Diante de uma ‘crise’, como a pandemia, sempre me indago “o que posso/devo aprender com isto”. Qual sinal de alerta ela me traz?
Você considera que esta pandemia da COVID19 é um sinal de alerta? Esta foi uma das perguntas feitas no questionário que enviei aos meus amigos 60+, sobre o qual tenho postado algumas reflexões. A origem desta ‘conversa dialogada’ à distância teve início na terceira semana de março quando iniciei minha quarentena, oficialmente instituída pelo governo de São Paulo no dia 24. As datas previstas para a liberação – 7 de abril e 22 de abril – foram postergadas, a nova data é 10 de maio, devido à queda do isolamento e crescimento de internações e óbitos. Assim, o questionário foi elaborado no final da primeira semana de quarentena oficial, e a data proposta para o envio das respostas foi 04 de abril, sendo que a colaboração final chegou ao final de abril.
Tenho pensado muito na validade deste trabalho, principalmente ao que diz respeito à pandemia. Prevíamos uma mudança de cenário, tendo como indicação o que ocorreu em outros países, mas hoje constato que a realidade próxima, que nos afeta diretamente como agora, tem outro impacto.
Vejo-me desprovida da esperança de que poderíamos ter um quadro mais ‘suave’. Ingenuidade? ‘Jogo do contente’ que fazemos ante o imprevisto? Excesso de otimismo? Ouço dizer: ‘o mundo que deixamos não será o mesmo após o fim da crise’ e minha esperança era que nos tornássemos seres humanos mais compassivos, humildes, menos vaidosos e autocentrados, e que a desigualdade brutal na qual vivemos, posta a nu neste momento, pudesse despertar desejos de uma ‘nova sociedade’ mais igualitária e solidária.
Relendo o material recebido, vejo que algumas respostas ainda são válidas, como a que inicia esta reflexão – a pandemia da COVID19 é um sinal de alerta?
Então, extraímos do material enviado as respostas a esta pergunta. Muitas se articulam, outras ficam mais ‘isoladas’, mas é interessante saber o que se pensou sobre esta questão há cerca de mais de um mês.
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Como já indicado, os amigos que responderam ao meu convite são profissionais graduados, alguns aposentados e outros ainda na ativa, grande parte mora na cidade de São Paulo, uma mora na região serrana do Estado, uma em Salvador, outra em Portugal. Alguns moram com seus cônjuges, alguns sós, outros com esposa e filhos. Alguns se declaram católicos praticantes, outros não praticantes, uma segue a religião judaica, outros se declaram espiritualistas, e um declara-se sem religião.
Você considera que esta pandemia da COVID19 é um sinal de alerta?
A esta questão tivemos respostas mais objetivas e outras mais reflexivas. Marisa (80 a.) afirma:
As pandemias ocorrem periodicamente e são fruto, frequentemente, de como o homem tem se relacionado com o Planeta. Esta que estamos vivendo poderia ter a ver com o tipo de mercados da China, que vendem animais vivos, de toda a espécie?
já Cláudio (76 a.) traz novos dados ao afirmar:
É um sinal de alerta em relação à incompetência social e econômica para manter a população do planeta em expansão, dada a deterioração do ambiente.
A resposta de Diana (60 a.) completa e amplia a reflexão:
É um sinal de alerta para o planeta, cujos homens tem sucessivamente usado de poder e de capital para desrespeitar a natureza, promovendo queimadas, destruição de espaços, incêndios, construções inapropriadas junto aos mananciais, exploração não sustentada, dentre outros. O aspecto positivo desta pandemia é a necessidade de conexão de cada um com si próprio e com os seus familiares, depois com a sociedade maior.
Sim, um alerta para valorizarmos o que é realmente essencial na vida. Sinal de que necessitamos olhar para dentro de nossa casa interior. Ou como afirma Katia (69 a.)
Não tenho a menor dúvida. Confesso que estou apavorada, acredito no fim do mundo, no Apocalipse; mas vejo que essa pandemia é um alerta para a humanidade no sentido de nos obrigar a rever nosso estilo de vida, desprezo pela natureza e valores consumistas. Vejo que estamos passando pela experiência do confinamento, mas pelas redes sociais estamos ligados com nossos parentes, amigos e vizinhos como nunca antes tivemos. Estamos valorizando mais a família, estar mais com os filhos e netos; reforçando os laços de amizade mesmo com aqueles que estão longe. Estamos aprendendo a olhar o mundo com mais cuidado e dedicação. Estamos saindo dos nossos casulos.
E se amplia com a reflexão de Tania (61 a.)
Acredito que estamos tendo uma oportunidade como seres humanos de descobrir o que realmente importa. Fomos retirados do stress de um sistema de produzir e consumir cada vez mais e colocados dentro de casa para nos reconectarmos com a família e com o nosso interior, tão esquecido no dia a dia. Foi um presente para a humanidade, poderia ter sido uma guerra, que sempre que aconteceram geraram grandes mudanças, mas esta foi uma guerra invisível, silenciosa, que não gerou inimigos, raiva, pois o planeta inteiro teve a mesma experiência, e que nos mostrou o essencial, nos fez repensar em nossas vidas.
