Asylo de Pobres: na busca da melhoria da qualidade de vida de seus idosos residentes

Foi realizada uma pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), no Asylo de Pobres, localizado na cidade do Rio Grande, Rio Grande do Sul, denominada “Perfil de idosos residentes numa Instituição de Longa Permanência para Idoso (ILPI): proposta de ações de enfermagem e saúde”.

Silvana Sidney Costa Santos *

 

Esse estudo teve a duração de dois anos (fevereiro de 2005 a fevereiro de 2007) e foi coordenado pela Professora Dra. Silvana Sidney Costa Santos, junto com os Professores Dra. Marlene Teda Pelzer e MSC César Francisco Silva da Costa e os alunos do Curso de Graduação e de Mestrado em Enfermagem da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG), que integram o Grupo de Estudo e Pesquisa em Gerontogeriatria, Enfermagem/Saúde e Educação (GEP-GERON/FURG-CNPq).

Precisamos entender que o envelhecimento populacional representa hoje uma realidade para o Brasil, em mais de 180 milhões de habitantes, cerca de 9% da população total tem 60 anos ou mais, ou seja, existem em torno de quase 17 milhões de idosos no Brasil.

As mudanças sofridas pelas sociedades de modo geral refletem as preocupações da população no que se refere aos idosos e ao cumprimento das leis que os acobertam nos casos de infração aos seus direitos. Uma das questões que preocupam a todos diz respeito à necessidade da existência das Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), que surgem, em função do aumento de idosos e de dificuldades apresentadas pelos familiares, na tarefa em deles cuidarem.

Apesar de sua conotação pejorativa de abandono, de pobreza ou rejeição familiar denominamos o asilo de Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) que é um local para atendimento integral institucional, para pessoas com 60 anos e mais, dependentes ou independentes, que não têm condições de permanecer com a família ou em seu domicílio. Estas instituições, conhecidas como: abrigo, asilo, lar, casa de repouso, clínica geriátrica e ancionato, devem proporcionar serviços nas áreas social, médica, de psicologia, enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional, odontologia, e em outras áreas, conforme necessidades deste segmento etário.

Algumas instituições estão se empenhando no sentido de adequar-se a novas demandas, por meio de reformas nas suas instalações e contratação de profissionais, apesar da falta de recursos, e ainda assim caminhando com dificuldades e muitas vezes oferecendo uma assistência deficiente. Esse é o caso do Asylo de Pobres.

Naquela ILPI residem cerca de 90 idosos, que compõem dois grupos. O primeiro é o dos idosos asilados, que moram no térreo, dividem onze quartos entre si, sendo distribuídos de quatro a cinco idosos por quarto. Contam com dois banheiros coletivos, um para o sexo feminino e outro para o masculino, localizados no final dos corredores. Esses idosos pagam à ILP com grande parte dos proventos de suas aposentadorias. O segundo grupo é formado pelos pensionistas. Alguns deles ocupam o andar térreo, usam quartos individuais e pequenos, porém com banheiros fora e, portanto, coletivos. Esses idosos pagam um pouco mais a ILP. Outros idosos ocupam o primeiro andar, que tem elevador de acesso, usam um quarto amplo, dividido em dois ambientes, com banheiro inserido, decorado com seus próprios móveis e são os locais de maiores valor cobrado pela ILPI.

A ILPI Asylo de Pobres sobrevive com o pagamento dos idosos, venda de papel, reciclado no próprio local, e troca de notas fiscais (a nota solidária), além de doações. Apresenta um quadro de funcionários defasado, com muitos deles afastados por problemas de saúde, tornando-se difícil para a administração conseguir manter a prestação de uma assistência digna aos idosos, apesar de seus esforços.

Desta pesquisa participaram 55 idosos que apresentaram as seguintes características: fosse orientado, quanto ao tempo e espaço; tivesse condições de interação; concordasse em participar do estudo, tivesse o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado por seu representante legal, neste caso pelo presidente da ILP, seguindo a opção escolhida entre a ILPI, os idosos e seus familiares.

O instrumento para coleta de dados utilizado foi denominado Avaliação Multidimensional do Idoso, formulário estruturado com seis partes: caracterização do idoso, exame físico, avaliação cognitiva, avaliação afetiva, avaliação funcional, impressões do entrevistador.

