20 anos do Estatuto da Pessoa Idosa, podemos comemorar?

20 anos do Estatuto da Pessoa Idosa, podemos comemorar?

Ao longo dessas duas décadas, boa parte das pessoas idosas morreu, em condições precárias e sem dignidade, sem conseguir nem mesmo se aposentar.


No dia 01 de outubro de 2023, o Estatuto da Pessoa Idosa – Lei Federal n.º 10.74, de 01 de outubro de 2003 – completa 20 anos. O Estatuto é um instrumento de imensa importância, garantindo direitos de várias ordens para a população com 60 anos ou mais no território brasileiro. Ocorre que, apenas comemorar o seu aniversário, sem refletir sobre a efetividade dos direitos por ele garantidos, certamente não é o caminho mais acertado.

O Brasil é um país em desenvolvimento no qual a população envelhece em situações de extremas desigualdades, o que nos leva a afirmar, de pronto, que boa parte das pessoas com 60 anos ou mais nem mesmo sabe quais são os direitos garantidos a elas pelo Estatuto ou são cidadãos que não tem condições reais de exercê-los.

Ao longo dos 20 anos da existência do Estatuto, a parcela da população de pessoas idosas no Brasil dobrou, havendo estudos que comprovam que seremos um dos 64 países do mundo que até o ano de 2050 terá, no mínimo, 30% de sua população composta por pessoas com 60 anos ou mais e, ainda, que essa população até o ano de 2065 deverá ultrapassar os 33%.

Essa população que “cresce” é a prova viva (ainda que muitos não vejam com essa “vida toda”) que o envelhecimento é fato, e um fato inegável, irreversível e que aumentará notavelmente cada vez, na medida em que os anos passem.

Ao longo dos 20 anos do Estatuto da Pessoa Idosa, muitas e significativas foram os avanços quando falamos dos direitos das pessoas idosas, relembrando que até mesmo antes disso, a Constituição Federal em vigor, promulgada aos 05 de outubro de 1988, foi a primeira Constituição brasileira a trazer disposições de direitos às pessoas idosas.

Ocorre que, mesmo com essas garantias e essa realidade, perguntamos: será que podemos comemorar?

Antes de comemorar, ponderamos que mais do que refletir é preciso agir. Precisamos de políticas públicas mais eficientes, que considerem igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, e de atitudes pessoais e coletivas mais inclusivas, protetivas e empáticas, para se dizer o mínimo.

Não é possível que passemos os próximos anos negando o envelhecimento, como se ele fosse uma questão que pertence ao outro e não a cada um de nós, já que a alternativa ao envelhecimento é a morte (sim, a menos que seja sua opção não envelhecer, você morrerá antes disso, desculpe a má notícia).

As desigualdades sociais precisam ser consideradas quando da elaboração de políticas públicas, já que os direitos e as garantias precisam valer para todos, independentemente das pessoas a exercê-los estarem em um grande centro ou em uma área periférica. Isso, inclusive, é um dos fatores primordiais para que verbas públicas sejam utilizadas de maneira mais assertiva, amparando os que realmente necessitam e evitando rombos aos cofres públicos.

Cada cidadão precisa se conscientizar, de fato, sobre como age e sobre como pensa a respeito do envelhecimento e da velhice. São atitudes individuais que levam a uma mudança de comportamento coletivo e a uma revisão de valores sociais.

A pessoa idosa não pode mais ser desconsiderada, em desrespeito a todas as contribuições para o país que efetivou ao longo de sua longeva existência. Não dá mais para se afirmar que, quando satisfeitos alguns direitos a essa parcela da população, esses são os mínimos existenciais.

A dignidade humana de todas as pessoas idosas precisa ser vista e contemplada como o máximo existencial, e todos nós precisamos, em conjunto, refletir e agir para que isso seja um fato concreto.

