“As pessoas não estão morrendo por doenças infecciosas ou doenças cardíacas, elas estão morrendo de velhice”, afirma o médico Murray Brennan.

O câncer é quase uma sentença de morte. Após o diagnóstico da doença, pensamos, o que virá depois? Começam os esclarecimentos técnicos, mas o que fica para a pessoa é a pergunta: Existe perspectiva de vida? Terei alguma chance? Como lidar, agora, com o tempo que tenho?


Será possível, um dia, pensar no câncer como uma doença crônica, uma espécie de hipertensão? Para aqueles que convivem com os terríveis sintomas e efeitos colaterais do tratamento, além do medo constante, como “(con)viver” com o câncer assim como se vive com o diabetes? Com uma perspectiva de cura distante, é importante dizer que a evolução dos medicamentos e da tecnologia torna o câncer uma doença cada vez mais tratável.

“Dentro de alguns anos, já será possível pensar no câncer como uma doença crônica, uma espécie de hipertensão”, afirma Murray Brennan, vice-presidente de programas internacionais do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, um dos maiores centros oncológicos dos Estados Unidos, localizado em Nova York.

Entretanto, ele alerta: “Não há uma bala mágica que se dá aos pacientes para curar todos os tipos de câncer. Mas temos várias balas eficazes”. O cirurgião, sempre otimista, dedicou sua vida a estudar o câncer desde a década de 70. Hoje, é referência mundial no tratamento de sarcomas dos tecidos moles e assinou mais de 1.000 artigos científicos durante a sua carreira.

Há muito tempo observa-se que o câncer é uma doença crônica. Esse médico apenas confirma isso. Mas assim como câncer, a pessoa viverá com diabetes, doenças respiratórias, alzheimer, parkinson etc…Será a mesma coisa, se é que há padrão de comparação?

Em 2007 Brennan veio ao Brasil para retirar o tumor abdominal do ex-vice-presidente José Alencar, morto em março deste ano. Para ele “o sucesso está ligado à disposição em tentar coisas. Alencar foi um homem muito forte e teve a sorte de ter acesso à melhor assistência – no Brasil e duas vezes aqui”. O médico, atualmente, coordena parcerias com vários hospitais em São Paulo: “O Brasil não percebe a qualidade dos seus médicos”. Segundo ele, em entrevista à revista Veja, “Vocês têm médicos excelentes e maravilhosos pesquisadores. O fato é que o Brasil tem o mesmo problema que nós temos nos Estados Unidos. Apesar de terem ótimos médicos, eles tendem a ficar nas cidades grandes e não costumam estar disponíveis em todo o país. Vocês têm estrutura em São Paulo, mas não no Pantanal – um fato que também ocorre nos EUA. Acho que o Brasil não percebe a qualidade dos seus médicos. Mas é preciso deixá-los ajudar o resto do país”.

Câncer: foco das políticas de saúde pública

Murray Brennan assinalou que a OMS já reconhece o câncer como um problema crescente em países em desenvolvimento, chamando a atenção para a prevenção, como foi feito com as doenças infecciosas. Reconhece também que o acesso aos medicamentos de alta tecnologia utilizados nos Estados Unidos será muito difícil a países como o Brasil e por isso assinala que se deve pensar em formas menos complicadas de tratar o câncer que poderão ser aplicadas em países em desenvolvimento. A prevenção é tudo e se baseia em mudança de estilos de vida.

Perguntado sobre quais foram os avanços mais relevantes até agora, Murray Brennan diz que“um dos principais avanços é o fato de a cirurgia ter se tornado muito mais segura. Saímos das cirurgias radicais que, em geral, eram muito extensas porque não havia outra opção de tratamento e passamos a fazer operações mais conservadoras, focadas na preservação da função e que evitavam a amputação. Essa tecnologia garantiu resultados melhores, com menos morbidade e menos efeitos colaterais para o paciente. O mesmo ocorreu com a radioterapia e com os medicamentos oncológicos. Antes, tínhamos drogas que matavam todas as células, inclusive as saudáveis. Hoje, temos drogas que estão destinadas diretamente a uma célula específica de câncer. Ou seja, tudo o que nós fizemos até agora tornou o tratamento de câncer mais eficaz, mais preciso, muito mais seguro e com menos efeitos colaterais”.

