Acolher a morte

Acolher a morte

Nossa sociedade precisa falar mais sobre a morte: nas escolas, universidades, igrejas, grupos sociais e familiares, para diminuir o preconceito que temos em relação a ela.

Rosemary Baeninger Anbar (*)

 

Como lidar com o sofrimento diante da morte? Como dizer para uma pessoa que ela está morrendo? Como confortar e ao mesmo tempo falar com clareza sobre como as coisas irão acontecer? Como aceitar que a despedida será inevitável? Como perguntar: o que você gostaria de fazer antes da sua morte? E o que você quer deixar organizado para depois?

Estas questões são, no mínimo, desconfortáveis para muitos de nós. Evitamos falar e até pensar sobre a morte. Na nossa cultura a morte está associada a perda, separação, despedida, sofrimento, tristeza e dor. Estes conceitos sobre morte vêm de muito tempo, na Grécia antiga Thanatus era a divindade que representava a morte, uma figura coberta com um manto preto, com o rosto desfeito e emagrecido, os olhos fechados e com uma foice na mão. Esta imagem nos remete à morte como uma ameaça que um dia irá ceifar nossa vida e a vida de quem amamos. Vemos a morte como algo cruel e implacável, por isso, fazemos o máximo possível para adiá-la.

Acontece que a morte faz parte do ciclo natural da vida. Portanto, quer a aceitemos ou não, ela virá para todos nós. Nos distanciarmos de assuntos relativos a morte só aumenta a dor e o sofrimento de quem vai partir e dos que ficarão. A ausência das palavras nas despedidas aumenta a solidão de quem vai morrer e causa arrependimento por não ter falado para quem vai ficar. Ambos não têm “coragem” de aceitar e falar francamente que a morte é certa e que a separação está prestes a ocorrer.

Cuidados paliativos: foco na pessoa e não sua doença

Nos últimos dez anos vivenciei algumas situações de morte de pessoas muito próximas e queridas da minha família, em cada uma delas fiz todos os questionamentos do início deste texto na minha mente, mas o nó na garganta e as crenças sobre a morte que temos desde criança resultaram num silêncio que não me permitiu falar abertamente sobre a finitude da vida, expressar meus sentimentos e ouvir os sentimentos de quem estava partindo.

No entanto, a vida me deu a grata oportunidade de aprender a ver a morte com outros olhos. Buscando aprimorar meus conhecimentos profissionais em Gerontologia, tive a chance de conhecer estudos científicos sobre Cuidados Paliativos e dentro desta disciplina fui surpreendida pelas reflexões sobre o período de terminalidade, morte e luto.

De acordo com a OMS “Cuidado paliativo é a assistência integral oferecida para pacientes e familiares quando diante de uma doença grave que ameace a continuidade da vida”. O objetivo dos paliativistas é prevenir e evitar o sofrimento físico, psicológico, social e espiritual do paciente, acolhendo também seus familiares. Este trabalho demanda uma equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, orientador espiritual de acordo com as crenças do paciente, entre outros. Nos cuidados paliativos o foco é o paciente e não a sua doença.

O surgimento dos cuidados paliativos na história da medicina é recente, começaram no final dos 60 com a enfermeira, assistente social e médica inglesa Cicely Saunders, que iniciou os estudos de humanização no tratamento de pacientes gravemente enfermos e cuidados paliativos.

No Brasil, os cuidados paliativos começaram a ser introduzidos nos anos 90 pelo Prof. Marco Túlio de Assis Figueiredo, na Escola Paulista de Medicina. Devido a esta história recente existem poucas equipes de médicos e profissionais da saúde preparadas para oferecer cuidados paliativos de qualidade. Os médicos e profissionais da saúde são ensinados nas universidades a salvar e curar o paciente e nessa busca pelo sucesso nos tratamentos há um certo despreparo em aceitar e lidar com a morte.

