Entre cargos de comissão e beneficiários do orçamento público, muita coisa há em comum entre aquele Brasil Imperial e o Brasil Republicano às vésperas da segunda década do Século XXI.
Dias atrás, lendo uma pesquisa[1] do Professor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Gilberto Bercovici, sobre o orçamento público e seus reflexos na história oligárquica de um Brasil que já foi Imperial, fico com a impressão que séculos depois ele ainda segue com ares imperialistas…
Segue um trecho interessantíssimo:
CONFIRA TAMBÉM:
No Brasil, tanto o direito de votar e ser votado, como a fiscalização orçamentária, cabiam aos próprios beneficiários do orçamento. Os representantes do povo eram dependentes do governo, pois era o governo quem detinha os seus (ou de seus familiares e amigos) empregos públicos. Os eleitores, provenientes da mesma “classe média”, também dependiam do governo. Eram famosas e temidas, já no Segundo Reinado, as “derrubadas”: demissões em massa de empregados públicos por mudança de situação política. O princípio das “derrubadas” era o da substituição dos ocupantes dos cargos, leais à situação anterior, pelos amigos, aliados e apaniguados da nova situação. Esse era o motivo da efervescência generalizada que ocorria a cada mudança de gabinete.
A criação dos empregos públicos para se aumentar o número de votantes e votados, acabou por se tornar uma das principais distorções do sistema representativo durante o Império, na medida em que criou também toda uma classe de dependentes do governo, que não poderia atuar política e eleitoralmente com independência.
Interessante como entre cargos de comissão e beneficiários do orçamento público, muita coisa há em comum entre aquele Brasil Imperial e o Brasil Republicano às vésperas da segunda década do Século XXI. Digo isso depois de ler a seguinte manchete: “EBC demite ex-estilista de Marcela Temer”.
A matéria[2], assinada pelo jornalista Guilherme Amado e datada de 26/05/2020 destaca que a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) exonerou Luisa Farani Azevêdo, ex-estilista de Marcela Temer.
A matéria também explica que “A publicitária foi nomeada em 2018, no fim do governo Temer, para um cargo de confiança na presidência da estatal. O salário era de R$ 14,3 mil”.
É impressionante o distanciamento entre o discurso e a prática de alguns políticos brasileiros, defensores do Estado Mínimo entre eles, quando o assunto é usar e abusar do Estado para atender seus interesses: aí, a teoria sai de campo e entra com a de o Estado Máximo possível para benefícios próprios.
E o uso secular do empreguismo mediante os cargos de comissão segue à toda. Entra ano, sai ano, entra gestão, sai gestão, seja de direita, seja de esquerda, seja de centro, quem é situação não mexe na cereja do bolo, a indicação do livre provimento de cargos.
Tenho uma hipótese. Quem sabe, algum dia algum pesquisador possa escrever sobre ela: a troca de favores com a indicação de cargos públicos a pessoas incapacitadas para serem gestores públicos é ainda uma das principais fontes de corrupção no país. Políticos corruptos podem, em tese, indicar quem bem entenderem em troca de futuros favores pessoais. Mas isto não deve ocorrer no Brasil. Quem sabe, na Finlândia ou na Islândia.
Enquanto isto, “Câmara do DF aprova plano de saúde vitalício para ex-deputados e parentes”[3] e “Justiça e MP criam ‘penduricalhos’ em meio à pandemia. PGR quer barrar o “bônus covid””[4], o “Brasil tem 4,8 milhões de crianças e adolescentes sem acesso à internet em casa”[5] e “Por dia, Paraná registra três queixas por falta de estrutura no combate à Covid-19”[6]… Aquele Brasil Imperial ainda segue com ares imperiais, onde os “donos do poder” não abrem mão de nada das suas regalias. Pior, seguem ainda mais gulosos, querendo mais e mais das suculentas e saborosas regalias tetas que o Estado lhes dá. Enquanto isto, crianças não têm internet em casa para estudar e profissionais da saúde pública não têm equipamentos indispensáveis para se protegerem de uma doença que pode ser mortal…
Os “Donos do Poder” seguem se beneficiando do orçamento público como se o Erário fosse as tetas da loba e eles, as bocarras dos legendários Rômulo e Remo…
Notas
[1] BERCOVICI, Gilberto. A formação da “democracia” oligárquica no Brasil imperial. Revista Brasileira de Direito Constitucional, N. 3, jan./jun., 2004. Disponível em: http://esdc.com.br/seer/index.php/rbdc/article/download/64/64.
[2] Disponível em: https://epoca.globo.com/guilherme-amado/ebc-demite-ex-estilista-de-marcela-temer-24445802?versao=amp&__twitter_impression=true.
[3] Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,camara-do-df-aprova-plano-de-saude-vitalicio-para-ex-deputados-e-parentes,70003310791.amp?__twitter_impression=true.
[4] Disponível em: https://asmetro.org.br/portalsn/2020/05/09/justica-e-mp-criam-penduricalhos-em-meio-a-pandemia-pgr-quer-barrar-o-bonus-covid/.
[5] Disponível em: https://www.bemparana.com.br/noticia/brasil-tem-48-milhoes-de-criancas-e-adolescentes-sem-acesso-a-internet-em-casa#.Xs57NsB7lPZ.
[6] Disponível em: https://www.bemparana.com.br/noticia/por-dia-parana-registra-tres-queixas-por-falta-de-estrutura-no-combate-a-covid-19#.Xs57gMB7lPZ.
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