Com o aumento da expectativa de vida, surgem questões sérias na área da saúde que, no passado, nem sequer se discutia ou se pensava nas suas respectivas implicações e consequências. Um exemplo são os indivíduos com deficiência intelectual. Há 40 anos essas pessoas morriam na adolescência, hoje podem viver mais de 60 anos sofrendo de significativos problemas orgânicos, já que vivem mais.
Médicos e pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade de São Paulo (USP), psicólogos, terapeutas, advogados, assistentes sociais e outros profissionais da saúde já reconhecem este como um dos graves problemas emergentes: a possibilidade de envelhecimento precoce.
A reportagem aponta um estudo feito em 2009 em seis instituições da cidade de São Paulo, de um grupo de 373 pessoas com deficiência intelectual e mais de 30 anos de idade. Observou-se que 192 apresentavam pelo menos três sinais de provável envelhecimento precoce, de acordo com um questionário que avaliava eventuais perdas de memória, de autonomia nas tarefas do dia a dia, de interesse por atividades ou de visão e audição. Para dimensionar esse problema, está em curso um levantamento mais abrangente e detalhado, com cerca de 500 pessoas com deficiência intelectual e idade entre 30 e 59 anos da Grande São Paulo.
Regina Leondarides, coordenadora do grupo de estudo de envelhecimento precoce das pessoas com deficiência intelectual, que reúne 10 instituições de atendimento, explica: “Os estudos em andamento são essenciais para “vermos o que pode ser feito, em termos de atendimento médico e de políticas públicas”.
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Esper Cavalheiro, professor da Unifesp e presidente do conselho científico do Instituto Apae de São Paulo comenta: “Temos muitas políticas de saúde voltadas para a criança, mas as políticas para o envelhecimento estão começando a ser construídas. Estamos atrasados, em vista do envelhecimento acelerado da população brasileira”.
Um estudo realizado na Espanha e publicado em 2008 apontou que as pessoas com deficiência intelectual envelhecem prematuramente – as com Síndrome de Down, de modo mais intenso.
Dalci Santos, gerente do Instituto Apae de São Paulo, comenta: “O envelhecimento precoce, se confirmado, pode ter causas genéticas ou ambientais, independentemente da deficiência intelectual”. Matemática de formação, com doutorado em andamento na Unifesp, ela acrescenta: “Não conseguiremos avançar muito até esclarecermos melhor a origem das deficiências intelectuais”. As causas podem ser genéticas, como na Síndrome de Down, ou ambientais (causas não genéticas), incluindo infecções, baixa oxigenação do cérebro do feto, alcoolismo, radiação, intoxicação por chumbo durante a gravidez ou prematuridade – muitas vezes, vários fatores em conjunto.
Causas ambientais ou genéticas
Em um artigo no primeiro número da Revista de Deficiência Intelectual, publicação do Instituto Apae lançada em outubro, João Monteiro de Pina-Neto, médico geneticista da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, apresenta os resultados de um estudo sobre as causas da deficiência intelectual em 200 pessoas atendidas nas Apae´s de Altinópolis e Serrana, dois municípios da região de Ribeirão Preto. Os resultados obtidos até agora indicam o predomínio de causas ambientais (42,5% do total), seguidas pelas genéticas (29%) e indeterminadas (20%).
Um estudo similar feito com 10 mil pessoas na Carolina do Sul, Estados Unidos, apresentou o mesmo percentual de causas genéticas, mas apenas 18% de causas ambientais e 56% de causas desconhecidas.
Segundo a reportagem, a conclusão dessa comparação é que o número de nascimentos de bebês com deficiência intelectual poderia ser reduzido por meio de algumas medidas preventivas. Pina-Neto explica: “Melhorar o atendimento pré-natal e a qualidade do parto são uma prioridade. Ainda temos casos de deficiência causada por sífilis, rubéola ou toxoplasmose contraída durante a gestação e meningites pós-natais”. Segundo ele, outro problema que pode ser controlado é o alcoolismo.
