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A Sérvia está envelhecendo e enriquecendo ao mesmo tempo

paisagem da Servia vista da água

O temido “inverno demográfico” da Sérvia está se transformando em primavera social e ambiental.


A Sérvia é um país do leste europeu, localizado na região dos Balcãs e faz fronteira com Montenegro, Bósnia e Herzegovina, Croácia, Macedônia do Norte, Albânia, Romênia, Bulgária e Hungria. Após a Segunda Guerra Mundial, formou a República Socialista Federativa da Iugoslávia, comandada por Josip Broz Tito, um dos principais líderes do Movimento dos países não alinhados.

Mas depois da morte de Tito, em 1980, cresceram os conflitos étnicos na Iugoslávia e com o fim da Guerra Fria e o fim da URSS, houve desintegração da Iugoslávia, com a Sérvia se tornando a herdeira da maior porção da antiga Iugoslávia.

A população da Sérvia era de 6 milhões de habitantes em 1950, cresceu nas décadas seguintes e atingiu o pico de 7,99 milhões de habitantes em 1990. O decrescimento populacional começou em 1991 e a população caiu para 7,2 milhões em 2023, deve ficar em 6,8 milhões em 2030 e diminuir para 3,3 milhões em 2100.

Ou seja, a população deve diminuir 2 vezes entre 1950 e 2100 e cerca de 3 vezes de 1990 a 2100, conforme mostra o gráfico abaixo da Divisão de População da ONU.

A taxa de fecundidade total (TFT) na Sérvia estava em 3,1 filhos por mulher em 1950 e caiu para 1,5 filhos em 2023. A expectativa de vida ao nascer era de 57,7 anos em 1950 e passou para 75,2 anos em 2023. A idade mediana era de 24,5 anos em 1950 e passou para 43,2 anos em 2023.

Portanto, caíram as taxas de fecundidade e mortalidade (aumentando a expectativa de vida) e houve um envelhecimento da estrutura etária. Desta forma, o envelhecimento e o decrescimento populacional são frutos da transição demográfica.

O gráfico abaixo, da Divisão de População da ONU, mostra que o percentual de idosos (60 anos e mais de idade) estava abaixo de 10% em meados do século passado, chegou a 20% na virada do milênio, atingiu 27% em 2023 e vai ultrapassar 40% no final do atual século. Portanto, o envelhecimento populacional tem sido profundo e rápido desde 1980.

Cabe ressaltar que, nos últimos 30 anos do século XX, a população sérvia cresceu de 7,2 milhões em 1970 para 7,94 milhões no ano 2000. Porém, a renda per capita, em poder de paridade de compra (ppp), segundo o Projeto Maddison, passou de US$ 6,5 mil em 1970 para US$ 11 mil em 1989 e caiu para US$ 6,1 mil no ano 2000.

Portanto, o gráfico mostra que houve crescimento demográfico com decrescimento da renda per capita nas 3 décadas finais do século XX. A população sérvia ficou mais pobre no período em que a estrutura etária era ainda relativamente jovem.

Todavia, o quadro mudou para melhor nos primeiros 30 anos do século XXI. O gráfico abaixo mostra que a população da Sérvia era de 7,94 milhões no ano 2000, caiu para 7,2 milhões em 2023 e deve ficar com 6,8 milhões de habitantes em 2030 (uma queda de 14% em 30 anos).

Já a renda per capita, em poder de paridade de compra, com dados do FMI, passou de US$ 8,9 mil no ano 2000, para US$ 21,5 mil em 2023 e deve alcançar cerca de US$ 27,8 mil em 2029 (um aumento de 212%). Assim, a Sérvia está deixando para trás a armadilha da renda média, concomitantemente, ao envelhecimento e ao decrescimento populacional.

O fundamentalismo religioso e os setores tanto de direita, quanto de esquerda que cultuam o desenvolvimentismo a qualquer custo interpretam o envelhecimento populacional conjugado com o decrescimento demográfico como “suicídio populacional” ou “inverno demográfico”, como se fosse uma recessão demoeconômica catastrófica.

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Contudo, o exemplo da Sérvia mostra que o decrescimento demográfico e o envelhecimento populacional não impedem o crescimento da renda per capita. O decrescimento da população em idade ativa, de fato, significa o fim do 1º bônus demográfico.  Mas os países podem contar com o 2º bônus demográfico – bônus da produtividade – e o 3º bônus demográfico – bônus da longevidade e da geração prateada.

Os idosos devem ser vistos como um ativo produtivo e não como um passivo que representa apenas gastos de uma população improdutiva. Um país com menos habitantes facilita a restauração ecológica. Desta forma, o temido “inverno demográfico” da Sérvia está se transformando em primavera social e ambiental. A Sérvia tinha um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,689 no ano 2000 e passou para 0,805 em 2022, ocupando o 65º lugar (o Brasil está em 89º lugar).

O que acontece na Sérvia não é um caso isolado, mas se repete na Bulgária, na Romênia, nos países bálticos, etc. Como mostrei no artigo “Decrescimento da população da China com crescimento da renda per capita” (Alves, 13/03/2024) a China – a maior economia do mundo em termos de poder de paridade de compra – continua apresentando crescimento do PIB em ritmo superior a 4% ao ano na atual década, mesmo com a população em idade ativa estando diminuindo há mais de 10 anos.

A população total da China já está caindo desde 2022, mas a renda per capita continua aumentando. A China é um país de renda média, mas deve se transformar em país de renda alta, mesmo com o número de idosos superando o número de crianças e jovens de 0 a 14 anos.

O envelhecimento populacional é inexorável, mas isto não implica necessariamente em retrocesso nos indicadores sociais. O mundo será um lugar melhor para se habitar se o decrescimento populacional dos países for acompanhado do aumento da renda per capita e da redução da pegada ecológica e do déficit ambiental. Um mundo com menor quantidade de pessoas pode ser um mundo com maior bem-estar humano e ecológico.

Não existem países ricos com estrutura etária jovem. Enriquecer e envelhecer são fenômenos sincrônicos. O Brasil pode mimetizar o exemplo da Sérvia para impulsionar as políticas de bem-estar humano e ambiental em um quadro de aumento do envelhecimento populacional e de futuro decrescimento da população brasileira.

Referências
ALVES, JED. Decrescimento demoeconômico com elevação da prosperidade social e ambiental, Ecodebate, 20/01/2023. Disponível em: https://revistalongeviver.com.br/index.php/revistaportal/article/view/1050/1100

ALVES, JED. Decrescimento da população da China com crescimento da renda per capita, Ecodebate, 13/03/2024. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2024/03/13/decrescimento-da-populacao-da-china-com-crescimento-da-renda-per-capita/

ALVES, JED. A janela de oportunidade está se fechando e como enriquecer e envelhecer ao mesmo tempo, Revista Longeviver, 1º trimestre de 2024. Disponível em: https://revistalongeviver.com.br/index.php/revistaportal/article/view/1050/1100

Foto de Boris Hamer/pexels.

Atualizado às 13h24


José Eustáquio Diniz Alves

Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE. Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br. Link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

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