Já T. (61 a.) inclui uma nova, e muito pertinente, variável – os idosos sob o estigma ‘grupo de risco’:
Acredito que sim, tudo está conectado. E talvez seja um alerta para que repensemos se queremos de fato viver tanto, afinal a pandemia bate mais duro nos mais velhos e enfermos. O que isso está dizendo? Se seguirmos a lei da natureza das demais espécies, de fato estamos infringindo as leis maiores. Se ainda tivesse um sentido, se os mais velhos de fato tivessem uma função, mas não, são totalmente descartados pela sociedade, mercado, estado e família, e até por eles mesmos (nós). Então para que viver tanto: para ser jogado no lixo ou ‘recolhido’ ao aposento?
Reflexão que se completa com a de Odette (82 a.) que aprofunda, de forma contundente, este tema ao afirmar:
Tenho pensado no risco. Quem está correndo risco? Desculpe o realismo, mas, conforme o ditado, para morrer basta estar vivo, logo desde que nasci corro o risco de morrer. Com certeza depois dos 80 o risco é maior, pois não somos eternos. Quanto mais progride a medicina e a ciência mais sobrevivemos e por isso a população em risco aumenta. Alguém me disse que as epidemias procuram um equilíbrio natural aniquilando os mais fracos preservando a espécie. Quem deve ser salvo? Penso seriamente quem sou e qual o meu valor. Será maior do que os milhares de brasileiros que vão adoecer e não podem se isolar e nem lavar as mãos por não ter água, nem sabão e que se não tinham trabalho agora muito menos. Se não morrerem da doença vão morrer de fome. Voltando a pergunta qual o meu valor? A resposta não é fácil em se tratando de gente. Em situações limites pessoas resolvem se vão morrer no lugar de outros, uma decisão que tomam movidos por suas paixões, seus afetos, suas ideias. Ninguém deveria determinar isso embora a história esteja cheia de acontecimentos que mostram como um povo inteiro se convenceu que era melhor assassinar milhares de pessoas para garantir a vida de uns poucos. Sou muito velha, estou em risco, mas tenho tempo suficiente para pensar sozinha ou, com outros, rever minha vida e afirmar que estamos todos em risco. Vamos nos isolar, mas não demais…
Graça (70 a.) concorda que a pandemia é um sinal de alerta, e nos convoca para uma reflexão mais crítica, ao afirmar:
Desde que este alerta não esteja ancorado em agendas radicais: ambientalistas ou religiosas. Uma epidemia não é um inimigo com uma posição moral e muito menos a natureza não é um instrumento de punição ou recompensa. A ruptura epistemológica entre Deus e a natureza libertou a ciência ocidental das amarras das autoridades religiosas. No livro “A Doença como Metáfora” a autora Susan Sontag[1] alerta para uma variação desta moralização da natureza: a obsessão por encontrar metáforas políticas e espirituais nas doenças, sobretudo nas epidemias, quando ela discute sobre a tuberculose. Nossas sociedades não estavam preparadas para este imprevisto que despedaçou a bolha a-histórica e a nossa falsa sensação de controle. Se nós não soubermos colocar essa pandemia numa perspectiva histórica correremos sérios riscos de extinção ao repetir este processo. Os países/sociedades terão que passar por uma mudança de fundo radical na maneira pela qual que construímos nosso estilo de vida. O individualismo das últimas décadas cederá lugar a um maior sentido comunitário.
Meu otimismo natural sempre me leva a pensar que podemos crescer e mudar ante aos acontecimentos mais ‘turbulentos’, sociais e pessoais. Diante de uma ‘crise’, qual seja, sempre me indago “o que posso/devo aprender com isto”. E busco sempre tirar um ensinamento para melhorar. Excesso de otimismo? Pode ser, mas foi assim que consegui ultrapassar os obstáculos que a vida foi impondo neste, cada vez mais, longo percurso.
Poderíamos alongar em muito estas reflexões, e convidamos nossos leitores a colaborarem conosco enviando, para nosso e-mail pessoal, suas considerações sobre esta pergunta. Encerramos com um sinal de esperança uma frase do filósofo Mario Sergio Cortella, que em entrevista recente, publicada em jornal paulista de grande circulação, ao ser perguntado sobre a solidão – dos doentes nos hospitais, das pessoas em ‘isolamento social, entre outras situações, disse o seguinte:
Tenho visto muita gente tentando romper a ausência de pontes, buscando conexão com quem precisa. Quando Guimarães Rosa criou o título “Grande Sertão: Veredas”, ele acertou em cheio a ideia de que a vida é grande sertão e nele a sua percepção é de abandono, que você está sozinho, mas também há veredas. Muita gente, pelo mundo afora, está se colocando como vereda de outras pessoas, mesmo que de forma limitada.”
Notas
[1] Sontag. S. (2007). A doença como metáfora. São Paulo: Companhia de Bolso.
Foto destaque: Athena/Pexels