Imagine um lugar longe do centro de São Paulo, da Avenida Paulista, dos metrôs! Mais longe um pouquinho… e mais um pouquinho… com ruas muito movimentadas, cruzamentos difíceis, muito trânsito e várias ruazinhas.
Ligia Pagenotto, Rita Amaral e Sonia Fuentes
Para quem não conhece, tem represa, mato, vaca, pasto, estrada de terra. Mais ao longe, morro acima, tem o autódromo de Interlagos. Poxa, como estamos longe do centro!
E a viagem continua, desce, sobe, Grajaú, Parelheiros, Jardim São Bernardo, Parelheiros, Cipozinho, Embu Guaçu, já outro município do Estado. Pegamos o caminho certo? Só estávamos tranquilas porque o Kal (José Carlos, um dos onze filhos da Vó Neide), que saiu de casa às 5h30 da manhã para chegar a tempo no ponto de encontro que previamente combinamos, estava nos acompanhando desde a estação de trem Vila Olímpia, no Itaim, para garantir que não nos perdêssemos.
Mais mato, árvores, montanhas, sinais de apicultura à vista: frascos de mel fresco à venda pela estrada afora, juntamente com queijos e outras delícias dignas de interior, como jaca e frutas do pomar. Mas, até chegarmos em Embu Guaçu, estávamos em São Paulo ainda.
E, assim, descobrimos pela Lígia que estávamos na parte mais distante do Centro de São Paulo, região sudeste da cidade.
Após quase 2 horas de passeio-viagem-aventura, e já numa estradinha de terra e pedras, chegamos. Ufa! Um muro bem alto recoberto de unha de gato anunciava a instituição “Vó Neide” escrito num portão de ferro colorido pintado com imagem de um casal idoso.
Lá dentro um belo casarão com tijolo aparente e muita vegetação à vista. Um lugar bastante agradável, digno de estância de férias. Mas essa foi a primeira e rápida impressão. Ao nos aproximarmos da casa, o movimento da lavanderia já anunciava que por lá havia muito trabalho a ser feito e pouca gente para dar conta.
Sentados em cadeiras, olhando o horizonte ou respirando o ar fresco e puro do mato, vimos os idosos no alpendre da casa. As outras pessoas, funcionários da instituição, estavam bastante ocupadas e empenhadas em dar conta daquela turma de 44 velhos, com idades que variavam entre 60 e 100 anos, com raras exceções de alguns adultos com problemas mentais leves, na faixa de 45 a 52 anos.
Pensamos que não gostaríamos de ser um deles: não pelo tratamento oferecido, mas talvez pela solidão que demonstravam. Vó Neide não dá conta de tanto trabalho e sobrevive da ajuda quase inexistente que vem de algumas almas boas, como de uma juíza e de outras pessoas de seu relacionamento.
Conta com poucos profissionais, nove ao todo, que se revezam pelo período diurno e noturno. Na hora em que chegamos, às 10 da manhã mais ou menos, os residentes estavam na varanda da casa tomando sol, aquecendo-se. Neste local vimos um auxiliar de enfermagem que preenchia um prontuário e duas cuidadoras. Na área da cozinha e lavanderia outros funcionários estavam ocupados com seus afazeres. Todos pareciam ter boa vontade.
Conversamos com alguns, outros continuavam incomunicáveis. Para alguns, receber um aperto de mão já lhes dava grande prazer e felicidade, modificando um pouco o aspecto daqueles rostos magros e tristes. Muitos sorriam para nós quando nos aproximávamos.
Um senhor chegou a apertar tanto a mão de uma de nós e ela nos disse que tinha ficado com ele por alguns minutos, permitindo que ele desfrutasse um pouco de calor e esquentasse suas mãos frias. Outra senhora perguntou para esta colega se ela iria se casar! Rimos desta suposição. Uma, bastante lúcida, nos revelou que não sabia quando entrou na casa da Vó Neide, mas nos contou com bastante tristeza que, desde que seus filhos a colocaram ali, nunca mais foram visitá-la.
Vó Neide nos mostrou uma senhora demenciada, onde ainda se nota sinais de beleza hoje descuidada, mas que outrora foi Miss Brasil. A ex miss nos pediu para ser fotografada individualmente. Quereria reviver por instantes a sensação de ser foco de uma lente de um fotógrafo?
Na casa, há muitos idosos com deformidades, com artrose, talvez. Há idosos em cadeira de rodas, com bolsas de coleta de urina aparentes, com membros amputados, paralisados em uma parte do corpo. Alguns mudos, muitos desdentados.
Eles dispõem de bastante espaço físico, mas falta privacidade. Os quartos são coletivos, com várias camas, 5, 6 , e até mais. O critério de acomodação dos idosos nos quartos é pelo uso ou não de fralda. Vó Neide nos conta que as noites são difíceis, pois muitos residentes levantam as 3h30 da madrugada e começam a andar pela casa.
A sala comporta bem uma mesa comprida, alguns sofás de segunda mão, poltronas velhas cobertas com lençóis e cadeiras velhas de madeira e ferro, algumas bem estragadas.
São móveis bem usados, em estado precário. As tevês são de segunda mão, mas não há cheiro de urina nem cheiro forte de sujeira. A casa estava em boas condições de higiene. A cozinha se apresentou limpa e o cheiro gostoso do feijão anunciava que o mesmo estava sendo refogado com alho e outros temperos.
Sentimos falta de atividades ocupacionais para os idosos. Os dias devem ser muito longos… Falta ocupação, lazer. A sensação é que o lema ali é cada um por si. Para garantir um punhado de bolachas na hora do intervalo da manhã, os idosos torciam para que cada um recebesse uma quantidade grande, para saciar a fome e esperar até a hora do almoço.
Saímos com uma sensação estranha, um misto de impotência e tristeza. Por mais que, hoje nós tivéssemos contribuído com nossa visita, levando nosso carinho, e alguns itens de cama, mesa, banho, cestas de mantimento e produtos de limpeza, ficou a sensação de que o que fizemos é quase nada diante a carência que o local e as pessoas apresentam.
Além da carência material, falta carinho, companhia familiar, contato, atenção, conversa, visita de um familiar, de um amigo próximo. Falta o olho no olho, a mão na mão.
Como seriam suas velhices?
Bairro do Cipó, Embu Guaçu. São Paulo, Setembro 2010.