O vice-presidente de programas internacionais do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center acredita as “pessoas precisam entender que o câncer não é apenas uma doença – e sim várias doenças”. Além disso a cura, segundo ele, “não é uma bala mágica que se dá aos pacientes para curar todos os tipos de câncer. A cura começa desde ações preventivas, como parar de fumar, até tratamentos diferentes para tipos de câncer específicos. Porque nós aprendemos que cada câncer é único. O câncer é uma doença com várias formas e não há uma bala mágica, mas existem várias balas eficazes”.

Avanços e desafios

Murray Brennan fala dos avanços obtidos em alguns dos tipos raros de câncer, e não nos comuns, entre eles a leucemia. Diz que hoje 80% de crianças com leucemia sobrevivem. Então, nós progredimos. O câncer de pulmão é outro que teve bom avanço. Quanto se haverá uma vacina para prevenir o câncer, ele acredita que “as chances de elas serem utilizadas como uma única resposta contra o câncer são muito pequenas. Em algumas situações específicas, está claro que as vacinas adicionam a outros tratamentos. Elas podem ser úteis por fazer com que o sistema imunológico dos pacientes fique mais ativo ao mesmo tempo em que eles são tratados com outras drogas. Acho que essa é uma abordagem possível”.

Segundo ele, dificilmente uma droga funcionará para todos e cada vez mais conviveremos com mais gente com câncer. “As pessoas não estão morrendo por doenças infecciosas ou doenças cardíacas, elas estão morrendo de velhice. Nesse sentido, a incidência de câncer aumenta junto com o maior número de pessoas envelhecendo. Então, a primeira coisa que precisamos reconhecer é que vamos começar a ver mais idosos com câncer. Provavelmente, vamos curar mais pessoas que curamos atualmente, mas teremos mais pessoas vivendo com o câncer. A segunda coisa é que estamos começando a pensar diferente. Pensar no câncer como uma doença crônica, em vez de pensar nele como uma doença fatal. Antes de curarmos o câncer, vamos conseguir controlá-lo. Assim como fazemos com a aids, hipertensão ou qualquer doença crônica. As pessoas vão viver cada vez mais tempo com o câncer. E vão morrer cada vez menos por causa dele”.

Doenças crônicas aumentam em todo o mundo

Diabetes, doenças circulatórias e câncer, deixaram de ser um problema específico das nações industrializadas para se tornarem em um desafio global do século 21. A hipertensão e o diabetes desencadeiam doenças infecciosas e ultrapassam atualmente a aids, a malária ou a tuberculose no ranking das causas de morte. Recentemente a imprensa divulgou que “hoje, 60% de todos os óbitos no mundo se dão em consequência de doenças não infecciosas. E a tendência é crescente”.

Em declaração à imprensa, Ala Alwan, encarregado de doenças não transmissíveis e psíquicas na Organização Mundial de Saúde (OMS), disse que “Algumas doenças cardíacas, o diabetes e alguns tipos de câncer podem ser evitados através da redução do consumo de tabaco e álcool, de uma alimentação saudável, de atividade física”. Segundo ele, “a população mundial precisa ser incentivada a levar uma vida mais saudável. No fim, o que conta é a postura individual e o comportamento de cada um. É preciso encontrar um equilíbrio adequado entre a intromissão do Estado – através de medidas como a proibição do cigarro no espaço público, por exemplo – e a liberdade individual”.

À exceção da África Subsaariana, onde a aids continua sendo a principal causa de morte, “hoje morre muito mais gente em função de doenças circulatórias, diabetes ou obesidade do que de doenças infecciosas”, declarou o pesquisador Peter Piot, diretor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. Para o pesquisador, o sal em excesso, açúcar, gordura, comida industrializada e sedentarismo, são fatores que prejudicam a saúde das pessoas e que estão se “alastrando” para regiões fora da Europa, como nos Emirados Árabes Unidos, por exemplo, onde o consumo de refrigerantes é altíssimo; ou na Ásia, onde a indústria tabagista alastra seus tentáculos.