Um grande dilema para os médicos é saber o momento de passar do “curar” para o “cuidar e confortar” o paciente. Nos últimos anos essa disciplina vem sendo implementada lentamente em alguns hospitais e universidades brasileiras, porém, muito aquém das necessidades.

Estágios do morrer

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A pioneira nos estudos sobre tanatologia (estudo da morte) foi a psiquiatra suíço-americana Elizabeth Kübler-Ross que, nos anos 70, dividiu em cinco fases o processo mental que passa o paciente e seus familiares a partir do conhecimento de um diagnóstico de doença gravíssima e incurável.

A primeira fase é a negação, numa tentativa de defesa, logo após o impacto do diagnóstico, o paciente e seus familiares negam e não acreditam que aquilo possa estar acontecendo. No segundo estágio ocorre a indignação, aparecem os sentimentos de raiva e revolta pela doença. O terceiro é a barganha, uma tentativa de negociar a cura ou um tempo maior de vida com Deus ou uma força maior que a pessoa acredite. Quando a barganha não está dando certo vem o quarto estágio que é a depressão, nesta fase há um sentimento profundo de perda. O quinto e último estágio é a aceitação, nele há uma certa tranquilidade, que não deve ser confundida com felicidade.

Segundo a Dra. Kübler-Ross, nem sempre estas fases ocorrem nesta ordem e nem todos os pacientes passam por todas elas, mas todos passam por pelo menos duas fases.

Tendo conhecimento sobre cuidados paliativos e sobre os estágios do morrer, a equipe profissional está capacitada para escutar, entender e atender as necessidades do paciente e seus familiares. Com empatia e compaixão pode ajudar a se prepararem para a morte e, no momento certo, discutir sobre suas vontades, encorajar reconciliações e despedidas, a vida e as lembranças do paciente devem ser valorizadas.

O diálogo entre os familiares fortalece os laços afetivos e facilitam a partida. Perder alguém traz mudanças significativas na vida de quem fica, exigindo uma reestruturação desta pessoa e da família. A professora Mônica Queiroz, terapeuta ocupacional paliativista diz que: “quanto melhor estiver a nossa saúde emocional antes do luto, menos complicado será passar por ele”.

O conhecimento e a reflexão desmistificam a morte, de forma que ela volte a fazer parte do ciclo natural da vida. Nossa sociedade precisa falar mais sobre a morte nas escolas, universidades, igrejas, grupos sociais e familiares, para diminuir o preconceito que temos em relação a ela.

Para acolher a morte, paciente, familiares, médicos e outros profissionais devem interagir com consideração e respeito, para, enfim, aceitá-la de forma serena e em paz.

Bibliografia
KÓVACS, M.J. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1996
KOVÁCS, M.J. Educação para a Morte. Temas e Reflexões. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
KOVÁCS, M. J. Contribuições de Elizabeth Kübler-Ross nos estudos sobre a morte e o morrer, 2007.
MARENGO, MO; SILVA RHA. Terminalidade de vida: bioética e humanização em saúde. Revista Medicina (Ribeirão Preto) 2009; 42(3):350-7
MORITZ, RD; NASSAR, SM. A atitude dos profissionais de saúde diante da morte. Ver. Bras. Terapia Intensiva, 2004; 16:14-21.
QUEIROZ, M.E.G. Atenção em cuidados paliativos. Cad. Ter. Ocup. UFSCar, São Carlos, v. 20, n. 2, p. 203-205,
PESSINI, L; BARTACHINI, L. Humanização e Cuidados Paliativos. São Paulo: Loyola; Centro Universitário São Camilo, 2004.

 

(*) Rosemary Baeninger Anbar é Fisioterapeuta. Texto escrito para o curso Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, ministrado pelo Cogeae (PUC-SP), no primeiro semestre de 2018. Email: [email protected]

Foto: destaque de Martin Adams e interna de Hugues de Buyer-Mimeure

 

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