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A cultura de um povo não muda em um período curto de tempo e estamos longe de acreditar nisso, mas com relação à forma como a sociedade brasileira contempla a sua população idosa e o envelhecimento, é preciso uma reflexão e uma ressignificação de atitudes sobre o assunto.

Envelhecemos, expressivamente, mas fizemos e fazemos isso negligenciando a velhice, silenciando pessoas idosas e retirando de boa parcela de nossa população longeva os direitos dessas pessoas a serem quem são.

Incontáveis são as condutas de muitos que evidenciam um preconceito total e absoluto contra a idade de alguém, já que muitas são as práticas discriminatórias em incontáveis cenários, em atitudes maciças de etarismo/idadismo.

Os 20 anos do Estatuto da Pessoa Idosa é um marco histórico de inegável importância, haja vista que ele é um instrumento que garante uma proteção extremamente necessária para pessoas com 60 anos ou mais que ainda passam fome, que não tem acesso a saneamento básico, que são analfabetas (em especial digitais), que são excluídas de tratamentos em saúde porque muitos deles são considerados como desnecessários a elas e que são vítimas de muitas outras ordens de violência, dentre tantos outros motivos que impedem que seja, igualmente, um marco comemorativo.

A história é de grande importância para que possamos aprender com ela, em especial a não repetirmos os mesmos erros, e ela é sempre contada pelos vencedores.

Na história do Estatuto da Pessoa Idosa, ao longo de seus 20 anos de existência, muitas são as clarezas sobre os erros cometidos pela sociedade com relação à população longeva e, infelizmente, por eles serem muitos, não é essa mesma parcela de pessoas que pode contar a seu respeito.

Ao longo dessas duas décadas, boa parte das pessoas idosas morreu, em condições precárias e sem dignidade alguma, sem conseguir nem mesmo se aposentar, depois de anos de trabalhos, por vezes em situações do que hoje chamam de empreendedorismo, mas que, na realidade, eram decorrentes de atividades esporádicas, sem qualquer proteção legal ou contribuição previdenciária efetiva porque comer e seguir a vida eram mais importantes.

Outras tantas estão passando privações inúmeras e seguem, em uma vida meramente biológica, em alguns cenários, sem qualquer dignidade.

Muitos foram os Josés, as Marias, os Joaquins, as Beneditas, os Antônios, as Aparecidas e tantos outros brasileiros que não chegaram aos 01º de outubro de 2023 com vida ou são pessoas que estão em situação de absoluta indignidade e que, por esses motivos, não podem comemorar os 20 anos do Estatuto da Pessoa Idosa e nem mesmo contar a sua história, ainda que sejam a parte mais bonita e importante dela.

Então, por suas memórias ou por respeito às suas histórias, que possamos refletir e buscar por um envelhecimento mais digno e mais humano, ainda que em consideração aos Enzos, às Mariás, aos Luans, às Eloas, e a tantos outros brasileirinhos que ainda nem sabem, mas um dia vão ouvir que são cidadãos de um país do futuro e que, quem sabe, um dia, poderão comemorar as pessoas idosas que serão, ainda que contem sem grandes festividades sobre como era com seus antepassados…

Foto destaque de Moe Magners/pexels


Natalia Carolina Verdi

Advogada, Mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP, Especialista em Direito Médico, Odontológico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito, Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, Professora, Palestrante, Autora, Presidente da Comissão de Direito do Idoso para o ano de 2022, junto à OAB/SP – Subseção Penha de França. Instagram: @nataliaverdi.advogada www.nataliaverdiadvogada.com.br E-mail: [email protected]

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Advogada, Mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP, Especialista em Direito Médico, Odontológico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito, Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, Professora, Palestrante, Autora, Presidente da Comissão de Direito do Idoso para o ano de 2022, junto à OAB/SP – Subseção Penha de França. Instagram: @nataliaverdi.advogada www.nataliaverdiadvogada.com.br E-mail: [email protected]

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