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Voo livre de Severinos

Desesperança, tristeza e medo estão subindo às nuvens mais rápidos do que os sonhos bons. Fazem isso determinados a destruir o futuro.


Meu nome é Blublu e minha parceira, Blulinda. No início, éramos conhecidos por Bem-querido e, minha parceira, Bem-amada. Sim, somos um casal de bem-te-vis (Pitagus sulphuratus), gostaram? Somos monogâmicos, territorialistas, fiéis e lutadores habilidosos. Somos fortes, corajosos, livres e, juntos, voaremos assim até a eternidade. Estes nomes recebemos recentemente, e gostamos muito. Foram dados por duas pessoas, Ana e Miguel, casal de bem-amados que deixamos ocupar ocasionalmente, por direito adquirido, ótimo comportamento, respeito conosco e defende os meus semelhantes o “NOSSO” território.

Mais: até hospedarem-se no “NOSSO” castelo. Tudo por afinidade, pois, mesmo em idioma diferente, conversamos sobre muitos assuntos que nos preocupam. Desmatamento, espécies em risco de extinção, queimadas e agrotóxicos, por exemplo, são os temas mais debatidos.

Do alto da torre do meu castelo, contemplo vales, montanhas, serras e planícies. Atiro-me no espaço e, saio em voo rasante em qualquer direção, não é fuga. É liberdade. Aqui, no lugar onde eu vivo, sou um ser superior. A cada minuto que decido, decolo. Imponente, me lanço e caio em direção ao céu e, em queda livre, fico planando ao desejo do vento, aproximando-me do infinito. Tudo acontece por diversão e prazer, somente. Procuro a altura máxima até quase faltar o ar, um pouco mais… agora estou próximo das nuvens. Descobri ser este o “lugar”, as nuvens, onde os homens depositam seus sonhos.

Muitos deles, por medo de terem seus sonhos roubados, talvez, esconde-os aqui nas nuvens, juntos, bem juntinhos, amontoam-se e esquecidos perdem a validade de execução. Tornam-se para sempre, sonhos. Hoje, mais do que nunca, poucos se materializam, mesmo os que nasceram simples e, pareciam fáceis, transformaram-se em pesadelos, torturas. Perderam-se. Não há como alimentá-los: estão morrendo. O que impressiona, agora, é a quantidade que está aprisionada, não consegue sair das nuvens e tornam-se vida, realidade. Foram petrificados, congelados, contentaram-se com o mínimo. A ausência venceu.

Desesperança, tristeza e medo estão subindo às nuvens mais rápidos do que os sonhos bons. Fazem isso determinados a destruir o futuro. Destroem e leva-os até um lugar chamado vazio, solidão, onde é proibido sonhar. E lá ficam aprisionadas às esperanças que poderiam salvar vidas. Fecham-se os caminhos que levariam ao futuro, que cada um escolheu. Foram destruídos. Acho que não vale mais vocês, humanos, sonharem tanto. Aqui do alto, percebo, agora, uma traiçoeira névoa no horizonte. Não vejo mais nada além. Ela esconde a vida. Não é névoa de frio, é de fogo, de destruição. É a fumaça da morte. Ela fede à pena queimada, couro estorricado, árvores virando braseiro. É fogo ateado por vocês, “Homo sapiens”.

Mergulhamos em queda livre, desviamos do fumaceiro que atravessamos rápidos. Neste caminho, sem marcas e obstáculos, cantamos, gritamos e damos cambalhotas. Fecho os olhos e arrisco-me ao looping; ao meu lado, também de olhos fechados, segue Blulinda. Sinto sua presença, com barulho do vento em suas penas das asas. Escuto as batidas do coração no mesmo ritmo que o meu, mas o dela parece mais forte e seguro. Deixamos no céu uns riscos invisíveis aos olhos de quem não sabe voar. Abrimos os olhos e voltamos às alturas. Em voo sereno conquistamos a permissão para vigiar e evitar a aproximação perigosa de intrusos ao nosso território. Estes invasores, embora avisados, ainda teimam em invadir nossa reserva.

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A este casal, a quem empresto ocasionalmente meu castelo, fazemos pela simpatia e, o tanto de tempo que eles já voam juntos. Já somos amigos faz tempo. Bem que eles poderiam ser um casal de bem-te-vis. Seria mais fácil voar com eles.

Mas, foi um dia, por susto e seguido por medo, voando em rasante, por molecagem, vigilância relaxada e descuidada do nosso território, descobrimos assustados, um monstro vermelho, olhos de fogo e parado frente ao meu portão já aberto, entraram. Avaliei que, por grande descuido, eles entraram. Em rasantes e gritos, alertei sobre o perigo físico em que eles se encontravam por invadir uma área privada. Neste momento, percebi que recuar um pouco seria mais prudente. Para minha surpresa, meus inquilinos do Castelo saíram de dentro de uma perigosa e enorme armadura vermelha.

Depois do susto, fortes bicadas e um “bombardeio” em rasantes, foi dada a permissão de continuar no MEU TERRITÓRIO.

Foto destaque de Anton Polyakov/Pexels


Alcides Freire Melo

Repórter fotográfico e cronista em diferentes periódicos. No Portal colabora com crônicas e fotos. Email: alcidesfreiremelo@gmail.com

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