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As avosidades e suas diversidades

Qual a importância de nos debruçarmos sobre as avosidades? O que os estudos têm contribuído para a discussão do tema na contemporaneidade?

Raquel da Silva Pavin (*)


Para nos aproximarmos de possíveis respostas aos questionamentos trazidos acima, destacamos que os estudos sobre avosidade ganharam maior visibilidade a partir dos anos 80. Dias (2008) destaca que nos anos 60 já existiam reflexões sobre a relação entre avós e netos. Neste período, o papel dos avós estava muito relacionado às práticas recreativas. Já nas décadas de 70 e 80, as pesquisas sobre a temática ganham um sentido voltado às relações e aos contextos familiares, dando dimensão às funções dos avós como suporte financeiro, afetivo e nos cuidados gerais. Nos anos 90 os estudos se voltam para a representação social no que tange ao apoio social em momentos de dificuldades familiares.

Os avanços nas pesquisas e o debate acadêmico e sociocultural permitem que a representação da avosidade não esteja mais atrelada ao imaginário social de pessoas dependentes, inertes em suas cadeiras de balanço, em posse de jornais, cachimbos e agulhas de tricô (como muitas vezes representados nas histórias infantis).  As mudanças que ocorrem também nos arranjos familiares, com a saída da mulher para o mercado de trabalho, com as lutas feministas, trazem uma nova configuração de viver esse momento da vida.

Muitos avós, no século XXI, considerando um recorte de classe, gênero e escolaridade, são pessoas adultas, não necessariamente são idosas, e são estes que dirigem seus automóveis ou ocupam os transportes públicos e levam os netos à escola ou acessam à Internet com (ou sem) ajuda. São as múltiplas faces do processo de envelhecimento humano e do viver as avosidades.

Para Ramos (2011), uma pessoa pode ser avó aos 30, 50 ou 70 anos, com ou sem companheiro, morando próximo ou longe dos netos, com condições de saúde diversas, estando ou não aposentada, exercendo sua vida profissional, participando ou não dos cuidados ou cotidiano dos netos.  

No contexto contemporâneo, observamos avós de todas as gerações, que acabam exercendo diversos papéis sociais e nos núcleos familiares (OLIVEIRA, 2011). Por essa razão, é comum que avós que cuidam por tempo integral ou passam grandes períodos envolvidos nos cuidados dos netos despertem sentimentos ambivalentes em relação a tal função. Podem encontrar satisfação ao oferecer benefícios aos netos, como trocas de experiências, carinho, atenção ou também ônus com o estresse físico e emocional.

Falcão (2012) salienta que nos anos 2000 foram realizadas pesquisas sobre os avós como responsáveis pelo provimento familiar e como cuidadores dos netos. Destaca a transição do desenvolvimento dos anos 90, as funções e papéis dos avós na contemporaneidade, a troca de uma imagem mais autoritária para a de maior afetividade. Nos estudos de Goldfarb e Lopes (2006) destacam a definição de avosidade, não somente relacionada à idade cronológica ou ao papel social desenvolvido, mas consideram as transmissões das funções materna e paterna para as próximas gerações. Para Freitas et al., (2006), são os laços de parentesco que se localizam nas filiações trigeracionais e as funções dos avós na independência destes aceitarem ou não.

No ínterim destas discussões, alguns autores caracterizam os estilos de avós: existem os avós companheiros, vinculados ao contato mais afetivo e informal, com relações de convivência mais estreitas com os netos, permeadas por cumplicidade e afeto. Também existem os avós “tiranos ou distantes”, sendo com características mais formalizadas e reservadas nos vínculos com os netos, e os avós “envolvidos”, que são aqueles que estabelecem disciplina e limites, como assinala Cherlin e Furstenberg (1985).