Depois de verificados o perfil dos idosos investigados, passamos à elaboração das propostas de ação de enfermagem/saúde. Para as ações de enfermagem seguimos a identificação dos diagnósticos de enfermagem, segundo a North American Nursing Diagnosis Association (NANDA). Para as ações de saúde utilizamos questões mais gerais, que dessem conta da interdisciplinaridade necessária em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), como por exemplo: realização de atividades de lazer, de atividades físicas e outras.

Tivemos resultados surpreendentes. Fizeram parte: 39 mulheres e 16 homens; a idade variou entre 63 e 105 anos. Quanto à cidade de procedência 24 idosos eram de Rio Grande e os demais de cidades circunvizinhas. Encontramos 29 viúvos, 22 solteiros, dois casados e um divorciado, as condições viúvos e solteiros, já era esperada por se tratar de um estudo realizado em uma ILPI, muitos idosos são encaminhados ou escolhem morar em ILPIs por apresentarem-se sem condições de residirem sós, sejam por terem perdido o cônjuge ou por não terem filhos.

Quanto à profissão prevaleceu a do lar, referida por 14 idosas. Outras profissões como: doméstica, servente, servidor público, foram citadas. Em relação à escolaridade, onze idosos não têm instruções; 19 têm ensino fundamental incompleto; nove, têm ensino fundamental completo; três, têm ensino médio incompleto; dois, têm ensino médio completo; três, têm ensino superior completo; outros oito, não souberam informar a escolaridade.

Dos investigados, 42 idosos residem na ILPI há menos de dez anos; seis, entre 11 e 20 anos; dois, entre 21 a 30 anos; um, há 39 anos; duas, há 40 anos; dois não souberam afirmar. Do total, 27, foram trazidos à ILPI por familiares; quinze idosos foram residir na ILPI por opção; nove, foram trazidos por amigos; três, por outras pessoas; um, não soube informar. Essa significativa incidência de idosos trazidos por suas famílias comprova que as ILPIs surgem como uma forma de auxiliar as famílias na tarefa de cuidar de seus idosos.

Com relação à satisfação em morar na ILPI, 41 idosos referem gostar de residir no Asylo de Pobres; onze referem não gostar; três preferem não opinar. Percebemos nas respostas dos idosos institucionalizados uma insegurança ao responder essa questão, mesmo sendo esclarecidos de que haveria sigilo quanto às respostas. Porém na medida em que passamos a conviver mais na ILPI e com os idosos, pudemos comprovar que muitos dos idosos demonstram satisfação em morar na ILPI investigada.

Em atividades de lazer, 30 idosos não realizam nenhuma atividade; 24 deles relataram realizar as atividades diversas (artesanato, bingo, dança, leitura, grupo religioso, assistir televisão, ouvir rádio, passeios e outras). Essa diversidade de resposta comprova o que percebemos na ILPI pesquisada, as atividades citadas por eles são esporádicas ou ainda praticadas individualmente, pois não existem grupos ou atividades de lazer sistemáticas, no Asylo de Pobres.

Dentre os sintomas apresentados pelos idosos verificamos a prevalência de doenças físicas como alterações visuais; sintomas emocionais como tristeza; modificação de peso – para menos; nictúria; dores nas articulações. A prevalência de sintomas de Doenças Crônicas Não-Transmíssiveis (DCNT) era esperada porque na velhice elas acometem mais as pessoas.

Dentre as doenças mais referidas estão: doenças cardiovasculares como a hipertensão arterial (20), sendo a mais freqüente das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) em todo o mundo; outras cardiopatias (doze idosos); doenças psíquicas como a depressão (nove idosos). Dentre as doenças metabólicas como os diabetes, encontramos doze idosos.

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A doença cardiovascular é a principal causa de morte na população idosa e esse índice eleva-se ainda mais na medida em que se vai envelhecendo. Considerando que a parcela de idosos está alcançando idades mais avançadas, isto implica que a doença cardiovascular continuará a ser uma ameaça significativa à saúde da população idosa em todo o mundo.

