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Você não estava aqui – Filme denúncia sobre as novas relações de trabalho na economia neoliberal

Filme denúncia tem narrativa focada nas relações da família Turner, entre o casal e os filhos e entre o casal e suas relações de trabalho. Histórias singelas e comoventes da cuidadora Abbie com alguns de seus clientes idosos. E histórias tensas e às vezes brutais do mundo do trabalho de Turner. Toda a tensão de uma sociedade onde predomina o trabalho precarizado e o desmonte da saúde pública.


Gostaria de ser lembrado como alguém que não se rendeu. Não se render é importante, porque a luta continua. E as pessoas tendem a se render quando ficam velhas.” (Ken Loach)

Ken Loach é um cineasta inglês de 83 anos. E continua no seu trabalho, com excelência. Acaba de ser lançado no Brasil, o seu novo filme, Você não estava aqui. Em 2017, Ken Loach ganhou a segunda Palma de Ouro como melhor filme no festival de Cannes, Eu, Daniel Blake. O filme conta a saga de um idoso que sofre um ataque cardíaco e precisa parar de trabalhar. Sem aposentadoria, Daniel Blake percorre os labirintos da humilhação e desesperança do fraturado sistema de saúde inglês, como bem demonstrado em artigo publicado recentemente aqui no Portal.

Você não estava aqui, continua a denúncia sobre a devastação causada pelas novas relações de trabalho, em uma família inglesa com dois filhos adolescentes. O casal está engajado no trabalho contemporâneo. O marido, interpretado por Kris Hitchen, é motorista de uma empresa de entregas das grandes companhias de vendas online. A mulher, interpretada por Debbie Honeywood, é cuidadora de idosos, vinculada à uma agência.

Ricky Turner, desiste de trabalhar na dura vida de operário faz-tudo da construção civil, para ingressar no mundo do trabalho controlado por plataformas digitais e aplicativos. A cena em que ele faz a entrevista de emprego com o personagem Maloney, o ator Ross Brewster, que é o RH, o capataz e o gerente de produção da empresa, é a síntese das novas relações de trabalho “uberizadas”. O motorista Turner, só tem despesas e duras metas a cumprir. O mito do trabalhador como empreendedor de si é desmascarado quando Maloney lhe apresenta as metas de produtividade e se redime de pagar seguro e direitos. Imediatamente o trabalhador assume dívidas ao assinar o contrato. Se ele não puder cumprir sua jornada, tem que pagar por um motorista substituto. Tem que pagar pelo mini computador com todas as informações da rota e dos produtos que tem que entregar. Algumas entregas, com hora marcada. Turner opta por se endividar mais e impor sacrifícios à esposa ao vender o carro dela para dar entrada em uma van e assumir uma pesada dívida. Para pagar tudo, tem que trabalhar 14 horas por dia, 6 dias na semana.

A esposa Abbie Turner, é uma dedicada cuidadora de idosos, vinculada à uma agência. Cuida dos “seus idosos como se cuidasse de sua mãe”. Tem que cumprir horários rígidos controlados pela agência. Cuidar de idosos não é um trabalho mecânico e envolve sentimentos e preocupação. Os idosos apresentam sintomas próprios da velhice como o Alzheimer e mobilidade reduzida. Vivem sozinhos, separados das famílias e dependem do trabalho do cuidador. Pequena amostra de como vive a população idosa em um país como a Inglaterra. Muitas vezes Abbie faz horas-extra pois estabelece uma relação de carinho recíproco com seus clientes, que tem demandas inesperadas. A agência não paga as horas-extra. Abbie trabalha muito, com muito sacrifício pois tem que usar o ônibus e andar a pé para chegar à casa dos clientes. E como toda mãe e dona de casa, faz a tripla jornada de trabalho, cuidando da casa e dos filhos.

As longas e extenuantes jornadas de trabalho do casal refletem na convivência com os filhos adolescentes e a família caminha para a desagregação. Os filhos adolescentes explodem em conflitos próprios da idade.

O diretor Ken Loach e seu parceiro, o roteirista Paul Laverty, constroem uma narrativa sem rodeios, focada nas relações da família Turner, entre o casal e os filhos e entre o casal e suas relações de trabalho. Histórias singelas e comoventes da cuidadora Abbie com alguns de seus clientes idosos. E histórias tensas e às vezes brutais do mundo do trabalho de Turner.

O roteiro constrói uma tensão na narrativa com a expectativa de um final de desastres. Toda a tensão de uma sociedade onde predomina o trabalho precarizado e o desmonte da saúde pública e do “welfare state”, orgulho dos ingleses.   

Você não estava aqui, é mais um importante filme denúncia das relações de trabalho reguladas pela tecnologia, onde se evidencia o Privilégio da servidão, muito bem analisado no livro do sociólogo Ricardo Antunes.

E já está sendo exibido em sindicatos e associações de trabalhadores, seguido de sessões de debates.

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https://www.youtube.com/watch?v=T8ICkoQ9Gqo

Ficha técnica do filme Você não estava aqui
Título original: Sorry, we missed you
Ano de produção: 2019
Diretor: Ken Loach
Roteirista: Paul Laverty
Gênero: Drama
Atores principais: Kris Hitchen, Debbie Honeywood, Rhis Stone, Katie Proctor, Ross Brewster
Em exibição nas principais salas de cinema   

Referências
ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão. São Paulo: Editora Boitempo, 2018.


O curso sobre Indicadores Sociais será ministrado a partir de exercícios diversos, questionamentos e contatos com os conceitos e conteúdos, por Viviane Canecchio Ferreirinho e Pierre Rinco (Coordenação do Observatório da Vigilância Socioassistencial, da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS). Visa possibilitar saberes sobre o que são indicadores e quais estão disponíveis para pessoas idosas. Inscrições em: https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/indicadores/

Maria do Carmo Guido

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós graduada em Gestão de Políticas Públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Pesquisadora e consultora nos temas da Economia do Envelhecimento. Embaixadora para as Mulheres Idosas na Me Too Brasil. Colaboradora no Portal do Envelhecimento. Conselheira no Conselho Municipal da Pessoa Idosa de São Paulo. E-mail: mariaguidodl@gmail.com

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