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Nos estudos de Hagestad et. al., (1985), destaca-se quatro formas de classificação dos avós: aqueles que são presentes e harmonizam as situações difíceis familiares; os que ocupam papéis de proteção da família e estão sempre disponíveis em caso situações urgentes; o árbitro, que negociam e preservam a família, e os que assumem posturas conservadoras sobre a biografia da família, os transmissores e guardiões da memória e da herança das tradições.

Nos estudos de Oliveira (2011), mais atuais, são retratadas as classificações dos avós contemporâneos, salientando que existem aqueles que são os “encarregados” pela criação de seus netos, onde, muitas vezes, substituem as figuras maternas e paternas. Assim como os que podem ser ditos “passivos”: que participam de atividades específicas da vida dos netos com menor convivência e responsabilidade diária, seguidos dos que não possuem relações de convivência com os netos. Nesse sentido, o termo “avosidade” busca dar conta das condições de ser avô ou avó na atualidade, considerando as implicações sociais e psicológicas envolvidas neste processo. 

Essa novidade apresenta avanços demográficos ao expressivo aumento da longevidade humana e, consequentemente, do maior número de famílias extensas, com diversas gerações em convívio. As relações entre avós e netos têm sido mais frequentes no núcleo familiar, prolongando-se para além da infância desses netos, chegando à adolescência ou indo até a fase adulta. Com a visibilidade aumentada, tem crescido o interesse da sociedade por problematizar sobre as funções dos avós nas relações familiares. 

O fenômeno tem provocado um aumento das pesquisas acadêmicas sobre a relação entre avós e netos. Também tem sido mais intensa a atenção à figura dos avós, devido às diversas posições assumidas no universo das relações familiares. Alguns são provedores porque desfrutam de uma boa condição financeira e podem, por isso, ajudar filhos e netos. Outros são dependentes de auxílio financeiro, demonstrando as diversidades vividas neste momento da vida.

Referências
CHERLIN, Andrew. J; Furstenberg, Frank. F. (1985). Styles and strategies of grandparenting. In: Publications; p. 97-116.
DIAS, Cristina. M. S. B. Pais são para criar e avós para estragar: Será. Família, diagnóstico e abordagens terapêuticas, p. 67-72, 2008.
FALCÃO, Deusivania. V. S. (2012). A pessoa idosa no contexto da família. In N. B. Makilin; L. T. Maycoln (Orgs.). Psicologia de família: Teoria, avaliação e intervenção (pp. 100-111). Porto Alegre: Artmed.
FREITAS, Elizabete. V. de et al. (2006). Tratado de Gerontologia e Geriatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
GOLDFARB, Delia.C. & Lopes, Ruth. G. C. (2006). Avosidade: A família e a transmissão psíquica entre gerações. In: Freitas, E.V. et al. Tratado de geriatria e gerontologia: 1374-82. (2ª ed.). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
HAGESTAD, Gunhild O.; BENGTSON, Vern L.; ROBERTSON, Joan F. Grandparenthood. 1985.
OLIVEIRA, Maria. R. (2011). As relações intergeracionais e a participação dos avós na família dos filhos. (Tese de doutorado não publicada). Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.
RAMOS, Anne Carolina. Meus avós e eu: as relações intergeracionais entre avós e netos na perspectiva das crianças. 2011. 464 f. Tese (Doutorado) – Curso de Educação, Faculdade de Educação, Ufrgs, Porto Alegre, 2011. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/32306. Acesso em: 25 jul. 2023.

(*) Raquel da Silva Pavin – Assistente Social, Especialista em Envelhecimento e Qualidade de Vida, Mestra em Políticas Sociais e Serviço Social, Doutoranda em Memória Social e Bens Culturais, Graduanda em Gerontologia. Estudiosa das velhices e autora do livro: “Mulheres idosas e o apoio social”, idealizadora e mediadora do Grupo Tecendo Vivências e do Grupo de Estudos em Velhices Plurais (GEVP). E-mail: pavinraquel@gmail.com Instagram: @geronidade.

Foto destaque de Kampus Production/pexels.


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