? Como, se elas precisam da fantasia?

Não há outra maneira de conseguir essa fantasia?
Se não incentivam desde que você é pequeno a curtir a sua fantasia, se não contam histórias, se não ativam isso, em algum lugar você vai procurar, não é? É lógico.

Você falou em crianças. Com oito casamentos, nunca quis ter filhos?
Não é minha missão. E não é a de muitas mães por aí também.

Qual é sua missão?
É resolver os problemas, e não botar mais problema no mundo.
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Fonte: Jornal da Tarde, 24/9/2007. Disponível Aqui

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