Pekka Puska, presidente da Federação Mundial de Cardiologia, assinala que a globalização e a disseminação de doenças crônicas andam juntas e a expressão “doenças civilizacionais” vai se tornando absolutamente obsoleta. Segundo ela, “É ultrapassado pensar que se trata de doenças associadas ao bem-estar, pois elas se espalham hoje com maior intensidade exatamente em países pobres. E na maioria dos países europeus, são as camadas mais baixas da população que apresentam maiores riscos de contrair tais doenças crônicas. São enfermidades fortemente associadas à pobreza e à decadência social, causadas por problemas socioeconômicos e vice-versa. Sobretudo nos países em desenvolvimento, as pessoas acometidas por essas doenças são vítimas da pobreza, pois falta assistência social e apoio financeiro. Em outras palavras, a pobreza causa doenças crônicas e essas doenças levam à pobreza”, explica Puska. Pesquisadores, políticos e organizações internacionais reconhecem que hoje, 80% das pessoas que morrem em consequência de doenças crônicas vêm de países com uma renda per capita baixa ou média.

Além do diabetes e das doenças circulatórias, há as doenças psíquicas, que são ignoradas, mas que cujo alcance ainda não é reconhecido. Estima-se que em todo o mundo existam 150 milhões de pessoas que sofrem de depressão e em muitos países, como o Brasil, o único tratamento é a internação em regime fechado, sendo que a depressão e a esquizofrenia já podem ser tratadas.

Para Piot, “as doenças psíquicas são as mais negligenciadas. Além disso, são estigmatizadas em todas as sociedades. Embora sejam um desencadeador importante de outras enfermidades, elas não são vistas como prioridades na hora do tratamento. Por exemplo: em setembro de 2011, a Assembleia Geral das Nações Unidas decidiu organizar um congresso especial sobre doenças não transmissíveis. Foi uma ótima medida. No entanto, definiram que as enfermidades psíquicas não seriam abordadas nesse evento. Acho isso chocante”.

Para Puska, a vida sedentária é causa de muitas enfermidades e faz um alerta: “Precisamos de mais esclarecimento e precisamos ajudar as pessoas a se tornarem mais saudáveis. Isso depende muito do ambiente. Pois o que comemos e o quanto nos movimentamos depende também de onde vivemos: que ofertas existem à nossa volta, o que é possível fazer. E por isso precisamos negociar com as autoridades, precisamos de programas públicos, temos que envolver outros setores da sociedade – a indústria alimentícia, as ONGs. Mas precisamos também de incentivos financeiros e de uma legislação”.

“O mundo ainda não está armado contra as enfermidades crônicas. Mesmo em alguns países europeus levamos um american way of life no sentido da obesidade, por exemplo. No Reino Unido, 25% das crianças com 14 anos estão acima do peso, um índice bem mais alto do que havia antigamente. Precisamos tomar atitudes com rapidez e essa é uma questão de liderança. É preciso haver medidas específicas, como por exemplo a tributação de comidas não saudáveis, do tabaco e do álcool. Mas ainda não vejo esse tipo de iniciativa. Discutimos muito sobre os custos do sistema de saúde, mas aí só se fala, por exemplo, das consequências do diabetes. E onde está o dinheiro e o empenho em lutar para que as pessoas não se tornem diabéticas? Algo absolutamente possível”, indaga Peter Piot.

Ao invés das autoridades responderem as indagações de Peter Piot, investe-se cada vez mais em estudos genéticos, uma possibilidade individual para o entendimento, prevenção, controle e eventual cura das doenças crônicas, entre elas o próprio câncer. Algumas pesquisas apostam nesse caminho.

Pesquisa e Genética

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Segundo divulgação pela Agência Fapesp, “uma pesquisa realizada nos Estados Unidos com participação brasileira identificou as alterações epigenéticas (informações genômicas que não fazem parte do DNA) que são essenciais para a sobrevivência de células cancerosas. O estudo demonstrou experimentalmente que as células tumorais morrem quando são reativados os genes que haviam sido ‘desligados’ pela anomalia epigenética”.

Os resultados da pesquisa foram publicados na edição de 14/05/2012 da revista Cancer Cell. O primeiro autor do artigo, Daniel Diniz de Carvalho, realiza pós-doutorado no Departamento de Urologia, Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade do Sul da Califórnia (Estados Unidos).

