Tempos atrás, vinte anos aproximadamente, “encontrei” com um dos maiores escritores que conheço: o brasileiro Affonso Romano de Sant’Anna. Na época, descrevia de forma Affonsiana, o “dilema” de quatro pessoas que fariam 30 anos. “O limiar de uma coisa grave”, relatava-se em certo momento. Completar três décadas seria a saída de um estado agudo de prazer, felicidade, controle e, sobretudo, “poder.” Fazer trinta anos é resgatar o tempo perdido ou usá-lo, com muita cautela, o pouco que ainda “resta” para fazer ou mudar umas tantas importantes coisas que, por falta de tempo, ou esbanjamento dele, não fizemos. Bom mesmo é esquecer o que virou só passado, por falta de grandes marcas.
Alcides Freire Melo *
Até chegarmos às três primeiras décadas, atravessamos curtas e complexas fases. Começamos do zero, bebezinhos molengas e seguimos assim, engatinhando, por mais uns poucos anos. Por mais alguns anos ficamos puxando a barra da saia da mãe. Logo, testamos o tamanho da conta bancária e a paciência dos pais. É uma época de muitas brincadeiras e aprendizados que duram, aparentemente, por conta da incompreensão dos valores e tudo que nos rege, incluindo a ansiedade, poucos meses ou dias.
Depois, já aos 15 anos, é quando começamos a “brilhar”. É agora que descobrimos que o universo não tem limites, nem fim. Nossas vidas também. Ficamos indóceis e procuramos desesperadamente afugentar a infância para enfiar o pé, todo o nosso corpo ou somente parte dele na adolescência. Descobrimos agora que podemos ter uma relação de desejo sem a necessidade ou interferência de sentimentos profundos. Leves, talvez. É o momento das descontroladas e fugazes paixões. Vivemos e precisamos ainda de sustento, proteção para nos manter falando para provarmos a nossa existência. Somos racionais, mas com pouca ou quase nenhuma lógica.
Com emprego, dinheiro no bolso e a “irresponsabilidade” dos vinte e poucos anos que agora nos guia e rege, passamos a “comprar”, idealizar, fazer balanço dos sonhos, criar outros e parar aos trinta. Depois disso, pagar as contas que começam a chegar, algumas irresponsavelmente criadas, outras nem tanto. É hora de comportar-se como adulto de verdade e precocemente, aos trinta anos… Casar. Muitas vezes, uma ação tangida pela insensibilidade ou descuido de uns poucos novos e inábeis neurônios que teimam em reger o universo dos trinta anos. O ideal? Bom mesmo seria aos 40 anos, acho eu. Mas esta é outra história.
Para quem já viveu 59 anos, onze meses e 29 dias, resta apenas um único dia para vislumbrar de “longe”, as modificações que a força da gravidade causará aos vivos. Esta gigantesca e infalível força segue atrevida e desnecessariamente competente, pendurando quase tudo que se mostrara a altura dos olhos. Auxiliada, e agora unida a outros conceitos, os físicos e químicos, por exemplo, que descuidamos de regrar, trata agora de amolecer também partes que o coração, antes com poucas bombeadas mantinha, sem dificuldades, firmes, incluindo as pernas. Assim é a vida física. Assim é a lei da vida.
Amanhã acordaremos com os aguardados 60 anos. Assim, a vontade e o apetite sexual começarão a diminuir um pouco. Hora de provocar outros prazeres ao corpo. O erotismo, por exemplo, que independe deste apetite. Com ele vamos gostando ainda mais das músicas de amor do Chico Buarque, de motores V8, viajar por toda a Europa em carro alugado ou pilotar uma moto Ténéré pela famosa Highway 1, na Califórnia. Fazer 60 anos não é como morder uma pimenta malagueta. Fazer 60 e poder brindar com uma Dom Périgon, ou um Château-Figeac e seguir por outras estradas, trilhas, autobahn ou rout por dez décadas para poder reinventar os 70.
* Alcides Freire Melo – Repórter fotográfico e cronista em diferentes periódicos. E-mail: [email protected]