A doença modifica, mas não cala o sujeito que permanece em sua essência. A Arte envolve o idoso, mas ela só consegue cumprir o seu papel caso haja o empenho da família e cuidadores, pois o entendimento a respeito dos benefícios da Arteterapia deve vir do entorno, não do idoso que vive a degeneração de suas vontades.
Agora sim! Feliz Ano Novo! Afinal no nosso país o ano novo começa, de fato, após o carnaval.
Penso na importância de, com ele, renovarmos nossas esperanças e postura diante da vida e dos fatos, já que muitos familiares que vivenciam a doença de Alzheimer dentro de seus lares, se perdem em meio ao desespero de ver, diante de seus olhos, o idoso se distanciar da própria vida.
Dura tarefa esta que nos faz questionar: Por quê? Por que comigo? E agora?
Viver é para os fortes e como já disse Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas, “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.
E a vida tem pedido muita coragem. Coragem para seguir em frente com a cabeça erguida buscando realizar sonhos, coragem para continuar apesar da falta que a ausência nos deixa, coragem para insistir, coragem para passar por cima da doença que insiste em nos derrubar, coragem para tentar modificar o que já está acomodado, coragem para vencer o medo de se arriscar, coragem para envelhecer apesar dos pesares.
Quando era pequena costumava brincar com várias crianças uma brincadeira que nem sei bem como explicar. Ficávamos com as mãos fechadas em punho e em roda cantávamos enquanto batíamos as mãos uma nas outras, sempre acompanhando o ritmo da canção com o bater em cada sílaba: Lá em cima do piano tem um copo de veneno, quem bebeu morreu, o azar foi seu.
Viver é esquivar-se do tal copo de veneno, o tempo todo. A incerteza da vida assusta. Seguir em frente com a tal coragem citada por Guimarães Rosa é para os fortes. Escritor mineiro nascido em 1908, João Guimarães Rosa é considerado um dos mais importantes escritores do Brasil. Contista, diplomata e médico, seu talento está registrado em verdadeiras obras literárias. E a Arte nos ensina a transcender o medo e transformá-lo em novas possibilidades.
Envolver o idoso com Alzheimer com a Arteterapia é oferecer a ele a oportunidade de continuar existindo em meio à patologia.
No ateleir do Museu onde trabalho em São Paulo, o ano letivo já começou e eu terminei o primeiro dia de trabalho com o coração batendo num ritmo frenético por ter tido a prova concreta de que o afeto fala, infinitamente mais alto do que qualquer patologia.
Ao ser, longamente abraçada, ela me provou por a+b que as relações construídas a base de carinho, não se dissolvem com a doença.
Elza veio fazer Arte participando das atividades semanais de Arteterapia com empenho e vontade. Mas nem sempre foi assim. Algumas vezes ela se mostrava dispersa, noutras tantas ela jurava que seu marido a esperava para ir embora. A Arte seduz, envolve o idoso, mas ela só consegue cumprir o seu papel caso haja o empenho da família e cuidadores.
O entendimento a respeito dos benefícios da Arteterapia deve vir, não do idoso que vive a degeneração de suas vontades, mas sim do entorno e no caso da Elza, a família e a cuidadora foram essenciais.
Se não fosse a insistência da neta e da sua acompanhante dedicada, Elza não teria vivido o dia de nosso trabalho, tão cheio de arte e alegria.
Portanto, neste ano novo, meus votos vão para os cuidadores, profissionais e afetivos. Deixo aqui registrado meus desejos de novas posturas perante a doença, afinal, naquele idoso existe uma história de vida, existem relações afetivas que foram construídas ao longo da vida. Lembrem-se que a doença modifica, mas não cala o sujeito que permanece em sua essência.
Que neste ano novo, a Arteterapia possa dar voz ao sujeito que o Alzheimer tenta calar.
Familiares, cuidadores e profissionais, em parceria, poderão oferecer novas possibilidades para trilhar o caminho de novas maneiras, afinal, a vida pede CORAGEM! Feliz Ano Novo!
Nota da autora