Carvalho é graduado em medicina veterinária pela Universidade de Brasília (UnB), concluiu em 2009 seu doutorado, com Bolsa da FAPESP, no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), na área de imunologia, sob a orientação do professor Gustavo Amarante-Mendes.

O pesquisador afirma que “o principal objetivo de sua linha de pesquisa, que terá continuidade no Canadá, é contribuir para o desenvolvimento de uma nova geração de terapias epigenéticas”.

“Há terapias epigenéticas sendo usadas clinicamente, mas elas mudam todo o padrão do DNA, ativando não apenas os genes que impedem a sobrevivência do tumor, mas também vários outros que não deveriam ser ativados. Por serem inespecíficas, são terapias de alto risco. Neste estudo, identificamos alvos importantes para o futuro desenvolvimento de uma segunda geração, mais eficiente, de terapias epigenéticas”, disse à Agência FAPESP.

Distinguir as alterações epigenéticas importantes – que garantem a sobrevivência do tumor – das alterações causadas pela própria presença do tumor é um grande problema para a ciência.

O pesquisador explica: “Com as novas técnicas de sequenciamento disponíveis, mapeamos todas as alterações genéticas e epigenéticas. Mas como só analisamos a célula tumoral no fim do processo, não sabemos quais alterações são a causa e quais são consequências”.

Segundo Carvalho “identificar as alterações epigenéticas essenciais para a sobrevivência do tumor é fundamental para identificar alvos terapêuticos adequados. Uma alteração genética, como uma mutação, é uma alteração definitiva. Mas as alterações epigenéticas são reversíveis e por isso mesmo são muito interessantes para possíveis terapias”.

Teste genético para a prevenção do câncer de mama

O Centro de Estudos do Genoma Humano divulgou um estudo que analisa como os genes são alterados por fatores externos, como álcool e hormônios, um processo conhecido como epigenética.

Os cientistas envolvidos na pesquisa acreditam que uma em cada cinco mulheres possui um tipo de ‘interruptor genético’, ou seja, um elemento que ‘liga e desliga’ genes, que duplica o risco de câncer de mama.

A partir das descobertas, eles esperam desenvolver um exame de sangue simples que possa ajudar a indicar quais mulheres tem maior tendência de desenvolver a doença.

No trabalho publicado na revista científica Cancer Research, os cientistas do Imperial College London analisaram amostras de sangue de 1.380 mulheres de diversas idades, 640 das quais desenvolveram câncer de mama. Eles encontraram uma forte ligação entre o risco de ter a doença e a modificação molecular de um único gene, chamado ATM, que pode ser encontrado nos glóbulos brancos.

Os pesquisadores tentaram, então, descobrir o que estava causando esta alteração e procuraram especificamente por um efeito químico chamado metilação, que atua como um ‘interruptor genético’.

As mulheres que apresentaram os maiores níveis de metilação afetando o gene ATM tinham duas vezes mais chance de desenvolver câncer de mama na comparação com aquelas que apresentaram os níveis mais baixos.

James Flanagan, pesquisador que liderou o estudo explica: “Sabemos que a variação genética contribui para o risco de uma pessoa ter determinadas doenças. Com esta nova pesquisa, agora também podemos dizer que a variação epigenética, ou diferenças na maneira como os genes são modificados, também tem um papel.”

Flanagan espera que nos próximos anos seja possível descobrir outros genes que afetam o risco de uma mulher apresentar câncer de mama: “O desafio agora é como incorporar toda esta nova informação aos modelos de computador que são usados atualmente para prever riscos individuais.”

Referências

CASTRO, F. (2012). Cientistas desvendam mecanismo epigenético que mantém viva célula de câncer. Disponível Aqui. Acesso em 17/05/2012.

CENTRO DE ESTUDOS DO GENOMA HUMANO (2012). Teste genético poderia ajudar a prever câncer de mama, diz pesquisa. Disponível Aqui. Acesso em 04/05/2012.

CUMINALE, M. (2012). “As pessoas vão viver cada vez mais tempo com câncer. E morrer cada vez menos por causa de dele”. Disponível Aqui. Acesso em 16/06/2012.

CORVES, Anna (2012). Enfermidades crônicas aumentam em todo o mundo, alertam especialistas. Disponível Aqui. Acesso em 25/06/2012.

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