Dos investigados quatorze mulheres e seis homens disseram ser hipertensos. Dos 55 idosos, 23 deles referiram episódios de quedas nos últimos doze meses, necessitando um maior empenho quando as questões relacionadas à estrutura da ILPI investigada. As quedas significam perda de qualidade de vida na velhice.

As quedas constituem uma importante ocorrência nos idosos, sendo a principal causa de morte acidental entre eles. É comum que os idosos tenham seu estilo de vida alterado após uma queda, pois, há um estado chamado Síndrome Pós-queda em que o sujeito apresenta uma rigorosa diminuição na mobilidade causada por receio, por medo de novos acidentes.

Na Instituição investigada observamos que dos 23 idosos que sofreram quedas, dezessete deles referiram receio de novos acidentes do tipo. Importante considerar que além do risco de fraturas, há perda de confiança para caminhar, devido ao medo de novas quedas, fazendo o idoso diminuir sua mobilidade. Gera-se, então, um circulo vicioso: com a restrição de atividades, há diminuição de força muscular e enfraquecimento das pernas, levando o idoso à condição de dependência, ao isolamento social e, conseqüentemente à institucionalização.

Quanto aos exames preventivos, nas idosas do estudo observamos que 48 delas não sabiam afirmar quando foi a ultima vez em que realizou o Exame Papanicolau; seis delas afirmaram nunca o terem realizado; uma idosa referiu ter realizado no último ano.

Quanto à realização do exame preventivo de câncer de próstata, dos 16 idosos pesquisados, verificamos que: seis já haviam realizado o exame; um não soube afirmar; nove nunca o fizeram. Dos seis, que o realizaram: três fizeram há um ano; um deles fez há dois anos; um deles há mais de 4 anos; outro não soube informar.

Quanto à avaliação cognitiva e relacionando-a aos gêneros, encontramos: função cognitiva preservada em dois homens e cinco mulheres; alteração não sugestiva de déficit, em dois homens e cinco mulheres, nesses idosos há necessidade de mais estímulos e observações/acompanhamentos, por se encontrarem em situação limítrofe; sugestivo de déficit cognitivo, encontrados em doze homens e 29 mulheres, tais idosos necessitando de uma avaliação neurológica e acompanhamento médico.

Verificamos uma freqüência maior de casos sugestivos de déficit cognitivo na faixa etária de 81 a 85 anos. Tais resultados assemelham-se a estudo de outros autoresem que uma idade maior ou igual a 80 anos mostrou-se como um fator de riscos para alterações no estado mental.

Com o envelhecimento da população é crescente a preocupação com as demências, síndrome clínica que tem como característica principal o comprometimento cognitivo e suas conseqüências à perda de capacidade funcional que sobrecarrega a família, exigindo cuidadores e não obstante, levando os idosos à institucionalização. Contudo, a demência não pode ser encarada como sinônimo de velhice, porém a probabilidade de se desenvolver a doença cresce exponencialmente com a idade.

Quanto à presença de transtornos afetivos os resultados indicaram: 29 idosos apresentaram ausência de transtornos afetivos (por exemplo, depressão) desses, 21 mulheres e oito homens; oito idosos com transtorno afetivo limítrofe, sendo: dois homens e seis mulheres; dezoito idosos com indicação de depressão: quatro homens e quatorze mulheres.

O Transtorno afetivo limítrofe, conforme a Escala Geriátrica de Depressão de Yesavage corresponde à pontuação 11, ou seja, resultado limite para a indicação de transtorno afetivo. Os idosos que apresentaram estes resultados necessitam ser mais estimulados e acompanhados, principalmente pelo pessoal da enfermagem, pela equipe, para o desenvolvimento de ações voltadas a promoção da saúde mental.

