A magia do encontro e a conspiração a favor

A magia do encontro e a conspiração a favor

Narrar é Viver é o tema que o grupo Reproposta conduziu ao longo de 2019 na Universidade Aberta à Terceira Idade da USP sob a orientação da professora sênior da ECAUSP Cremilda Medina.

Mário Lucena e Cristiane T. Pomeranz (*)


Dezenas de grupos da terceira idade se encontram todo semestre na USP para estudar, debater, socializar momentos únicos de aprendizado, prazer, alegria e felicidade. Tem gente que entrou para a Universidade Aberta na década de 1990 e continua firme ainda hoje. O Reproposta se formou em 1997 na ECAUSP. Este ano os encontros foram transferidos para o CEUMA, Centro Universitário Maria Antônia, com 25 alunos em média, a turma tem 30 inscritos. Cada encontro semanal é um momento único de magia e encanto, mas o da última semana de novembro foi especial porque o grupo conspirou a favor para devolver a magia de todo o semestre para a maga que espalha seu feitiço aula após aula.

A conspiração começou quando Cremilda Medina comunicou que faria 55 anos de casada e gostaria de comemorar lançando um livro em conjunto com o marido, o escritor Sinval Medina. A ideia de comemorar com um livro duplo encantou o grupo. Dois livros em um. Um livro duplo.

O grupo se encarregou de fazer a produção gráfica e correu para deixar o livro pronto até o dia do encontro de encerramento do semestre. Sem o casal saber, tramou-se um pré-lançamento com direito a festa com muita comida, suco, bolo e vela comemorativa dos 55 anos de casamento. Para ser perfeito, a presença de Sinval Medina seria fundamental. O grupo, então, teve a ideia de convidá-lo para uma roda de conversa. Por se tratar de um dia especial, convidou-se algumas pessoas especiais. Velhos amigos do casal. E um texto foi escrito a partir das memórias de um dos convidados, o livreiro Piassa, e do seu sócio, Toninho.

Na véspera, nada do livro chegar. Quando tudo parecia desmoronar, às dez da noite a encomenda é entregue. Madruga-se no dia seguinte para preparar a sala e esconder os livros em uma sala anexa com a cumplicidade dos funcionários do CEUMA, Valdir  e Roberto. Tudo perfeito até a professora chegar sozinha.

Sinval infelizmente teve uma indisposição e não poderá vir. A ausência do escritor complica tudo, pois a ideia era termos uma roda de conversa com ele e, em seguida, fazermos a surpresa aos dois, Piassa se revelaria, mostraria o livro etc. etc. etc.

E agora José? Faltam 20 minutos para as nove e a professora só pensa em dar aula. Quer aproveitar para começar antes do horário porque está praticamente todo mundo presente.

Professora, nossa aula começa às nove. Ah, mas já vamos adiantando, temos muito trabalho pela frente. Dois alunos deixam a sala com a desculpa de tomar café. A conspiração segue. Todo mundo nervoso, inquieto, sem saber como neutralizar o feitiço da professora que é forte.

O Sinval não pode fazer isso com a gente. Vamos buscá-lo. Seria uma missão impossível não fosse livro. Levamos um exemplar para mostrar a obra acabada e fazer um apelo para que vá autografar, pois todos os alunos contribuíram para fazer o livro e contam com este mimo. Sacrificamos parte da surpresa por uma boa causa. Quando Sinval viu o livro, melhorou no mesmo instante.

Estarei lá até às 11:00, garanto. Pedimos que guardasse segredo, pois, a partir de então, até a chegada dele na sala passaria a ser surpresa para Cremilda que já havia anunciado que o marido não viria.

A professora tentou tocar o barco a todo vapor. Como sempre, espalhava sua magia pela sala, mas seus feitiços não surtiam o mesmo efeito. Para completar, a presença de convidados obrigava a professora a buscar temas/feitiços de maior alcance quando queria focar apenas na produção do semestre.

Definitivamente o dia era para confraternizar e ficou claro com a chegada da velha amiga, professora sênior Lenina Pomeranz da FEAUSP, que passou para dar um abraço na professora Cremilda. Lenina roubou meia hora da aula com sua apresentação pormenorizada. Parecia combinado. O grupo se deliciava com a fala de Lenina que funcionava como um contrafeitiço. Depois foi a vez de Neuza Guerreiro de Carvalho dar seu show. Cremilda não entendia porque sua magia neste dia não funcionava enquanto outras, bem mais fracas, faziam um belo estrago.

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E os livros começaram a falar quando já não havia convidados ilustres para se apresentar. Falou o livro do Restrepo, O Direito a Ternura, e falou o livro da Cremilda, Viagem à Literatura Portuguesa Contemporânea. Este livro acabou revelando a presença de Piassa. A professora o reconheceu e como se tivéssemos combinado Sinval invade a sala e recebe uma salva de palmas e um abraço caloroso do velho amigo Piassa. Sinval já sabia que Piassa o esperava, não era surpresa, mas a professora Cremilda se viu envolvida em uma rede com muitos nós a desatar. Seus feitiços não funcionavam. E para completar, Piassa sacou o livro duplo para pedir o autógrafo do casal. Sinval fingiu surpresa, enquanto Cremilda se viu definitivamente presa nos fios da meada e envolvida por uma colcha de retalhos. Só restava chorar lágrimas de alegria porque, nas suas palavras, o que ocorreu ali presentificou sua utopia pedagógica, o desejo do signo da relação e pôs-se por terra qualquer ceticismo da sensibilidade solidária. Teceu-se os fios de um grupo que só me ensinou a arte do presente e as memórias eternas enquanto a vida e o registro derem conta da projeção para o futuro. Ou seja, enquanto pensávamos agir de forma independente, agíamos sob o feitiço da maga, condicionados que estamos ao seu feitiço.

Sinval Medina está ótimo. Conta como melhorou com a chegada do livro e revela parte da conspiração. Sente-se à vontade no petit comitê por duas afinidades, uma são cabelos prateados e a outra é saber que somos velhos colecionadores de histórias. A conversa segue em tom agradável e respeitoso, pois a turma relaxa finalmente. Cremilda cede o lugar e a turma ao marido. Conforma-se. Integra-se ao bate-papo descontraído sobre os mistério da escrita, da criação de personagens, dos roteiros.

Meio-dia. Cansados e esfomeados todos tem que fazer caras de inteligentes para sair na fotografia. Uma foto histórica antes da festa dos autógrafos com comilança, abraços, beijos e muito afeto. Assim nasce o livro Colcha de Retalhos de Sinval Medina e Fios da Meada de Cremilda Medina. Ah, o curso, segue agora com a produção de um livro a partir dos textos desenvolvidos nas oficinas ao longo do semestre com previsão de lançamento no primeiro semestre de 2020 e em julho montaremos a nova turma que iniciará as oficinas com Cremilda Medina em agosto.

(*) Mário Lucena e Cristiane T. Pomeranz fazem parte do grupo e são blogueiros do Portal do Envelhecimento.


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