Pina-Neto afirma: “Não fazemos ainda a adequada prevenção das causas da deficiência intelectual.” As causas genéticas podem ser controladas, já que o risco de uma criança nascer com Síndrome de Down aumenta muito com a idade dos pais. “As mulheres estão tendo filhos após os 35 anos de idade, portanto mais propensas a terem filhos com Down, e os homens estão se casando várias vezes, tendo filhos em cada casamento”, diz Pina-Neto. Segundo ele, homens estéreis que procuram as clínicas de reprodução deveriam ser mais informados sobre a possibilidade de terem alterações genéticas que podem ser transmitidas aos filhos caso se tornem férteis.
Indivíduos com deficiência intelectual apresentam capacidade de raciocínio bastante abaixo da média e limitações para aprender, se cuidar ou se comunicar com outras, mas atualmente são muito mais integradas socialmente, autônomas e produtivas, com mais oportunidades para expressar a criatividade do que há algumas décadas. O serviço de apoio ao envelhecimento atende 132 pessoas com idade entre 30 e 67 anos.
Ainda há muitas dúvidas sobre como lidar com os novos problemas. Crianças e adultos com deficiência precisam de hábitos e horários para se sentir calmos e confortáveis. Ao mesmo tempo, hábitos imutáveis podem favorecer o surgimento da doença de Alzheimer, doença neurológica que se agrava com o envelhecimento. Vem daí um impasse: manter a rotina inalterada poderia alimentar a propensão ao Alzheimer, mas quebrar a rotina pode ser perturbador.
Tendência ao Alzheimer
Orestes Forlenza, professor da Faculdade de Medicina da USP, explica: “Os sinais biológicos de Alzheimer podem surgir antes dos sinais clínicos. Ter acúmulo de placas amiloides (dificultam o funcionamento adequado dos neurônios) não significa ter demência futura. Qual a melhor intervenção futura? Não sabemos. Talvez via nutrição ou atividade física seja mais seguro do que por medicamentos”. Ira Lott e sua equipe da Universidade da Califórnia em Irvine fizeram um estudo duplo-cego durante dois anos com 53 pessoas com síndrome de Down para ver se a complementação da dieta com compostos antioxidantes poderia melhorar o funcionamento mental ou estabilizar a perda da capacidade cognitiva. Os resultados, publicados em agosto na American Journal of Medical Genetics, indicaram que não.
Para Esper Cavalheiro existem três perguntas ainda sem resposta:
- De que modo as alterações próprias do envelhecimento, como as doenças cardiovasculares, diabetes e câncer, se apresentam nas pessoas com deficiência intelectual?
- Como alterações frequentes nessas pessoas, a exemplo de demências e osteoporose, se comportam no envelhecimento?
- Os medicamentos usados para tratar hipertensão, diabetes e outras doenças típicas do envelhecimento funcionam nas pessoas com deficiência intelectual do mesmo modo que em outros indivíduos?
Outra dúvida: as estratégias de controle dos fatores de risco de doenças cardiovasculares recomendadas para pessoas normais, como o estímulo a atividades físicas, têm o mesmo impacto sobre a saúde das pessoas com e sem deficiência intelectual? “Supomos que sim, mas não sabemos ao certo”, diz Ricardo Nitrini, da USP.
Cavalheiro ainda expõe um fato sério e grave, considerando o envelhecimento galopante da população: as pessoas com deficiência intelectual com 65 anos ou mais correspondiam a 4% da população total no Censo de 2000; hoje respondem por 5,5% da população total. “Não podemos nos contentar apenas com estatísticas e diagnósticos. Temos de enfrentar esse problema com rapidez. Quanto mais gente dialogando e pensando nesses problemas, melhor”.
Referências
FIORAVANTI, C. (2011). O preço da longevidade. Disponível Aqui. Acesso em 20/11/2011.