Inicialmente, os resultados de mais da metade dos idosos sem transtornos afetivos nos surpreenderam, mas pudemos verificar que no item nove da Escala Geriátrica de Depressão de Yesavage, cuja pergunta era: Sente-se feliz na maioria do tempo? Pudemos observar que grande parte dos idosos pesquisados afirmou essa felicidade. Ainda preocupados com esses resultados, retornamos aos idosos e perguntamos: por que eles se sentiam felizes morando naquela ILPI? E as respostas centraram-se em: visto roupas que nunca vesti antes; participo de festas maravilhosas aqui; ganho presentes; vejo coisas muito interessantes aqui no asilo. A partir dessas respostas pudemos inferir que: as roupas são doadas; as festas e passeios são organizados por grupos formais e informais e até por pessoas anônimas; as coisas interessantes (por exemplo, ter vistos os cães amestrados da Brigada Militar), são providenciadas para alegrar as tardes de sábados, domingos e feriados da ILPI. Então, pudemos perceber o compromisso, a responsabilidade social da população da cidade do Rio Grande/RS para com aquela Instituição, contribuindo com a doação de roupas, organização de festas, passeios, brincadeiras, para os idosos, deixando-os mais felizes e afastando-os de possíveis problemas afetivos. Também pudemos perceber, nesse estudo, que morar em ILPI não é sinônimo de tristeza, de infelicidade para muitos idosos.

Quanto à avaliação funcional, nela é possível verificar a realização das Atividades de Vida Diária (AVD) e verificamos: um homem e duas mulheres apresentaram dependência total; nove homens e 22 mulheres apresentaram dependência parcial; seis homens e 15 mulheres apresentam independência.

As Atividades da Vida Diária (AVD) avaliam funções de sobrevivência, tais como se alimentar, banhar-se, higiene pessoal, vestir-se, transferir-se de um local a outro, e outras atividades básicas. As Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD) estendem o conceito acima, abarcando também problemas um pouco mais complexos da vida cotidiana de um indivíduo menos dependente. Porém na cidade, no próprio lar como também nas ILPI a independência e a autonomia podem ser restringidas pelas barreiras arquitetônicas e ergonômicas.

Apesar de não ser um dado em evidência pudemos perceber queos idosos que ocupam o primeiro andar da ILPI investigada, que são aqueles com melhor poder aquisitivo, que têm cuidoras particulares permanentes apresentaram mais intercorrências em suas AVDs que os idosos que moram no térreo e se ajudam mutuamente, por conta do número ainda reduzido de profissionais na ILPI.

A nossa inserção na ILPI investigada deu-se em setembro de 2004, após algumas dificuldades enfrentadas, precisamos conquistar a direção e oferecer ações que atendessem as necessidades do Asylo de Pobres. Desde esse período realizamos dois cursos de atualização para os trabalhadores, fizemos várias sugestões de mudanças à diretoria (sendo todas acatadas), estimulamos a participação dos trabalhadores em eventos específicos, realizamos oficinas específicas, direcionamos cuidados de enfermagem aos idosos, organizamos ações de lazer e outras.

Após a realização desta pesquisa, que se desmembrou em três estudos: uma pesquisa do CNPq (edital universal), uma iniciação científica (FAPERGS) e uma dissertação de mestrado, ficamos muito gratificados pelos resultados alcançados, principalmente porque a partir de 2006 foram contratados pela ILPI pesquisada: um enfermeiro, um nutricionista, uma assistente social e quatro técnicas de enfermagem. Todas essas ações contribuindo para melhoria da qualidade de vida dos idosos residentes no Asylo de Pobres.

Nessa participação coletiva verificaram-se intercâmbios propícios à troca de saberes. Por conta desta pesquisa pudemos desencadear outras frentes, voltadas à melhoria da qualidade de vida dos idosos residentes naquela ILPI.

Hoje o Asylo de Pobres é campo de prática dos alunos da disciplina Enfermagem Gerontogeriátrica, criada no primeiro semestre de 2005; estamos realizando um trabalho de extensão permanente, denominado: “Asylo de Pobres: foco de atenção da Enfermagem da FURG”, no qual contamos com várias bolsistas voluntárias; é campo de investigação dos alunos da graduação e do mestrado em Enfermagem da FURG, sendo desenvolvidos: dissertação de mestrado, trabalhos de iniciação científica e Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC).

*Silvana Sidney Costa Santos é Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Especialista em Gerontologia pela SBGG. Professora do Departamento de Enfermagem dos cursos de graduação e mestrado da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG/RS). Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Gerontogeriatria, Enfermagem/Saúde e Educação (GEP-GERON/FURG-CNPq). E-mail: [email protected]

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